quarta-feira, 9 de julho de 2014

O elefante de José Saramago anda por aí...

A minha viagem do elefante A Comunidade Intermunicipal Viseu Dão-Lafões tem vivido um criativo ciclo cultural que, tendo como base um livro de José Saramago, foi posto a circular, no terreno, por um gigante da nossa capacidade de intervenção territorial, a ACERT, de Tondela. Chama-se “ A viagem do elefante” e tem sido um êxito retumbante por onde tem passado. Com méritos próprios para dar e vender, com uma marca que é garantia e selo de qualidade, que lhe advém dos seus autores, cujas provas não se medem já à escala local, trepando antes para patamares mais altos, esta ACERT não deixa, nunca, de nos surpreender. Desta vez, optando por não oferecer um produto cultural acabado, mas fazendo com que as comunidades locais viessem a integrar esta proposta, enriquecendo-a, escolheu um caminho arriscado mas pleno de sentido de oportunidade, ao eleger a participação e os saberes diferenciados como mola para esta imponente peça teatral, viva e a cores. Sem querer ir pela análise deste trabalho, o que já seria um imenso prazer se o fosse capaz de fazer bem e com qualidade, não é por aí que me atrevo a ir. Essa meritória tarefa deixo-a para quem sabe, quer da literatura de José Saramago, quer das andanças do teatro, porque estes campos não são bem a minha praia. Então, que quero eu dizer? Que aqui está um exemplo de intervenção territorial com visão alargada, com um sexto sentido de bem actuar em prol do desenvolvimento integrado e sustentado dos queridos locais em que vivemos. Por ser tão vasto e grandioso o significado desta actividade, tenho até dificuldades em elencar e priorizar os meus comentários. Sabendo que a CIM abraçou, com garra, este projecto, este não teria sido possível se, ali do lado de lá da Serra do Caramulo, em Tondela, não houvesse aquela força imensa de uma criação cultural que nos deixa sempre com água na boca. Logo, face a estes dois aspectos, estou com um ovo e uma galinha sem saber qual colocar em primeiro lugar. Como não gosto de ficar com meias tintas, avanço o meu esquema hierárquico: a ACERT fica mesmo no topo do pódio, sem tirar, nem pôr. De seguida, vem a CIM e os municípios que a compõem, que, pelo que me é dado perceber, têm sido inexcedíveis na adesão a esta iniciativa e na sua capacidade empreendedora de a oferecer às suas gentes. Há aqui um ponto que é do mais alto valor: a forma como as Câmaras Municipais têm atraído as respectivas comunidades para participarem, activa e entusiasticamente, neste mesmo processo é deveras notável. Várias lições aqui se colhem: a) – a cultura imaginativa, e a possibilitar alto valor acrescentado, não é exclusiva dos ditos e abafantes grandes centros; b) – o arrojo de avançar para acções de envergadura é factor que pode muito bem trazer bom retorno; c) – a associação de Municípios, a remarem para o mesmo lado, leva barcos a bom porto; d) – um euro cultural na mão desta gente vale milhões, etc, etc. Paralelamente, há que adiantar-se um outro raciocínio: em políticas de desenvolvimento, a valorização dos recursos endógenos e a potenciação das suas vontades e capacidades são a chave do sucesso, pelo que se dispensam quaisquer decisões de régua e esquadro vindas de onde vierem. Com a intervenção local a ser determinante, esta “ A viagem do elefante” é obra colectiva mas com nomes concretos a sobressaírem: no Trigo Limpo/ Teatro Acert em cena, saltam, como azeite em água, as figuras de José Rui Martins e Pompeu José, na adaptação e dramaturgia, Luís Pastor e Flor de Jara (Espanha), música, Zé Tavares ( um meu conterrâneo de Oliveira de Frades), na cenografia e desenho gráfico, igualmente, assim como um vasto elenco de técnicos e actores, a que se juntam os muitos que, em cada sítio, aceitam dar o seu contributo a esta actividade de densa cultura. Destaque ainda para Assim avança este elefante Salomão de canto a canto, porque “… Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória” – José Saramago, Palavras para uma cidade. Até agora, este tem sido o trajecto desta “ A viagem do elefante”: ano de 2013 – Figueira de Castelo Rodrigo, S. João da Pesqueira, Pinhel, Sortelha, Fundão, Castelo Branco, Tondela, Lisboa, Rivas/Madrid; 2014 – área dos municípios da CIM Viseu Dão/Lafões. Com a cooperação da Fundação José Saramago, esta produção é fruto de uma vasta parceria, pelo que este trabalho em rede, com a busca e valorização de bastantes e profícuas sinergias, me obriga a que lhe teça os maiores elogios. Como exemplo de boas práticas em termos de desenvolvimento integrado, pegando nas boas pontas da cultura, aqui o estampo com toda a força da minha pouca capacidade argumentativa, mas que saiu cá bem de dentro, das raízes do coração, frise-se. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2014/07/03

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