sábado, 29 de abril de 2017

Mensagens do mar

O mar veio ter comigo/ e escrever na areia/ a palavra liberdade/olhei-o como amigo/ e vi, do outro lado, a saudade// Era o Brasil e a Venezuela/ onde se não vai já de barco à vela/ mas a grande vapor... // Pensei nesses irmãos da banda de lá/ recordei o que se passa na Venezuela/ e vi-me a entoar a palavra ansiedade// Este é o mar/ que leva a traz/ é o telefone que, sem parar/ não se move por pressões/ para ele tanto faz// Fale o mundo/ diga o que diga, faça o que faça/segue a sua vida/ vai e vem, deixa areia/ às vezes com cara feia/outras, doce e azul brilhante/ escreve sempre sem desfalecer/ a liberdade triunfante... Vagueira, 27 Abril 2017

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Recordar tempos vividos...

Vozes da rua Venho de um tempo em que, para as crianças e outros sectores etários, a rua era fundamental, sendo mesmo um pilar essencial para a nossa formação enquanto pessoas, ao mesmo tempo que se aprofundavam laços de identidade e de apego aos chãos onde nascemos e crescemos. Nela, se brincava, se falava, se teciam projectos, se olhava para o relógio de sol que regia o sistema de rega pública, se ia à fonte e parava no tanque público, se coscuvilhava também a vida de cada um e mais alguém. Nas terras, se lutava pelo pão nosso de cada dia para toda a família, na escola, curta, mas densa, se aprendiam umas luzes de ciência, de bem escrever e de bem resolver problemas, sem máquinas ou subterfúgios, a ponto de se sair (para quem tinha essa honra e privilégio) com um quarta classe “à maneira”, em dia que era de festa com foguetes e tudo, em competição com aqueles que os Sardinheiros, que vendiam a sua sardinha também na rua, atiravam para o ar à sua chegada ao ponto central da aldeia. O mundo mudou. Hoje, há pouca rua e muita casa com computadores a mais e brincadeira e menos, para os mais novos, que tanto dela precisam. Hoje, quase já não se convive nesses espaços de sociabilidade, nem neles se fazem negócios. A rua perdeu a sua vida própria, com prejuízo para todos nós e, sobretudo, para as gerações que não a têm como seu bem precioso. Apesar de assim estar esvaziada de seu conteúdo, importa que se diga que, há quarenta anos para trás, nem tudo se podia fazer na rua, mormente nas cidades: ajuntamentos, por minutos, de duas e mais pessoas cheiravam logo a conspiração e a repressão, encapotada, poder-se-ia fazer sentir. Aí, a rua não era sinónimo de contentamento, mas fonte de medo. Com o 25 de Abril, que faz precisamente quarenta anos este mês, essa vertente tenebrosa desapareceu. Ou seja; ganhou-se a possibilidade de se estar ao ar livre com tudo o que de bom isso tem, mas, com o aparecimento e disseminação das ditas novas tecnologias, recebeu-se com uma mão e com a outra fez-se fugir essa boa possibilidade. Tenho por costume pegar num título que me vem à cabeça, a propósito de um qualquer tema que pretendo vir a tratar, e, depois, fazer encher as páginas do computador com aquilo que surgir a cada momento, algo anarquicamente, até chegar ao objectivo inicial. Hoje, para exemplo, tudo quanto atrás escrevi saiu-me assim nem sei como: queria trazer aqui o que se tem andado a ouvir nas ruas, quanto às exigências feitas aos nossos agricultores, e deambulei pelas minhas memórias. Calhou. Há, porém, uma coincidência: em Lisboa, que é onde quero ir buscar lenha para esta boa fogueira das notícias e opiniões, foi gente da lavoura que ali esteve nas ruas para se fazer ouvir. Aquelas minhas notas saíram de quem teve a ruralidade como sua primeira e boa referência. Aceita-se, então, o devaneio que apareceu pelo meio. Onde é que queria chegar com o título “Vozes da rua”? A um ponto concreto: à necessidade de os nossos governantes darem atenção a quem ali, e assim, se expressa. Não é para dizer que se actue sempre de forma a contentar tudo e todos. Isso é impossível. Mas também não é para se fazer orelhas moucas a essas vozes. No que diz respeito à manifestação de agricultores, divido as suas reivindicações em duas: baldios, por um lado, e exigências fiscais, descabidas de todo, por outro. Quanto ao primeiro tema, como tenho uma visão algo diferente do que pensam os promotores da iniciativa, entendo que há mesmo matéria para mexer. Qual? Discuta-se isso. No que se refere aquilo que a governação quer dos nossos humildes e sacrificados homens e mulheres da lavoura, onde pontifica, infelizmente, a terceira idade, aí estou totalmente a seu lado. Vejamos porquê. Ao querer-se pedir à nossa gente de unhas negras e mãos calejadas que tenham, nas Finanças, a inscrição como actividade comercial, que declarem o início de funções, que emitam facturas de todas as transacções, que paguem uma prestação mensal para a Segurança Social, é pior que mandar as vacas deixarem de dar leite, que cortar as vinhas, que desmantelar os barcos da pequena pesca, porque, num e noutro caso, é a agricultura e a pesca que se matam assim atrozmente, sem quaisquer contemplações. É crime encapotado, por fazer com que os campos se esvaziem e o interior fique cada vez mais um deserto e o mar ao jeito dos tubarões. Esta gente, digo-o, na primeira pessoa sem quaisquer meias medidas, não sabe o que faz. Logo, dou todo o meu apoio, neste aspecto, à malta que andou nas ruas de Lisboa a gritar. Faltei lá eu, mas também só teria meia voz, que, nos baldios, ficaria de bico calado. Para este efeito, ainda temos rua. Viva ela! NOTA: Sinto uma enorme dor e um imenso pesar ao ver partir um Homem com letra muito grande, que soube encarar a doença com frontalidade e serenidade, que partiu contente consigo e sua (triste) sorte. Coloquei entre parêntesis aquela palavra, porque Manuel Forjaz viveu o seu destino com um sorriso nos lábios e fortes mensagens de encorajamento. Grande exemplo nos deixou. Que descanse em paz!... Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Vouzela”, há tempos

terça-feira, 18 de abril de 2017

O tosquiador de ovelhas

Tosquia de ovelhas, uma função em declínio Bernardo Fernandes, residente em Vasconha, teve na Serra da Estrela as bases para uma profissão, a de tosquiador de ovelhas. Por lá andou vários anos, em Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Seia, Paranhos da Beira e em várias outras localidades. Mas também por ali se veio a verificar uma crise no sector. De malas aviadas, fez-se ao mundo e, um dia, veio ter a Lafões, onde reside agora. Num distrito, como o de Viseu, pode exercer a sua profissão em cerca de 300 ovelhas por ano. De vez em quando, vai até Castelo Branco, onde uma ponta deste trabalho por ali se verifica. Sendo que estas tarefas se desenrolam entre os meses de Março e Maio, em geral, nesse tempo há que agarrar nas tesouras e não parar. Com os preços a variarem em função do número de ovinos de cada rebanho, nalguns casos pode fazer uma média de 3 a 5 euros por animal. Mas se forem apenas um ou dois, essa operação será necessariamente bem mais cara. Em breve conversa de circunstância, confessou-nos que faz isto por gosto, por amor à arte e para a não deixar morrer. Acrescentou que a lã, em muitos locais, se está a converter em produto de excelência, o que se pode comprovar, por exemplo, com algumas iniciativas de sucesso do uso do burel em alta costura. Sendo que por aqui as calças desse material estão em desuso e as capuchas são peça quase de museu, eis aqui um campo a desbravar, numa altura em que importa refazer a nossa agricultura e dar-lhe sustentabilidade. Tosquiador, à espera de ser chamado, não falta. Chama-se Bernardo Fernandes e vive em Vasconha – Queirã. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, há tempos

Profissões em perigo de extinção: o tosquiador de ovelhas

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Em Vouzela, a Banda tem imagem de marca

Banda de Vouzela com cinco estrelas e 145 velas Em mais um dia festivo, para assinalar um longo historial, que conta com 145 anos de existência em duas fases distintas e complementares, a Banda da Sociedade Musical Vouzelense veio à rua, no passado dia 12, para mostrar o que vale – e é muito – e para cumprir o programa previamente estabelecido, ainda que com algumas alterações, devido ao tempo chuvoso. Como sempre, apresentou-se ao seu mais alto nível, com cinco estrelas. Logo pela manhã, o primeiro sinal de que este era um dia diferente apareceu com o hastear da bandeira, seguindo-se a Missa Solene e a romagem ao Cemitério, para, aqui, neste local sagrado, lembrar todos aqueles que, tendo dado muito a esta Colectividade, um dia acabaram por partir. Como também é preciso aquecer os estômagos, veio o almoço-convívio, a que compareceram mais de uma centena de pessoas, ali se vendo as mais altas entidades locais, mormente o Presidente da Câmara, Rui Ladeira, os vereadores, o Presidente da União de Freguesias, António Garcez, outros autarcas, antigos maestros e outros amigos da Banda. Em tempo útil, Paulo Carvalho, músico e Presidente da Direcção, saudou toda a família ali reunida, lançando um apelo, o do costume, um pedido à CM para a oferta de um novo instrumento e um novo, o apoio para a publicação da Monografia, de que já há muito trabalho feito pelo saudoso Agostinho Torres, mas que importa completar e editar. Escusado será dizer que ouviu respostas positivas da parte de Rui Ladeira, prometendo tudo fazer para que esse objectivo venha a ser uma realidade. Com votos de que a Sociedade Musical Vouzelense se rejuvenesça sempre, guardado para a tarde ficou a coroa de louros, o concerto musical. No Cine-Teatro João Ribeiro, foram muitos os ouvintes que ali se deslocarem, indiferentes à chuva e ao tempo menos agradável que se fazia sentir. O importante era escutar, com atenção e muita vontade, os sons da Banda em traje de festa. Ninguém dali saiu desiludido. Em espectáculo brilhante, palavras que se ouviram de quem muito sabe de música, como Guilherme Cosme, durante mais de uma hora desfilaram as peças, em viagens musicais e culturais de excelência, andando-se por Portugal e por esse mundo fora até se chegar à Índia, com um famoso e sonoro “ Terra à vista!”. Durante estes momentos, ainda houve a apresentação de duas novas executantes, a Mariana Agnelo, em trompete, e a Mariana Silva, em clarinete. Entretanto, pelo seu fenomenal desempenho como solista num dos trechos musicais apresentados, Cristiana Silva, recebeu uma estrondosa ovação e saudações emocionadas como aquela que veio de seu Avô e Colega de caminhada nesta Instituição, entre outras. Como jovem Maestro, que as águas da sua terra, Vouzela, muita música lhe deram, Diogo Tavares impôs-se em arte, mobilização e capacidade criativa nesta Banda. Uma das peças ali tocadas, “Homenagem a Joaquim Tavares”, seu avô e ex-executante, foi da sua lavra. Com o Pai sentado entre os demais músicos, esta é uma família onde este gosto se serve à mesa todos os dias. É com estas e outras dedicações que se constrói uma obra desta enorme dimensão e envergadura – a Sociedade Musical Vouzelense. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Fevereiro, 2017

terça-feira, 4 de abril de 2017

Notas sobre novos livros

Carlos Almeida e Pedro Giestas com livros e teatro A tarde do dia 26 de Março, domingo, foi chuvosa, mas tal facto não impediu que a livraria Leituras (In)Esperadas, em Vouzela, se enchesse de gente. O motivo maior para este encontro cultural foi a apresentação do livro “ Histórias do Mar … e outras histórias que um dia hei de inventar”, de Carlos Almeida, professor e escritor, a que se juntou o útil ao agradável com a presença de Pedro Giestas, actor, nascido nesta vila e bem conhecido do mundo das artes. Numa programação abrangente, deram o seu bom contributo os alunos do 6º ano do Agrupamento de Escolas de Vouzela, com a peça de teatro “Ida ao médico” frente a um público que gosta destes mundos culturais e, mais do que isso, perante o mestre dos mestres, Pedro Giestas. Por sua vez, a Universidade Sénior apareceu ali com o seu Coro e com “Fusión de Poesia” a cargo da turma de Espanhol. Num desfilar de histórias, Carlos Almeida encadeou-as no seu novo livro à volta do mar e dos papagaios que voam, enquanto que Pedro Giestas deu corda à sua “Anatomia da Identidade”, um projecto que nasceu em Óbidos e já tem um ano de vida, integrado na sua Associação Noite de Fogo, esta nascida em 2011. Este evento, por curiosidade, aconteceu no Dia do Livro Nacional e na véspera do Dia Mundial do Teatro. Coincidências, das boas. Em casa à cunha, estes foram momentos de magia e emoção, ali levados pela força das histórias e do teatro, tudo isto a propósito de mais uma obra de Carlos Almeida, de Santa Cruz da Trapa, um vizinho da outra margem do Rio Vouga. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2017