quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ceuta, seiscentos anos depois...

Ano de evocações e de desejadas acções Há seiscentos anos, em busca de cereais que escasseavam, Portugal, que era dirigido por gente de alta craveira, sólida formação e visão estratégica, longe de vender os barcos que tinha, aventurava-se a, com eles, ir procurar novos mundos. Olhando ao largo, virou-se para Sul, espreitou África e partiu para a conquista de Ceuta. Estávamos em 1415, como registam os anais da nossa História. Abria-se, assim, uma época de ouro do nosso ancestral passado. Epopeia arrojada, tudo foi preparado ao pormenor, mas em resguardado segredo. Tanto assim foi que só em Lagos, no dia 28 de Julho, se dá conta da missão a cumprir. Até esse momento, os cerca de 20000 cavaleiros e soldados, em 212 embarcações, sob o comando do próprio Rei D. João I, não sabiam ao que iam, nem qual o destino de tanta azáfama. Portugueses, ingleses, galegos a biscaínhos, todos em conjunto, para ali andavam em boa cooperação, mas nada lhes era dito em jeito de conhecimento específico quanto ao carácter de suas funções, para não prejudicar o sucesso desta bem gizada operação. Este era um tempo em que as funções do Estado eram acauteladas até à exaustão. Após a Guerra da Independência, despoletada em 1385, consolidada com o Tratado de Ayllón, em 1411, famintos de cereais e metais, pensando na forma como satisfazer vontades díspares como as de uma nobreza ávida de feitos, de um clero ansioso por entrar pelo mundo islâmico adentro, com uma corte a querer mostrar tudo quanto valia ( e era muito), para os portugueses havia um bom caldo cultural e estratégico para se fazer algo de diferente e grandioso. Ceuta aparece como objectivo maior em tal contexto. Cidade bem situada, dominando o mar e várias rotas, centro comercial e local de culto islâmico, a dois passos de casa, era apetecível de todo. A coragem e a determinação fizeram o resto, quando a 22 de Agosto de 1415, foi tomada essa Praça forte. Isolada, pareceu tornar-se quase um monumental fracasso. Só que, e isto é que é relevante, a conquista de Ceuta foi parte de um projecto mais vasto, que chegaria a toda a Costa de África, à Índia, ao Oriente, ao Brasil e a tantos outros lados negociados com o Tratado de Tordesilhas, ao finalizar este mesmo século XV. Em início de ano, trazer para cima da mesa de trabalho esta evocação não passa de snobismo intelectual, cogitará muito boa gente e com razão. Mas não é bem disso que se trata. Sabendo que a História é um poço de lições sem fundo, estas referências à Conquista de Ceuta trazem água no bico: querem mostrar-nos que, hoje, somos uns pobres aprendizes de construção de nações sólidas, robustas, orgulhosas de seus feitos e prontas a nunca vacilar. Sem valorizarmos as nossas potencialidades, sem pormos a render os nossos recursos, vendemos todos os anéis, exportamos as nossas inteligências, desbaratamos conhecimentos e ficamos sempre na cepa torta. Depois de nos termos apartado (?) da perda da independência, desastre que remonta a 2011, com a expulsão negociada da Troika, estas são horas de começar a sonhar com outros voos. Mas para sulcar os céus, desviando-nos das tempestades que nos ameaçam, com epicentro na Grécia, é de um poder forte, moderno, capaz, carregado de saber e vontade que temos de contar. Só assim avançaremos pelos mares de Ceuta e pelos céus do mundo. Neste ano de 2015, seiscentos anos depois da chegada ao norte de África, temos connosco a força de umas eleições que servem para apontar rumos, temos a necessidade de procurar, sem moeda nossa, mas com as boas graças do BCE, outras formas de viver com dignidade e algum proveito. Ceuta foi ontem, Portugal tem de continuar a ser hoje e amanhã. Mas não chegaremos a lado nenhum se não formos capazes de lutarmos com todas as nossas energias, no sentido de virmos a conseguir sair deste torpor que nos mata lentamente, em dolorosa e lenta agonia, bem pior do que morrer de vez. Ao menos, dessa forma, dispensaríamos a tristeza de uma dor que, corroendo-nos, nos não deixa viver o dia-a-dia. E isso dói mais do que tudo. Esta é a lição que os nossos políticos têm de saber aprender. Se o não fizerem a tempo, venham outros, que as nossas Ceutas exigem gente de rasgo e valor a sério… Carlos Rodrigues

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