terça-feira, 28 de abril de 2015

Manhouce sempre com boa música...

Arte e música em Manhouce a rodos Em terra onde até as pedras sabem cantar e encantar e as pessoas nascem já com essa carga genética, ninguém se fica por esse dom natural, por se lhe dedicarem de alma e coração, que o trabalho, se não é tudo, tem, também nesta alta matéria cultural, uma boa dose de importância. Assim, em Manhouce, com tanta e tão boa tradição musical, há um novo projecto, ARS NOVA, que cresce, com gente muito jovem, a olhos vistos, com um Mestre de eleição, o Dr. Alexandrino Matos, um cidadão de Vouzela por opção própria e assumida. Para saber o que para ali se anda a fazer, para lá fomos num final de uma rica tarde de sol, por sinal, muito bem aproveitada. Em instalações cedidas pela Junta de Freguesia, à beira da nova e imponente Sede em construção, numa casa modesta, que alberga também o “Ditoso Saber – Associação Cultural”, encontramos quatro jovens meninas que, semanalmente, ali ensaiam as canções, ora em grupo, ora a solo, sempre com o fito de irem mais longe e mais alto no mundo da música. Com antecedentes a esse nível, o que delas sai tem algo de divinal, até porque se esmeram na aprendizagem e na participação activa neste seu projecto, que passa sempre pelos contributos de todas e do Maestro/Director quando é preciso tomar decisões. Com este sistema de partilha de responsabilidades e com os seus dotes pessoais, limados, apurados, puxados até ao céu, as mil maravilhas vêm a seguir. Por palavras, é impossível descrever o que se sente ao ouvi-las cantar. Mas imagina-se. Nesse fim de tarde de uma sexta-feira, dia treze, ali não houve azar, mas uma sorte de todo o tamanho. Vimos e ouvimos tudo, desde o arranjo da sala (que ainda cheira a uma espécie de cozinha improvisada em casa de ensaios) à colocação das pautas e ainda, sobretudo, à preparação de mais um dia de boa e poderosa formação. Afinadas as vozes, em exercícios eficazes, partiu-se para a prática activa, com as canções a desfilarem, tiradas de um vastíssimo reportório com umas seis a sete dezenas de músicas a levar aos concertos e às diversas participações. Feita a abertura com um trecho popular, a apresentação de “Acordai!” deixou-nos sem fôlego. E era apenas um ensaio, note-se. Para animarem este encontro, apareceram a Cíntia Silva Gomes, 16 anos, estudante em S. Pedro do Sul, a Susana Costa Alves, 19 anos, também estudante na Universidade de Aveiro, a Adriana Gomes, 20 anos, desempregada e a Ana Rita Sousa Trindade, 17 anos, estudante na Escola Profissional de Carvalhais, capitaneadas, como sempre, pelo Director Musical, António Alexandrino Matos. Com seis anos de prática musical, em geral, estas meninas fazem agora parte do já falado Grupo ARS NOVA, que nos remete, pensamos nós, para um rico universo de referências passadas, agora elevadas à categoria de uma nova arte, em homenagem ao “Ars Nova Musicae”, de Phillipe de Vitry, conceito surgido no ano de 1322, para dar uma ideia de outras mais latas roupagens para esta criação artística. Sem deixar de lado a riqueza local nos seus baixo, raso e riba, aqui parte-se também para outros voos, onde a erudição também faz parte do seu dia a dia. Com percursos constantes, em que se começa com a leitura, o assumir das peças, o amadurecimento para se chegar ao cântico, acompanhado pelo órgão ou à capela, a perfeição é o objectivo supremo. Tanto assim é que, em cerca de 10 ou 12 mil notas, se houver meia dúzia de falhas, já se pensa que correu “mal”. Por isto se vê quanto de exigência é sucessivamente posta sobre os ombros deste Ars Nova, que já tem vários apoios, mas merece muitos mais, alertando-nos esta gente para a necessidade de a CM de S. Pedro do Sul lhes vir a dar mais um pouco de atenção… Com muito saber passado de geração em geração, os três TTT, trabalho, talento e técnica não podem faltar. Temos então a receita óptima. Assim se passou nos concertos de Vouzela e Pereira de Bodiosa e não deixará de acontecer nos outros que estão em agenda ou em preparação. Porque trabalhamos com letras de computador, falta-nos aqui o colorido e o som inesquecível deste jovem e notável Grupo. Desta forma, fica um convite: procurem-se as suas actuações e não se perca uma delas, sequer. Vai valer a pena, de certeza. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2015

terça-feira, 21 de abril de 2015

Destriz, agora também minha freguesia...

Pelas nossas terras - Destriz com um pé na água e a alma no ar Com o Rio Alfusqueiro a cortar em dois bocados a freguesia de Destriz, sendo que os lugares da Ribança, Caselho e Silvares estão na sua margem esquerda, opondo-se-lhes, em posição geográfica, Destriz, Carregal, Pisco e Benfeitas, é natural que estas águas, lá em baixo, sejam marca registada desta terra. Acontece que, bem no cimo, nas Benfeitas, a Nossa Senhora da Conceição, em ermida antiga, e o Miradouro de Santa Maria, nesta mesma localidade, apelam a que se olhe para o Alto, em sinal de humildade e de sentida prece. Já os povos de outrora teriam pensado em algo de arte espiritual, quando gravaram, nas Pedras das Ferraduras Pintadas e dos Cantinhos, nos limites deste mesmo lugar, as suas perenes mensagens. É assim Destriz, caldeando a “cratera” em que se situa a sede desta circunscrição administrativa, outrora sozinha, agora em partilha com Reigoso, com as alturas e cumes da Serra do Ladário/Talhadas. Desta variedade, sai a sua riqueza, em agricultura, em avicultura e produção florestal. Pegando naquilo que a natureza dá, as suas gentes aperfeiçoaram esses mesmos dons da natureza e arranjaram outros. Falam por si a recente e próspera mecanização avícola, como relataram, há dias, os nossos Correspondentes e como, em 2010, agarrando num simples exemplo de técnica e de saber, criado por António Fernandes Martins, se veio a mecanizar um canastro de 1000 alqueires de milho, uma engenhoca que mereceu honras de destaque no Boletim da Regionalização Regional da Agricultura e Pescas do Centro (nº12, Março 2010). Por falarmos em pescas, célebres, saborosas e apetitosas são as trutas desta zona, que nos habituámos a conhecer, muito na companhia do saudoso Padre Manuel Ferreira Diogo, o herói da ligação, por ponte, entre as margens do citado Rio, hoje aprazível Praia Fluvial, no Verão, e carregado de fanfarronice bem molhada em cada Inverno que passa. Nas páginas deste nosso NV, que o Zé de Lafões (P.e MFDiogo) tanto enriqueceu com seus escritos, lamentos e críticas, esta (meia) Ponte deve-lhe muito, quase tudo. Sugerimos que esta, ou outra que lhe venha a suceder, passe a ostentar, em toponímia, seu nome para sempre. Encravado entre os distritos de Viseu, de que é um dos extremos, e o de Aveiro, perto das Benfeitas e do Pisco, há sinais evidentes e claros da velha Estrada Romana, assim como se registam, em placas, nesta última localidade, os benefícios da EN 333, que haveria de pôr em contacto capaz Oliveira de Frades com Talhadas do Vouga, imagine-se, apenas em meados dos anos sessenta do século passado. Mais temporões foram os Romanos, como se viu, e eles bem sabiam o que faziam, já há cerca de dois mil anos. Terra de muitos encantos, a religiosidade tem aqui um ponto de destaque com a Igreja Paroquial a parecer um eremitério, por estar fora do tecido urbano, com a magnífica Capela das Benfeitas e suas preciosas pinturas, a Capela de Santo António, na Ribança, as Capelas velha e nova de Nossa Senhora da Nazaré, no Carregal, a que se lhe associa a bonita lenda da Pedra do Ar, o já citado Monumento em honra de Santa Maria, Benfeitas, são prova dessa mesma dimensão social. Em património, logo sobressaem as Pedras das Ferraduras Pintadas e dos Cantinhos, nas Benfeitas, as Estelas Funerárias no Adro da Igreja, que mostra ainda uma pequenina imagem, em nicho no seu exterior, que bem merece uma atenção especial, os troços da via romana e respectivos marcos miliários (Museu Municipal), aparecendo, como sinal de novidade bem recente, o Museu Etnográfico, Destriz, e o Centro Social e Cívico, Carregal, assim como o Centro Cultural também nas Benfeitas, em obras. Tendo pertencido aos extintos concelhos de Lafões e de S. João do Monte e até à freguesia de Campia, Destriz integra actualmente o município de Oliveira de Frades, mas o que lhe começa de faltar é gente, como vemos nestes números: ano de 1911 – 459 habitantes; 1940 – 506; 1960 – 518; 1981 – 520; 1991 – 480; 2001 – 397; 2011 – 347. Para reflexão. Sinalizando-se Destriz na obra “ O amor em armas, José Marques Vidal, Oficina do Livro, 2009”, em que se fala, em versão romanceada da segunda invasão francesa, a fama desta terra anda por muito lado e com absoluta razão, quer por força de seu rico passado, quer pelo presente. Unida a Reigoso, o futuro passa pela imaginação e criatividade da massa humana que por aqui se mantém. Boa sorte!... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 9 de Abril de 2015

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Um olhar sobre Lafões

Lafões, os sinais de união e os desenlaces De vez em quando, é a partir de minudências que chegamos ao alto das montanhas. Aliás, estes cumes só se atingem à custa de pequenos, mas decididos, passos ou de algo de natureza semelhante. Mesmo em veículos motorizados, a grande velocidade não é a regra geral, nem por sombras. Posto isto, vamos deixar falar a voz das emoções, pondo, aquém e além, umas pitadas de razão. Ou seja, este texto é tudo menos ciência, por opção, sem tirar nem pôr. Há dias, num encontro que tem associado o Almoço da Amizade revi um dado que nem sempre é muito perceptível, que é o da união entre os três concelhos de Lafões, pondo em prática a identidade que o Professor Amorim Girão bem quis evidenciar. Ali estiveram os três Municípios com representações oficiais, tal como vem senho hábito nestas iniciativas, nascidas em Oliveira de Frades, mas a ganharem e a solidificarem um verdadeiro estatuto regional. Veio ainda a nossa Casa de Lafões, de Lisboa, que tanto teima em conseguir um verdadeiro esforço comum, mas que tantos insucessos, infelizmente, tem tido. Começa aqui um fatal desenlace, um pé atrás que se não compreende, nem se aceita de ânimo leve. Com esta embaixatriz na Capital, é, no mínimo, estranho que dela se não tire o devido partido e se perca, assim, um manancial de potencialidades que os nossos antepassados nos legaram a partir de 1911 e, hoje, deixamo-la numa espécie de triste abandono, sobrevivendo apenas ( e bem) pelo trabalho e carolice de seus corpos sociais. Dos municípios, digamo-lo, frontalmente, pouco recebe e muito mal aproveitada ela é. Um dia, criou-se a Feira de Lafões, um bom e sonoro êxito durante alguns anos. Morreu. Igual e dramático destino tiveram a Adega Cooperativa e a Cooperativa Agrícola de Lafões. Uma e outra foram marcos em seus sectores de actividade, uma e outra deixaram-se enredar em quezílias e problemas sem fim, que foram muito para além das questões económicas e sociais de então. Desamparadas, tombaram para sempre, assim se eclipsando duas de nossa bandeiras. Ficou-nos a Vitela, mas até esta parece não singrar, nem vincar a sua posição e a culpa não é destes queridos e saborosos animais, é toda nossa, dos homens e mulheres, nós, que por aqui andamos. Ao folhear o livro da nossa memória – sabendo que vamos ser traídos por muitas falhas, o que nos leva a um público pedido de desculpa – e ao registar alguns bons exemplos em que a designação de Lafões está presente, não sabendo se a alma o está, total e abertamente, sentimo-nos bem em vermos que há a AEL – Associação Empresarial de Lafões, a ASSOL – Associação de Solidariedade Social de Lafões, a VerdeLafões, a ADRL – Associação de Desenvolvimento Rural de Lafões, a Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões, etc., etc. Numa outra vertente, mais política, temos a CIM – Comunidade Intermunicipal Viseu Dão-LAFÔES, a ADDLAP – Associação de Desenvolvimento Dão LAFÕES e Alto Paiva, mas aqui com S. Pedro do Sul a estar apenas com cerca de metade de seu território que há uma parte ligada à ADRIMAG. Em matéria de recolha e tratamento de lixos, pertence-se à Associação de Municípios da Região do Planalto Beirão, com outra excepção – Oliveira de Frades faz a sua recolha, o que já não é uma ligação total, esta a ficar-se apenas por Vouzela e SPS. Internacionalmente, num Programa de Valorização de Rios, a organização Waterwaysnet, lá se associaram os três concelhos, havendo neles o selo desse factor identitário, no Cunhedo, Zela, Gaia, Vouga, Pisão e Cambarinho, num total de oito parceiros de cinco países, desde os anos 2000 e tal em diante. Curiosamente, também a natureza tem algumas divisões, sendo ela mesma um factor nem sempre tão sólido quanto desejaríamos. Vejamos: este nosso território é tocado por três distintas Bacias Hidrográficas, as dos Rios Vouga, Mondego e Douro. Mas há um facto indiscutível: o Vouga é poderoso traço de união e o bastão que nos segura a todos, porque a grande parte de nossas águas é nele que vão desaguar, ficando apenas franjas para os outros dois, Mondego e Douro. Com tantos sinais de união e alguns, bem menos, de desenlaces, está nas nossas mãos querermos e sabermos caminhar em conjunto. Vamos a isso, nas Escolas, na Saúde, nas vias de comunicação, na distribuição de serviços, no equilíbrio e no arrojo das decisões a tomar, porque a técnica dos vimes aqui se encaixa que nem uma luva. Pau a pau, partimos por todo o lado. Unidos, caia o Carmo e a Trindade, que nos manteremos, firmemente, de pé. E é assim que nos devemos sentir: unidos para sempre… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 9 de Abril, 2015

terça-feira, 7 de abril de 2015

Antelas, a maravilha da pintura rupestre europeia

Pelas nossas terras - Anta pintada de Antelas, uma referência muito especial Nos últimos tempos, sob esta designação genérica de “Pelas nossas terras”, temos andado a tentar divulgar, com mais ou menos sucesso, alguns aspectos tidos como relevantes em cada freguesia, vistas estas de uma forma geral e genérica. Entendemos, porém, que, para falar deste sepulcro-templo, como o definiu o Professor Domingos Cruz, da Universidade de Coimbra, que tantos trabalhos de escavações e investigação tem desenvolvido acerca deste monumento, tínhamos de ser mais selectivos e mais incisivos, dedicando à Anta Pintada de Antelas este espaço, todo ele e é sempre pouco para retratar tamanha jóia da nossa pré-história. Guardada a sete chaves, em cuidado extremo, que se deve à clara consciência que está ali um tesouro fenomenal ( e as palavras são para ser usadas sempre que tal se justifique, como acontece neste caso), o acesso a esta Anta depende de contactos prévios com a Câmara Municipal de Oliveira de Frades. Desenganem-se, porém, os predadores destes locais em busca de metais preciosos: ali não há nada que preste, a esse nível. Nada. Mas a arte existente, única, intransmissível, antiquíssima e de um valor sem preço, essa, merece ser estimada, preservada e valorizada em tudo quanto for meio de divulgação patrimonial e turístico. Anta de Antelas, temos uma e uma apenas. Monumento nacional tardio, o que se justifica por só recentemente, em finais do século passado, depois de uma primeira abordagem, nos anos cinquenta, se ter confirmado a sua importância, está assim classificada desde o ano de 1990, através do Decreto 29/90, de 17 de Julho, com uma pequena correção em 1993, em que se alude à freguesia de Pinheiro de Lafões, onde se situa, ponto que ficara omisso e mal definido no documento inicial. Referenciada, mas não muito profundamente, pelo nosso conterrâneo de Fataunços, Professor Aristides Amorim Girão, em 1921, foram seus grandes divulgadores, anos mais tarde, década de cinquenta, os arqueólogos Luís de Albuquerque e Castro, Octávio Reinaldo da Veiga Ferreira e Abel Viana, que procederam a escavações e à recolha de parte de seu espólio. Colocados perante a evidência de um tão imponente monumento com um enorme fulgor em pinturas e figuras e perante ameaças de a natureza estragar as tintas e os traços, passado algum tempo optaram por cobrir, de novo, toda a câmara, corredor e mamoa, componentes deste tido de construções megalíticas. Nos anos noventa, voltam-se para este local as atenções do Município, pedindo a colaboração de entidades científicas credenciadas, em que, na altura, sobressaiu a Universidade de Coimbra, através do Professor Domingos Cruz. Com uma vasta publicação, até a servir para sua Tese de Doutoramento, pode referir-se, por exemplo, o Boletim Municipal de Oliveira de Frades, nº 86, de 1996, a par de muitos outros trabalhos. Nesse contributo, designou-a então como “ Um sepulcro-templo do Neolítico final”. Conclui-se aquilo que se sabia: este é um monumento funerário, datado dos anos que vão entre 3625 e 3140 a.C, em modelo avançado quanto a este tipo de operações de contagem do tempo (feita a nível internacional em dois locais distintos), contando com oito esteios, todos decorados no interior da câmara, parte central, e alguns mais nos corredores, em que proliferam pinturas e gravuras de significado difuso, nas cores a ocre vermelho e preto. Dali saíram para o Museu dos Serviços Geológicos de Lisboa vários objectos do seu espólio, alguns deles representados, em réplica, no Museu Municipal de Oliveira de Frades. Anta ou dólmen – esta, uma versão francesa, generalizada no século XIX – é para Marc Devignes a Lascaux do megalitismo e a catedral da pintura rupestre peninsular e europeia, pela riqueza, nitidez e extensão, com significado lógico e contínuo, de sua arte. Com uma expansão artística e científica de nível mundial (e não é demais enfatizar esta sua importância, porque reconhecidamente real), a Anta Pintada de Antelas tem lugar primordial no nosso património. Só que, por vezes, não se dá por isso e é pena… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2 Abril, 2015

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Vamos até S. Miguel do Mato

S. Miguel do Mato, dos imperadores de Leão a Angola Hoje, vamos falar de uma terra de que recordamos um dos pinheiros mais exóticos do mundo, aquele que escolheu para sua morada a torre de um velha Igreja, a de S. Miguel do Mato, visto da antiga linha do caminho de ferro do Vale do Vouga, nas muitas viagens feitas entre Pinheiro de Lafões e Viseu e vice-versa, em anos que se vão perdendo na nossa memória. Impávido e sereno, resistente e teimoso, por lá continuou anos a fio, uma boa cepa, assim o cremos. Nesse recuado tempo, jamais pensaríamos que, um dia, haveríamos de estar a escrever, aqui, num dos mais destacados e prestigiados jornais regionais, facto que já vamos registando desde 1973, estas ou outras linhas. Longe de nós tal ideia! Quis a vida que assim acontecesse e ainda bem, por todos os motivos e mais alguns. Por destino, aproveitamos esta boa oportunidade para falarmos de uma das freguesias do concelho de Vouzela, que muito o tem engrandecido, esta, a de S. Miguel do Mato. Prenhe de história, de barriga grande a esse nível, nela viveu, por exemplo, um dos mais ilustres nobres da Idade Medieval peninsular, D. Ramiro, Rei (?) de Viseu, Imperador de Leão, que residiu na Quinta do Paço nos primeiros anos de 900, ao mesmo tempo que vagueava pela citada nossa capital de distrito e pela Galiza, onde haveria de afirmar sua crescente importância. Séculos depois, na história deste território, haveria de nascer D. Isabel Almeida Ferreira (cerca de 1659), que viria a estar na origem de uma das mais notáveis casas e famílias da nossa região – os Malafaias de Serrazes e Santa Cruz da Trapa. Consta que os célebres Pastéis de Vouzela tiveram a sua doce origem em religiosas de Moçâmedes, que passaram pelos Conventos no Porto, antes de virem fixar-se na vila que tem a fama e o muito proveito de ser o berço desses mesmos Pastéis. Mas esta terra não se ficou por aqui. No século XVIII, um nosso conterrâneo, José de Almeida e Vasconcelos do Soveral de Carvalho da Maia Soares de Albergaria, um nome grande para um Homem, de Portugal, de Angola e do Brasil, o Barão de Moçâmedes e Visconde da Lapa, Coronel de Cavalaria, Governador de Goiás/Brasil e Capitão-General de Angola, fez surgir a cidade de MOÇÂMEDES, lá em baixo, na África, hoje designada por NAMIBE, o que é uma enorme carta de recomendação para estas povoações de S. Miguel do Mato. Senhor de alma enorme, com saudades de sua aldeia, replicou seu nome nas paisagens africanas para que nunca mais viesse a ser esquecida. Boa ideia, melhor concretização! - Mas o passado de S. Miguel do Mato é muito mais antigo Se estes são dados, por assim dizer, quase contemporâneos, S. Miguel do Mato vai buscar os seus pergaminhos a outros tempos muito anteriores a estes. Perde-se na longínqua viagem pelos nossos tempos como comunidades a imagem destas terras. Por aqui andaram povos ancestrais, da nossa pré-história e de épocas mais recentes, ainda que com milénios de vivências. Uma delas faz-nos recuar aos Romanos, que aqui estamparam a sua força empreendedora, vincada nos vestígios de suas estradas, duas ao todo, sempre a ligarem a Viseu. De acordo com “Vias romanas em Portugal – Itinerários”, esta freguesia era bafejada por duas estradas, ainda que uma delas lhe passasse de raspão, aquela que ligava o Porto a S. Pedro do Sul e Viseu, tocando estes territórios na sua passagem por Lufinha, Quinta da Comenda a caminho de Gumiei. A outra, vinda do Cabeço do Vouga/Marnel também para Viseu, saía de Vouzela por Fataunços, Figueiredo das Donas, Carregal, Queirã, Vale Susão, Quinta do Paço, Sabugueiro, Carvalhal do Estanho, Caria, Silgueiros, Bodiosa, havendo, a certa altura, uma variante de Queirã a Viseu, via Igarei e Couto de Cima. Pelo que se constata, a freguesia de S. Miguel do Mato inscreve o seu nome, para sempre, no capítulo das Estradas Romanas. Com base numa série de fontes e nas páginas da Internet do Rancho Folclórico de Vilar que, para além do bom trabalho de pesquisa etnográfica, cultural e musical, ainda nos oferece boas informações de História, sabe-se que D. Afonso Henriques, em 1133, doara a “villa” de Moçâmedes a Fernão Peres. Avançando-se pelos tempos fora, entramos no período agitado das guerras com Castela, em 1383/1385, e esta terra nelas aparece em força, curiosamente ao lado dos castelhanos, através do Senhor de Moçâmedes e de Lafões, Dom Henrique Manuel de Vilhena, que acabará por ficar sem esses poderes, a passarem para as mãos de Martim Vasques da Cunha e Gonçalo Pires de Almeida. Com o Reis D. Duarte e D. Afonso V, aqui se notabilizaram João de Almeida, Luís de Almeida, Fernão de Almeida, Duarte de Almeida, o Decepado de Toro. Distribuídos os seus actuais habitantes pelos lugares de Moçâmedes, Cruzeiro, Adsinjo, Burgetas, Roda, Malurdo, Casal, Lourosa, Outeiro, Vila Pouca, Caria e Vilar, hoje rondam as 924 pessoas (2011), mas já foram bem mais, como se vê por estas tabelas: ano de 1950 – 1497; 1960 – 1779; 1970 – 1315; 1981 – 1331; 1991 – 1251; 2001 – 1128, descendo a fasquia do milhar, como vimos, precisamente, em 2011 – 924. Seguindo a temível regra do despovoamento do nosso interior, isto começa de ser preocupante. Para se compreender o efeito devastador destas conclusões, por exemplo, actualmente há apenas um Centro Escolar para toda a freguesia, por sinal, bem moderno e atraente, com trinta e sete crianças, desde o Jardim de Infância ao 4º ano de escolaridade. Ainda há anos, em 2003/2004, tínhamos as escolas de Caria, também com JI, e 21 alunos, Lourosa, 10 e Moçâmedes, 15. Recuando um pouco mais, descobriremos as Telescolas de Moçâmedes e Caria, o que há não passa de uma boa memória. Religiosamente, nestas terras que já pertenceram aos concelhos de Lafões e de S. Pedro do Sul, para estarem agora, firmes, em Vouzela, podemos assistir às Festas de S. Sebastião, Nossa Senhora das Dores, Corpo de Deus, Espírito Santo, S. Miguel Arcanjo (Padroeiro), Santo António, nas Burgetas, Senhor da Agonia, Ermida da Frádega, apinhada de lendas, Nossa Senhora do Milagres, Caria, Sagrado Coração de Maria, Vilar. A propósito da Capela do Espírito Santo, há quem afirme que foi tal a sua importância que daí saíram as paróquias, todas de S. Miguel, incluindo Queirã e Bodiosa, sendo muito falada a Ladainha das três freguesias que convergia para aquele lugar sagrado. Com uma Igreja nova, ainda meio recente, a antiga por lá se mantém, dizem-nos que com algumas obras de beneficiação e conservação, o que é muito bom sinal. - Sinais de modernidade Numa breve panorâmica pela actualidade, são evidentes algumas boas marcas de renovação de espaços, como o da velha Estação, agora a albergar a Sede de Freguesia, o novo Centro Escolar, a o Centro Social, nas antigas instalações da Casa do Povo, o Parque Desportivo, onde, outrora, houve ligação a uma Feira, sendo que as antigas salas da Escola Primária são ocupadas pela Banda e pela Catequese, pois aqui é bem evidente uma certa força associativa, destacando-se, de imediato, a sua Banda, nascida em 1875, e o ACR/Rancho Folclórico de Vilar, com páginas brilhantes na área em que desenvolve a sua actividade, a Associação Social Cultural e Desportiva, podendo ainda citarem-se a Associação dos Amigos do Senhor da Agonia, a Fundação Padre António de Almeida Oliveira e o Grupo Desportivo. Também as vias de acesso rodoviárias, perdido que foi o comboio, têm ares de alguma boa qualidade, o que facilita os contactos com as terras em redor. Em matéria de dinamismo empresarial, se outrora as Minas de Volfrâmio e Estanho marcaram estas paisagens, hoje detectam-se boas experiências noutros sectores, alguns deles de ponta, como aqueles em que se fala de uma nova agricultura, sem esquecer outros planos. Importando atrair a juventude, esse é o desafio que nos deve mobilizar a todos. Neste âmbito, por feliz acaso, tivemos o grato prazer de, no passado dia 29 de Março, assistirmos a um sinal de vitalidade de seus jovens, quando o Dr. Ricardo Lopes, um natural destas povoações, fez a apresentação de seu livro “ Uma marioneta na cruz”. E com esta mensagem de esperança para o futuro, nos ficamos por aqui, sendo que S. Miguel do Mato tem muito por onde andar e um vasto caminho a percorrer. Boa viagem! Carlos Rodrigues, texto parcialmente publicado no “Notícias de Vouzela”, 2 de Abril de 2015

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Ria e mar pelos lados da Vagueira

Em jeito de poesia de algibeira, aqui vão duas notas: " Entre o mar e a ria/com as ondas a barulhar/passadiço, qual rua esguia/dá fôlego, sol e ar//... Vagueira e Praia do Labrego/agora unidas a pé/são praias com sossego/pontos de encontro e fé//...A ria, mansinha/liga a Mira, lá além/a água marítima, arisquinha/diz-nos: não saia daqui ninguém//... Olhei o céu escuro/fogo em Albergaria/senti que o mundo não é seguro/e nele se não confia//... Perdido neste horizonte/ com as ondas a ocidente/vi, de fronte/afinal, esta é terra de boa gente//... 2015, Abril, 2

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Descentralização na ordem do dia...

Descentralização com carta verde, mas por pontos Não é nova esta ideia de descentralizar competências, transferindo-as da administração central para as autarquias, que é o tema que aqui hoje nos motiva a escrevermos umas curtas linhas. Por esse mundo e Europa fora, há muitas experiências e práticas a este nível com assegurado sucesso. Só que Portugal, com uma tradição acentuada em fazer das capitais a sede todos os poderes, tem resistido a apanhar esse comboio. Por experiência pessoal, por trabalhos efectuados com base académica, sempre nos temos movimentado nesta área. Mas pouco temos conseguido em termos de resultados aparecidos e palpáveis. Por felicidade e por ironia do destino, que nos leva a que possamos tomar contacto com estas matérias, vemos agora que estes pontos estão, de novo, a tentar entrar na ordem do dia e ainda bem. Depois dos arremedos de uma Constituição que consagra estes princípios, de acordo com o seu Art. 267, e de outras investidas, como as da Lei 159/99, de 14 de Setembro, que levou a que tivéssemos feito parte de um Grupo de Trabalho, na ANMP, sector da Educação, aí temos agora o Decreto-Lei 30/2015, de 12 de Fevereiro, oriundo da Presidência do Conselho de Ministros, que, apoiando-se nos tais passos dados, vem tentar avançar para uma real descentralização em Educação, Saúde, Segurança Social e Cultura. Numa comparação com a carta de condução por pontos, estamos perante uma caminhada, para já, algo provisória, experimental, em projectos-piloto, a que se associam operações de avaliação no sentido de, aferindo resultados, poder ou não vir a solidificar-se. Por formação, por vontade e por convicção, somos totalmente a favor da descentralização quanto mais não seja por reconhecermos que o actual modelo de governação, muito fechado e centralizado, deu no que deu: um desastre completo em sede de coesão territorial e social. Mas também não somos capazes de ver nestas novas fórmulas a mezinha para todos os nossos males. Se não houver dinheiro disponível, se não formos audazes nas políticas públicas, não criando falsas igualdades com receitas iguais para todas as situações, será mais uma iniciativa condenada ao fracasso. Compreendamo-nos: se pusermos em cima da mesa valores absolutos para as câmaras do litoral desenvolvido e para as suas congéneres empobrecidas do interior martirizado por fuga das suas populações, em virtude de falta de oportunidades de desenvolvimento, esta descentralização será trabalho perdido e de nada valerá para corrigir os problemas com que o país se defronta. Em terras que perderam tribunais, que têm correios de meia tigela, que nem certificados de aforro foram capazes de fazer por falta de meios técnicos, que vêem escapulirem-se os seus jovens porque têm os horizontes tapados, que obrigam a que se tenha de sair para fazer um penso, porque os serviços de saúde são um fraco remedeio, não é com uma descentralização a martelo, igual para todo o lado, que saímos da cepa torta. Acreditando que, responsabilizando os eleitos locais com desafios novos e instrumentos adequados, possibilitando que dêem corda a seus projectos e anseios, indo no bom caminho, vemos nesta descentralização um meio para o desejado desenvolvimento que tanto tarda por aqui. Mas, quando Vouzela tanto tem perdido, Oliveira de Frades ainda não solidificou o seu futuro e S. Pedro do Sul também tem muito a fazer, porque viu fugir mais de dois mil habitantes, sem demora, importa ter-se arrojo e trilhar as duras apostas que temos de pôr em prática. Será esta descentralização esse meio? Não o sabemos, até porque desconhecemos o que vai nascer dos projectos-piloto que, dizem, vão ser colocados em diversos terrenos. Dando primazia à gestão, estabelecimento de programas e estratégias concertadas, construção e conservação, dinamização de quadros de pessoal (excepto professores e médicos, que não saem da contratação estatal, salvo em aspectos pontuais), criação de redes e outras valências e, fazendo fé no Art.4º, que fala em transferência de recursos financeiros, temos alguma fé em que isto venha fazer mudar a tristeza em que estamos metidos. Que assim seja!!! Mas continuamos carregadinhos de dúvidas e medos. Carlos Rodrigues, in ”Notícias de Vouzela”, 5 Março2015