quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Descentralização nem toda ela nos serve

Descentralização boa, descentralização má É isto mesmo: sempre que se fala em descentralização, que é passar competências e funções do poder central para o local, ou regional ( se e quando o houver em Portugal continental), não a podemos ver apenas num prisma positivo e é este que, na nossa modesta opinião, mais valorizamos. Primeiro, é preciso saber-se o que vai passar de um lado para o outro, em matéria de decisão; segundo, nada disto pode ir em frente se a vertente financeira não acompanhar a matéria a transferir. Há ainda que ver o seguinte: não se pode entregar a outros apenas aquilo que dá trabalho, é incómodo, traz chatices e pouco se faz notar. Em diálogo, importa dar-se relevo a tudo aquilo que as partes acordarem. Ou seja: este é um processo em que as negociações têm de estar na base de tudo. Não é possível a unilateralidade, que é sempre prejudicial, venha ela de onde vier. Em sectores que nos tocam de perto, vemos, de imediato, que é possível e desejável agir nas áreas da saúde, da educação, da justiça, passando para a esfera das autarquias, com os meios financeiros adequados e justos, as medidas que impliquem obras e construções de edifícios e equipamentos, contratação e gestão de pessoal administrativo, acompanhamento, em sede de discussão destes temas, com uma voz activa por parte dos autarcas, nos campos em que o Estado fica em seu poder. Ou seja, mesmo nesses casos que mexem com as nossas pessoas e territórios, é preciso fazer as discussões necessárias. É urgente ainda que a autonomia dos respetivos serviços seja uma outra valência a implantar. Descendo patamares, não se pode falar em descentralização se as Juntas de Freguesia ficarem de fora destas equações. Advogando a vinda de novas competências para as Câmaras Municipais, saindo destas, é preciso ir-se, na mesma filosofia, para os níveis abaixo, mas de uma importância maior no campo da democracia de base. No que se reporta à agricultura e pecuária, importa que se dinamizem as boas práticas, já anteriormente existentes, por exemplo nos Agrupamentos de Defesa Sanitária (ADS), que têm vindo a perder relevância e mesmo espaço de actuação. Também não é aceitável que, por tudo e por nada, se tenha de recorrer, para avançar com qualquer projecto, a Coimbra ou outras instâncias distantes. Muito menos se aceita que, para vender duas cebolas, três cascas de alho, ou meia dúzia de ovos, se tenha de ir às Finanças fazer um qualquer registo de actividade. Incompreensível é ainda o facto de, nalguns concelhos do distrito de Viseu, nesta esfera de actuação, haver mesmo dois ou três locais diferentes para cada tema a tratar. Vendo o que se passa no nosso reino local, notam-se também algumas incongruências, que levam a que Lafões se divida, por exemplo, nos projectos LEADER entre duas entidades, a ADDLAP e a ADRIMAG. Estávamos a falar de descentralização: venha ela, mas da boa. Tapar buracos ou fazer remendos não nos agrada, nem é esse o caminho que deve ser seguido. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Jan19

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A génese e a morte da Linha do Vale do Vouga

Vale do Vouga Muita luta para o seu nascimento para agora nada termos Em finais do século XIX e início do seguinte, quando Portugal já era entrecortado por várias linhas férreas, depois da agitação em investimentos públicos que se sentiu com Fontes Pereira de Melo, esta nossa zona do Vouga, no seu sentido lato, começou a mexer em grande, sobretudo a partir da comunidade lafonense residente em Lisboa. Foi árdua e bem conseguida a luta encetada por esses nossos antepassados. Mas, antes do seu sucesso, outras pistas estiveram em cima da mesa através de várias hipóteses. A certa altura, chegou a pensar-se numa linha que, partindo do Porto, iria até Viseu pelo Vale do Paiva, via S. Pedro do Sul. Um outra ideia inclinava-se para a ligação de Torredeita para Viseu, passando depois por Vouzela, Oliveira de Frades, Couto de Esteves, terminando em Espinho. Segundo estas discussões, os concelhos de Lafões não deixavam de unir esforços para levarem a água ao seu moinho, isto é, serem estas nossas terras beneficiadas por inteiro, de um lado a outro, tal como veio a ser conseguido. É que qualquer daquelas vias não satisfazia os interesses gerais desta região, como se pode deduzir pelos traçados apresentados. Entretanto, logo em 1881, se pede a criação da Linha do Vale do Vouga, mas sem sucesso no plano imediato, porque só apenas em 1889 é que se vem a obter o respectivo alvará. Concluíram-se os trabalhos de campo em 1894 e um projecto veio a lume em 1895, numa concessão a durar 99 anos. A anteceder a via ferroviária, falemos antes um pouco dos transportes aqui existentes. Para o Professor Amorim Girão, a grande pista, durante séculos, foi aquela que tinha marca do povo romano, ligando Águeda a Viseu, pois essa era a “única via de comunicação entre a Beira Central e a Beira Litoral, entre a serra e a marinha, sendo conhecida pela Estrada do Peixe”. Veio a ser ultrapassada pela ER 41( EN 16), a macadam, unindo Viseu a Vilar Formoso. Falando nas suas viagens, alguns tempos antes, Ramalho Ortigão, como se regista em “Memórias do Vouga – Manuel Castro Pereira, Porto, 2000”, assim descrevia um dos percursos que percorreu. Com a sua veia literária, assim o descreveu: “ Quem vinha do Porto a Viseu, ou deixava a estrada real de Lisboa em Albergaria e atravessava a Serra das Talhadas ou cortava em Oliveira de Azeméis, pouco mais ou menos pelo Rego de Chave ... ( Vindo dos lados de Manhouce, narra).... “ Ao cair da tarde cheguei a S. Pedro do Sul. Que refrigério! Que grande amenidade! Que brandura! Um vale recolhido e abrigado pelo Monte Lafão, de uma temperatura tépida, refrigerada pela corrente do Vouga, que corre em várias quedas, ouvindo-se por toda a parte o marujar doce das águas jogadas nos açudes... “. Este era o velho tempo das diligências puxadas por cavalos. Quando se quer dar o salto para os comboios que viessem servir estes nossos territórios, que aquela situação deixava muito a desejar, um grupo de nossos antepassados em Lisboa, vendo o que se ia cogitando a esse respeito, lança a Comissão Dinamizadora da Linha do Vale do Vouga (atitude que viria a desembocar no Grémio Lafonense), em que se integram António Pinto de Azevedo, Daniel Gonçalves de Almeida, António Rodrigues Portinha, Estêvão de Vasconcelos e Manuel Rodrigues de Abreu. Para sede deste movimento, Daniel Almeida cede o seu estabelecimento na Calçada do Garcia, números 44 a 46. A esta gente, junta-se ainda Alfredo Augusto Ferreira, José Bento Gonçalves de Almeida e Benjamim Rodrigues Costa. A sua força e entusiasmo deram os devidos frutos. Em 1907, Companhia Francesa de Construção e Exploração inicia os trabalhos. Um ano depois, o Rei D. Carlos I inaugura o troço entre Espinho e Oliveira de Azeméis. Em 1911, está-se na Sernada do Vouga. Em 1913, liga-se Sernada a Vouzela e Bodiosa a Viseu. No ano de 1914, estabelece-se a linha Vouzela-Bodiosa, assim se fechando a respectiva malha. Até 25 de Agosto de 1972, circularam os comboios a vapor. Posteriormente, até 1989, são as automotoras ALLAN que prestam o seu serviço. A 1 de Janeiro de 1990, a morte anunciada vem a consumar-se, irremediavelmente. Para registo e memória futura, vejam-se as localidades que viam passar os comboios e os utilizavam: 1 - Espinho, Silvalde, Paramos, Sampaio/Oleiros, Paços de Brandão, Rio Meão, S. João de Ver, Sanfins, Feira, Escapães, Arrifana, S. João da Madeira, Couto de Cucujães, Santiado de Riba-Ul, Oliveira de Azeméis, Ul, Travanca, Pinheiro da Bemposta, Branca, Albergaria-a-Nova, Albergaria-a-Velha, Sernada; 2 - Sernada, Macinhata, Valongo, Aguieira, Mourisca, Águeda, Oronhe, Casal de Álvaro, Travassô, Eirol, S. João de Loure, Eixo, Azurva, Esgueira, Aveiro; 3 - Sernada, Carvoeiro, Foz do Rio Mau, Poço de Santiago, Paradela, Cedrim, Ribeiradio, Arcozelo das Maias, Quintela, Santa Cruz, Nespereira, Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades, S. Vicente de Lafões, Fojo, Vouzela, Termas, S. Pedro do Sul, Fataunços, Real, Moçâmedes, S. Miguel do Mato, Bodiosa, Travanca de Bodiosa, Mozelos, Campo, Abraveses e Viseu. Hoje, algumas décadas passadas sobre a o assassínio do nosso Vale do Vouga, a velha linha, cortada aquém a além, tende a ser uma enorme ecopista. Não é a finalidade que mais nos agrada. Ainda mantemos o sonho de, um dia, voltarmos a ter os comboios, talvez aí até 2030. A esperança é última a morrer. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan19

Varzielas perto de perder a sua fábrica das Águas do Caramulo

Águas do Caramulo à beira da queda Grupo detentor desta marca quer encerrar a fábrica Em 20 de Dezembro de 1983, foi concedida a licença para a exploração industrial das Águas do Caramulo, em Varzielas, neste concelho de Oliveira de Frades. Dados os passos iniciais, esta marca não tardou a impôr-se pela mão de cada um de seus responsáveis, que se foram sucedendo ao longo dos tempos. Das entranhas daquela Serra saiu este precioso líquido que correu Portugal de lés-a-lés e se espalhou por esse mundo fora. Em Israel, por exemplo, chegou a ter nome próprio, com indicação, claro está, da sua origem. Esta foi uma história de sucesso e um meio de desenvolvimento para aquelas nossas terras. Porém, agora, anuncia-se o seu fim, ingloriamente. Nos últimos dias, em comunicado, a Super Bock Group, liderada por Rui Lopes Ferreira, seu Presidente Executivo, que detém esta unidade industrial, veio anunciar o seu encerramento a partir do próximo mês de Fevereiro. Com esta lamentável medida, põe-se fim a uma marca de indiscutível valor, colocam-se na rua 26 trabalhadores, ou dá-se-lhes a hipótese de poderem ir para cascos de rolha, fechando-se uma empresa que se não tem cansado de investir no seu progresso e desenvolvimento. Agora, de um momento para outro, troca-se por Envendos e Castelo de Vide. Varzielas, que fica situada em plena Serra do Caramulo, que dá nome à água, encontra-se abrangida pelos programas de valorização do interior e dos territórios de baixa densidade, muito fustigada, nos últimos anos, pelos incêndios. Infelizmente, nada destes programas e condições parece salvar esta jóia da coroa oliveirense. Indiferentes às especiais circunstâncias e necessidades destas povoações, os responsáveis da Unicer/Super Bock seguem apenas um duro raciocínio empresarial. Alegando que se trata de “ajustar o modelo industrial nas águas lisas” e que dispõem de um “Programa Social de Apoio” para as pessoas despedidas, com “condições acima do quadro legal”, a deslocalização destes serviços para outros locais é para eles fácil. Mas para nós é uma machadada sem quartel, que custa a aceitar. Com certificação de qualidade, uma delas válida para o período entre 2013 a 2016, em meados da primeira década deste século, estas Águas do Caramulo – Sotarvil apresentavam um nível de notoriedade total de 99% e um conhecimento espontâneo de 51%, associando-se a sua imagem à “originária fonte segura”. Não crendo que estas condições tenham desaparecido, antes pelo contrário, até porque houve investimentos de vulto ano após ano, estranha-se que, nestes momentos, se pense em desbaratar este valioso património, lesando a região e suas legítimas aspirações. Voltando aos anos oitenta, entre 1 de Janeiro e 23 de Outubro de 1987, atingiu-se um movimento de um milhão de caixas e, em 1989, chegou-se aos dois milhões. Alega o grupo empresarial que, na última década, perdeu cerca de 50% do volume de facturação, tendo desaparecido alguns mercados como o de Angola. Especulando, será que, no meio de tanta marca, tudo foi feito em favor destas nossas Águas? Duvidamos. Ao ouvirmos o Presidente da União de Freguesias, Jorge Bandeira, disse-nos ter sido informado pelos engenheiros da fábrica, à última hora, e que apresentaram a decisão como sendo definitiva, pelo que o “remédio é aceitar-se este facto consumado”. Acrescentando que sua Junta pouco pode fazer, não vai, de maneira nenhuma, cruzar os braços, pelo que vai reunir com o Presidente da Câmara, Paulo Ferreira, a fim de acertarem agulhas quanto aos próximos passos a dar. Por sua vez, Paulo Ferreira, alegou que foi apanhado de surpresa na sexta-feira, dia 11. De imediato, “contactei os seus responsáveis, que se mostraram inamovíveis”. Contra a tese da Super Bock que diz ter perdido 50% nos últimos dez anos, como referimos, o Presidente da Câmara de Oliveira de Frades entende que a “fábrica até andava bem”. Agora, vai pôr os pés a caminho, na companhia de seu colega de Tondela, para, em reunião com a administração, tentarem travar esta intenção. Também o PCP nos fez chegar um comunicado em que fala na “ desvalorização e falta de promoção da marca”, sendo que isto “é para deitar fora insensível à grande importância económica e social da laboração desta unidade para aquele território”. Nesta medida, este Partido vai encetar uma série de contactos no sentido de vir a defender a fábrica e o interesse de seus trabalhadores. Em conclusão, a notícia do encerramento das Àguas do Caramulo é mais um duro golpe para a nossa região. Importa agora, por todos os meios, tentar travar esta decisão ou, no mínimo, minimizar os seus efeitos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 17 Jan19