quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Maior conhecimento do passado aconteceu em Vouzela....

Conhecimento histórico de Lafões revalorizado Jornadas Arqueológicas realizadas em Vouzela mostraram novos mundos Com uma forte componente teórica de muito bom nível, completada com a prática das visitas ao terreno, as Jornadas Arqueológicas de Vouzela-Lafões, que aconteceram nos passados dias 14, 15 e 16, revelaram-se um evento pleno de oportunidade e de transmissão de conhecimentos que, de certa maneira, vieram mesmo alterar muito daquilo que se conhecia até há bem pouco tempo. Fazendo-nos recuar milénios, o nosso passado apareceu assim muito mais distante para trás, como se mostrou, por exemplo, com os achados encontrados em Bispeira, S. João da Serra, Oliveira de Frades, a propósito das escavações feitas em virtude da construção da Barragem de Ribeiradio-Ermida, que nos atiram para o Paleolítico, quando temos andado a falar, até agora, quase só no Neolítico. Foi-se então dos cerca de 10000 anos antes de Cristo até muitos milénios anteriores. Sem que tudo esteja desvendado, por haver datações e outros estudos a fazerem-se, o certo é que temos muito mais idade do que aquela que pensávamos ter. Também a matéria do culto dos mortos, que se associava muito às antas, às sepulturas existentes e a necrópoles já desvendadas, vê-se agora como ponto a rever, porque surgiram novas realidades, como a mamoa do Monte Cavalo, Vouzela, no Alto da Carqueja e outras sítios onde se faziam recordar aqueles que partiram. Por outro lado, numa perspectiva intermunicipal, à nossa escala regional, se trouxeram ali mais luzes sobre o recém inaugurado Balneário Romano das Termas de S. Pedro do Sul, após as obras de restauro e beneficiação. Os intervenientes Numa variedade alargada de temas apresentados, é justo referenciar-se aqui o que ali foi tratado e mostrado, tudo isto inserido no “ Estudo do Património Arqueológico de Vouzela”, 2016/2019, com a direcção de Manuel Luís Real, António Faustino de Carvalho e Catarina Tente. Desta forma, esquematizou-se o trabalho em redor dos Monumentos Funerários Neolíticos e Proto-Históricos, Castros e Romanização, Um Castelo e um Espaço Rural com mais de mil anos, Talhado na Pedra – Minas, Sepulturas e Lagaretas, Tempos Medieviais, Torres e Marcos. Como resultado destas investigações, as Jornadas Arqueológicas espalharam o seu conhecimento pelos Monumentos Dolménicos, a cargo de António Faustino de Carvalho, Pedro Sobral de Carvalho e José Pedro Anastácio; Crónicas de um monumento doente – Primeiros contributos para um diagnóstico de conservação do dólmen de Antelas, Oliveira de Frades – Teresa Rivas Brea, Lara Bacelar Alves, Fernando Carrera Ramirez, Vera Caetano, Massimo Lazzari e Pedro Sobral de Carvalho; As Estruturas tumulares proto-históricas de Vouzela – Pedro Sobral de Carvaho e Autónio Faustino Carvalho; A Mamoa proto-histórica do Monte Cavalo, Vouzela, Telmo Pereira, Alexandre Payá, Joaquim Maçãs e António Faustino Carvalho; O Castro de Baiões e a organização gentílica na Beira Interior – Armando Coelho Ferreira da Silva; Os Povoados do 1º milénio a. C. do concelho de Vouzela – Alexandre Canha; Os Bronzes de Figueiredo das Donas no contexto da metalurgia do bronze final – Elin Figueiredo; O Povoado e fortificação da Senhora do Castelo – Manuel Luís Real, Catarina Tente, Tiago Ramos, Daniel de Melo Branco e Luís André Pereira; O Património arqueológico de Oliveira de Frades – Filipe Soares; Os Banhos romanos de S. Pedro do Sul – Marcelo Mendes Pinto e Pilar Reis; Epigrafia romana no concelho de Vouzela – Armando Redentor. Continuou-se ainda com Arqueologia funerária romana e medieval no concelho de Vouzela – Catarina Tente, Daniel Melo Branco e Ana Beatriz Ferreira; Introdução à arqueologia mineira no concelho de Vouzela – Daniel de Melo Branco, Manuel Luís Real, Luís Andre Pereira e João Rocha; A Organização militar do território de Lafões durante a Alta Idade Média – António Lima, Manuel Luís Real, Daniel de Melo Branco e Alexandre Canha; A Densidade de Templos em Lafões durante os séculos X-XI – Manuel Luís Real e Daniel de Melo Branco; As Escavações no sítio medieval de Lameiros Tapados, Ventosa – Catarina Tente, Tiago Ramos, Catarina Meira, João Veloso, Rita Castro e Gonçalo Jacinto; Os Paços medievais e as casas-torre do concelho de Vouzela – Manuel Luís Real e Daniel de Melo Branco; Os contextos arqueológicos identificados nas escavações do Castêlo e Torres de Alcofra e Cambra – Jorge Adolfo M. Marques; Lagaretas escavadas na rocha de Vouzela – Sílvia Ricardo, Tiago Ramos, Luís André Pereira e João Rocha. Depois desta exaustiva listagem de autores e temáticas, que se justifica pelo mérito que tiveram, digamos ainda que as Jornadas contaram na sua apresentação inicial com a presença do Presidente da Câmara, Rui Ladeira, e da Directora Regional de Cultura do Centro, Suzana Menezes. Houve ainda tempo para a inauguração do núcleo museológico da Torre de Alcofra e da Exposição “ Lafões – Estudo do Património Histórico e Arquelógico de Vouzela”, no Museu Municipal. E para uma outra abertura, no terreno, a da Rota Cultural do Megalitismo de Vouzela e uma visita ao restaurado Balneário Romano das Termas de S. Pedro do Sul. Numa louvável iniciativa, muito se aprendeu e se vivenciou. Honrando-se o admirável contributo de Amorim Girão, Fataunços, que no século XX muito mostrou daquilo que temos, valeu bem a pena ali termos estado. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 21 Nov 19

Desigualdades por todo o lado....

Um Portugal continuadamente desigual Somos um país que, infelizmente, ainda não encontrou o caminho da justiça, do equilíbrio social e territorial e de um desenvolvimento à altura dos valores humanos que devem presidir a este nosso destino comum. Com muito caminho feito, é ainda dura e penosa a estrada que temos de percorrer. Não temos apenas a clássica diferença entre o litoral e o interior, o norte e o sul. Em cada local, há sempre dolorosas ilhas que continuam a atormentar-nos, como aquela a que assistimos, há dias, em Lisboa, quando uma jovem mãe, sem-abrigo, se desfez de seu filho, colocando-o num caixote do lixo, mal acabou de nascer. Notícia arrepiante, não nos pode deixar indiferentes. Ao prolongar-se a vida sem vida pelas ruas das nossas cidades, ao deus-dará, sem chão e sem carinho, atiramos gente da nossa gente para estes actos tão trágicos e tão dramáticos, que, aliás, temos de o confessar, nada justifica, nada mesmo. Mas que acontecem, isso acontecem, como se viu. Uma sociedade que não é capaz de responder positivamente a estes dramas não pode, jamais, dizer-se que está de saúde. Está, pelo contrário, doente e bem doente. Quando se atingem estes e outros lamentáveis limites, mais ao fundo se não pode ir. Importa, por isso, que nos mobilizemos todos no sentido de fazer evitar estes desfechos. Na desigualdade das desigualdades, cair-se na rua é o fim de linha. Às entidades com responsabilidades políticas e sociais, pede-se que olhem para estas situações com a urgência e cuidados que merecem. Aos legisladores, solicita-se, fortemente, que se deixem de “casinhos” e “causinhas” e ponham os olhos nestas chagas sociais. Comparado com os atrasos nas obras de pouco mais de um quilómetro de estrada entre as Termas de S. Pedro do Sul e Vouzela, agora em fase de trabalhos, depois de bem mais do que um ano de demoras, omissões e adiamento, o que acabámos de relatar na capital quase que nos faz calar as nossas mágoas por estes “esquecimentos” de um Interior que morre aos bocadinhos. Aquelas ilhas da desgraça interpelam-nos a cada momento e fazem pular de tristeza os nossos corações. Com muitas queixas a fazer, calemo-nos para já e façamos votos para que aquela criança consiga o colo familiar a que tem direito. E mais não dizemos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 21 Nov 19

Interior: ontem povoava-se, hoje despovoa-se....

Altos e baixos em termos de população Com base em recenseamentos, hoje sabemos ao certo, de dez em dez anos, quantas pessoas habitam uma região, um país e, de certa forma, praticamente todo o mundo. Mas nem sempre foi assim. Aliás, os censos, no sentido moderno, remontam a meados do século XIX, sendo que, antes dessa época, eram estabelecidas estimativas e assim se faziam as contagens, com mais ou menos aproximação. Usando como unidade de medida o fogo (casa), entendia-se, de acordo com uns autores, aplicar o multiplicador 4 ou, com outros, o 5. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as Inquirições de 1258 que apontavam para estes números por região, com base em Teresa Ferreira Rodrigues ( In “História da população portuguesa, CEPESE, Edições Afrontamento, 2009”): - Entre Lima/Minho – 44100 pessoas; Entre Douro e Lima – 120000; Diocese do Porto – 32250; Lamego – 43680; VISEU – 64350; Coimbra – 44500; Guarda – 49000; Trás-os-Montes – 61600; Estremadura – 164400; Alentejo – 72000. Como regra, vivia-se em pequenos aglomerados populacionais, dizendo-se, a certa altura, que a Beira era a província mais rica, sendo o povoamento mais denso no Minho, Vale do Douro e Beira Alta. Acrescentava-se que o litoral sofreu importantes progressos a partir do século XIII, o que se foi acentuando – e agora de que maneira! – pelos tempos fora até à actualidade, com todos os quadros invertidos. Entretanto, verificou-se que o crescimento urbano foi superior ao rural, em regra geral. Olhando para aqueles números e, integrando-se Lafões na diocese de Viseu e na província da Beira Alta, constata-se que estes territórios faziam parte das zonas de maior povoamento. O que aconteceu, então, para dar cabo dessa tendência, esvaziando-se sucessivamente a ponto de hoje ser o que é: um espaço de baixa densidade, em vias de despovoamento acelerado e, em muitos casos, com muitas aldeias sem ninguém? Não encontramos explicações para além das políticas públicas seguidas ao longo dos tempos, na Monarquia até 1910 e daí para cá em plena República, já lá vão mais de cem anos. É de notar-se que “.... No reinado de D. Sancho I ocupam-se áreas nas províncias das Beiras e de Trás-os-Montes até então quase desertas”. Actualmente, escorraçam-se as pessoas para os grandes centros. Em tempos posteriores a esse Rei, com os seus sucessores muito continuou a ser feito em favor do povoamento das nossas terras, com medidas de fundo, como a Feira de Vouzela, no ano de 1307, a construção do Hospital Real nas Caldas do Banho, com D. Manuel I, entre outras motivações de fixação e atracção populacionais. Um dos factores que, nesses séculos passados, condicionava muito a vida das pessoas, levando a grandes oscilações no número de habitantes, era o das más colheitas, num tempo em que os produtos agrícolas eram determinantes para a própria sobrevivência das comunidades diversas. Só no século XIV foram contabilizadas as dos anos de 1309, 1324, 1326 a 1329, 1331 a 1333, 1336, 1339, 1344, 1346, 1347 e a enorme e devastadora peste negra de 1348, com a sua chegada a Lisboa, depois de Messina em Setembro de 1347. São impressonantes as perdas de vidas, na ordem dos 20 milhões de pessoas na Europa. Tendo em conta que, então, se estava muito longe dos valores actuais em população, a percentagem de mortos apresentou-se como uma catástrofe de dimensões incalculáveis. Infelizmente, as pestes não se ficaram por 1348, pelo que outras se anotam: 1361/1362, 1369, 1375, 1379/1383, 1400/1401, 1420, 1433/34, 1438/39, 1457/58, 1481/1485, 1490/92. Sem grandes cuidados de saúde e de higiene, é facilmente percebido o impacto destas epidemias e os problemas que colocava às diversas povoações e seus responsáveis. Hoje, felizmente, temos andado livres dessas tragédias, mas há uma que não nos deixa de preocupar: as más decisões políticas que nos dizimam, pela fuga dos campos, as nossas populações. E contra essas tardam a aparecer os remédios eficazes. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 21 Nov 19

sábado, 16 de novembro de 2019

Amorim Girão e o seu valioso contributo para a história de Lafões

Em tempos de jornadas arqueológicas, emerge a figura de Amorim Girão Por estes dias, em Vouzela e Lafões, muito se vai falando de pré-história e dos tempos posteriores nas respectivas “Jornadas Arqueológicas”, com uma grande variedade de temas e abordagens. Importa que se diga que nestas terras nasceu um enorme vulto da geografia e das coisas da antiguidade que lhes dedicou toda a sua vida. Falamos, como é óbvio, do Professor Aristides de Amorim Girão, que em Fataunços nasceu no ano de 1895, para vir a morrer num outro espaço que também muito amou, Coimbra, a 7 de Abril de 1960. Foi duma ímpar grandeza o seu legado de investigador meticuloso e de professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de que chegou, por duas vezes, a ser seu Director. Olhando para a sua obra e sua maneira de ser, um de seus discípulos e continuador, Professor J.M. Pereira de Oliveira, assim escteveu, um dia: “ Dos belos mas confinados horizontes da sua querida região de Lafões e do sobrado paterno de Fataunços (...) teria trazido o «provincianismo» dos seus alcances e a esperteza dos seus atrevimentos. Mas daí trouxe principalmente a franqueza que lhe dava o aparente tom de rude, a honradez que o marcava de aparente avareza, a convicção reflectida que fazia a sua aparente teimosia, enfim, a sua crença, que lhe dava o aparente cunho de ingénuo... “ ( In Cadernos de Geografia, 13/1994). Assim sendo, entre aparências e a realidade iria uma distância enorme. Em toda a sua pessoa, se escondia, dizemos nós, a força de quem fez da ciência o seu múnus principal. Tivemos a sorte de, tendo as suas origens em Lafões, ter erguido este território aos altos patamares dos estudos que realizou e muitos foram eles, nomeadamente as “Antiguidades Pré-Histórica de Lafões”, 1921, a “Bacia do Vouga”, 1922, que foi a sua tese de doutoramento, e “ Viseu – Estudo de uma aglomeração urbana”, 1925. No meio de milhares de referências nacionais e internacionais, trazemos aqui ainda uma nota do Professor Fernandes Martins, também seu directo discípulo, que não poupu nos elogios, afirmando o seguinte: “ Geógrafo de alto mérito, professor entuasiasta e trabalhador infatigável, escondia, sob a aparência um pouco austera e rude, um coração generoso e uma dedicação ao alcance de todos”, seguindo os mesmos Cadernos. Uma vida em cheio Se as questões locais lhe serviam para dar largas ao seu gosto pela azáfama dos trabalhos de campos, percorrendo Portugal de lés-a-lés, não se quedou por aí. Quis ir e foi muito mais longe e mais além. Escreveu as “Lições de Geografia Física... Geografia Humana... Geografia de Portugal, Atlas de Portugal, os Compêndios de Geografia, Condições Geográficas e Históricas de Autonomia Política em Portugal, a par dos contributos para o Desenvolvimento dos Estudos Geográfcos em Portugal. Devem-se-lhe ainda as bases da Divisão Administrativa do Continente em Províncias, a partir dos estudos que efectuou, nos anos trinta do século XX. Elemento preponderante da Sociedade de Geografia a que aderiu em 1937, foi ainda bom conhecedor dos vários intervenientes políticos no nosso país. Entendendo que a geografia e a arqueologia devem ser analisadas e vistas à escala da Península Ibérica, estabeleceu adequada correspondência com cientistas espanhóis, muito especialmente com Gonzalo Reparaz Ruiz, como se nota na obra editada pela Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, em coordenação de Fernanda Gravidão, Lúcio Cunha, Paula Santana e Norberto Santos. Esclareceu que, a seu ver, as antas não eram apenas sepulturas mas também lugares de culto e de homenagem aos nossos antepassados do período neolítico. Terminamos o muito que sobre Amorim Girão há a dizer, com as suas próprias palavras. Disse então: “ ... O que os poderes públicos não fizeram, supriu-o a forte iniciativa particular que obreiros dedicados assim puseram em prática... O Centro, e particularmente a Beira Alta, tem sido votado a este respeito ao mais execrável esquecimento... “ Por útimo, aludiu às muitas carências científicas existentes na sua época, em que diz haver apenas registo de duas centenas de antas em todo o país. Sem Internet, os seus feitos, concretizados palmo a palmo, foram ainda mais relevantes. Sensível, deixou agradecimentos, nestes destaques: “... O nosso bom tio e padrinho, Dr. António de Almeida, e o professor primário José Manuel da Silva (pela sua) constante companhia” Na abertura das suas “Antiguidades Pré-Históricas de Lafões” descreve, em pormenor, as razões e as peripécias que o levaram a lançar esta obra no meio de “... dois copos de óptimo Falerno”, indicando ainda muitas outras pessoas que lhe deram a mão e o incentivaram a prosseguir. Pelo que fez, pelas pesquisas e registos que nos deixou, Amorim Girão jamais pode ser esquecido. A pré-história e a geografia, sobretudo estas duas áreas do saber, muito lhe ficaram a dever... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 14 Nov 19

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Atenção dada aos mortos desde há milhares de anos....

O culto dos mortos ao longo dos tempos Estão vivas na nossa memória recente as visitas aos cemitérios para honrarmos os nossos mortos e lhe prestarmos mais uma devida homenagem. Assim acontece todos os anos em dia de Todos os Santos, 1 de Novembro, sendo que a data destinada a este efeito é o dia 2, em que se celebram os Fiéis Defuntos. Porém, pelo facto de o dia 1 ser feriado nacional, tais memórias transitaram para o primeiro dia do mesmo mês. Hoje vamos aos cemitérios, mas tempos houve em que as sepulturas se encontravam nas Igrejas e Adros, sendo que a respectiva mudança provocou, em Portugal, tumultos de enorme gravidade como foi a Revolta da Maria da Fonte, 1846, a que se seguiu a Patuleia, quase em ambiente de Guerra Civil. Com um movimento popular, vindo do Minho, e a estender-se um pouco por todo o país, visando, sobretudo, o governo e as medidas impostas por Costa Cabral, no cerne das contestações estavam os novos impostos e a proibição dos enterramentos nos templos religiosos, por razões de saúde e salubridade. Neste trabalho de hoje, aqui no “Notícias de Lafões”, queremos ir muito mais fundo e mais longe, buscando as formas que o culto dos mortos motivou ao longo dos tempos, muito antes dos citados cemitérios e igrejas. Com o “homo sapiens, sapiens” a interiorizar o valor e a importância de um Além, qualquer que ele fosse, cedo se descobriu a necessidade de encontrar meios e métodos de não esquecer os que partiam desta vida para o desconhecido. O aparecimento de cada vez mais dados sobre o nosso passado, fruto da inovação e de uma ciência sempre em crescendo, vai-nos permitindo conhecer o cuidado com que se pretendia honrar os mortos. Um dos monumentos em que mais se acentua, por aqui, essa dedicação aos entes queridos tem a ver com a construção das antas, essas enormes e elaboradas construções feitas à base de enormes pedras (megalitismo) e das mamoas que as cobriam. Localizadas em muitos sítios, umas mais elaboradas e enriquecidas, outras menos, numa espécie de paralelismo com as nossas campas e jazigos, para não falarmos dos templos dos Faraós do Egipto, ei-las espalhadas pelos nossos montes um pouco por toda a parte, dando-se como exemplos, Antelas (Oliveira de Frades), Lapa da Meruge (Vouzela) e Antas (Manhouce – S. Pedro do Sul). Mas muitas outras se poderiam apontar. Ainda numa malha mais apertada, por agora, queremos cingir-nos a uma modalidade de sepulturas que por aqui se encontram: aquelas que se escavaram nas rochas e de que há, em Lafões, vários vestígios. Com base em publicações diversas, desde Jorge Adolfo Marques a Ana Sofia Silva Pereira, é desta autora que mais nos servimos para alinhavar estas curtas linhas, a partir da sua dissertação de Mestrado, intitulada “Inventário do Mundo Funerário Rupestre Medieval – Centro de Portugal”. Começa por nos dizer que “ Este tipo de sepulturas de inumação caracterizam-se por serem directamente elaboradas no afloramento rochoso, seja este de granito, calcário, ou xisto”. Divide-as, depois, em as mais antigas, de formato ovalado, tipo banheira, situando-as no século VII, e em antropomórficas, mais recentes, do século IX em diante. Sendo discutível esta e outras datações, vale como uma indicação a ter em conta. Por outro lado, associa-as a um povoamento disperso em que se vivia em pequenas unidades familiares, o que corresponde, em parte, aos povoados de Lafões onde as podemos encontrar. Já agora digamos que Catarina Tente, que tem participado, nestes últimos anos, em escavações arqueológicas no concelho de Vouzela, também possui uma tese de doutoramento sobre esta mesma matéria, considerando que estas sepulturas são sítios de habitat alto-medievais. Em números de estações arqueológicas deste nível, o concelho de Oliveira de Frades aparece com três locais, S. Pedro do Sul com igual quantidade, cabendo a Vouzela oito e a Viseu sessenta e três. Concretizando, temos: Oliveira de Frades – Pinhal das Bugalhosas (Arca), Quinta dos Vales da Bouça e Porto Carro (Arcozelo das Maias); S. Pedro do Sul – Quinta de Novais (Baiões), Nossa Senhora do Milagres (Pindelo dos Milagres) Santa Bárbara (Sul); Vouzela – Corgo e Quinta da Tapada (Fataunços), Lamas, Outeiro dos Moinhos e Tapada (Paços de Vilharigues), S. Domingos (Ventosa), Nossa Senhora do Castelo e Igreja Matriz (Vouzela). Uma outra manifestação do culto dos mortos liga-se às estelas funerárias de que há por estas terras de Lafões vários exemplos, como em Destriz, entre outros. Junto a alguns dos diversos monumentos, como as antas, é frequente terem-se encontrado objectos vários e até vestígios de alimentos, sinal de que com o enterramento das pessoas se procedia também à oferta dessas manifestações de carinho e saudade. Ontem e hoje, o Além está sempre presente em muitas das nossas culturas e sociedades, ainda que de maneiras e intensidades muito diferenciadas, como aqui vemos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 7 Nov 19

Misericórdia de Vouzela com mais de quinhentos anos...

Misericórdia de Vouzela das mais antigas do País Num tempo em que se fala de eventuais mudanças nos seus órgãos sociais, é nossa intenção registarmos, neste espaço, algo da longa história da Santa Casa da Misericórdia de Vouzela, praticamente uma das primeiras, a nível nacional, a ver a luz do dia, em 15 de Agosto de 1498, seguindo a iniciativa da Rainha D. Leonor. Na base de seus princípios e compromissos, esteve a necessidade de prestar cuidados aos enfermos, de enterrar os mortos que de tal apoio precisassem, de alimentar os presos, de distribuir pão e alimentos aos carenciados, de oferecer agasalhos e roupas, de receber, na roda, as crianças abandonadas, de proporcionar acompanhamento condigno aos condenados e outros actos caritativos vistos como pertinentes. Tendo em conta que este movimento de solidariedade começou em Lisboa e ao mais alto nível, o facto de Vouzela ter estado logo na primeira linha das instituições criadas atesta a importância social e política que esta terra então detinha. Para dar uma ideia dos seus pergaminhos, no ano de 2009, o nosso saudoso colega, Agostinho Torres, elaborou uma bem detalalhada monografia, que nos serve hoje de boa fonte para fazermos este curto trabalho. Sendo impossível e impraticável falarmos de tudo o que ali se escreveu, fazemos ressaltar apenas umas curtas notas. A primeira destas tem a ver com o Compromisso de 29 de Janeiro de 1647, documento em que se registam os fins essenciais da respectiva Misericórdia, de que são uma espécie de bíblia e constituição que presidem a todas as acções a desenvolver e decisões a tomar. Foi confirmado pelo Rei D. João IV, a que se seguiram os reis D. João V, em 1738, D. José (1768) e D. Maria I (1786), entre outros monarcas. Diz-se que o primeiro edifício onde se instalou a Misericórdia se situava na Rua Direita (Morais Carvalho, na actualidade), assim como o hospital inicial também aí teve o seu lugar de partida, a durar até ao ano de 1880, altura em que, para se alargar a velha ER 41/EN16, veio a ser demolido. Passou depois este serviço de saúde para o Largo de S. Sebastião, antes de se fixar na Quinta da Cavalaria, onde veio a ser inaugurado em 1894 na presença da Rainha D. Amélia e seus filhos. Foi este local cedido pela D. Vitória Adelaide de Seixas Loureiro de Barros, esposa do Comendador João Correia de Oliveira. Quanto ao hospital velho, veio a ser um albergue depois de 1899. É de salientar-se que, em 1873, tinha a Misericórdia nos seus quadros dois médicos, um enfermeiro, um barbeiro com funções meio cirúrgicas, um arquivista, um tratador de relógios, um cobrador de foros e outros “funcionários”. Entre os edifícios construídos, um deles foi o da Igreja da Misericórdia, com as obras a serem iniciadas em 1593, sendo nele executadas grandes trabalhos de remodelação em 1647 (ano do Compromisso) e em 1743. Entretanto, em 1639, o Bispo de Viseu, D. Dinis de Melo e Castro, doara 15000 reis a esta Misericórdia de Vouzela e igual quantia para Trancoso e Pinhel e ainda 8000 reis para Aguiar da Beira, Penalva e Fornos de Algodres. Com vários e destacados benfeitores ao longo da sua existência, importa citar alguns deles, tais como José Ribeiro Cardoso, D. Vitória Adelaide Seixas Loureiro e Barros, já referenciada, e Benjamim Rodrigues Costa. Uma palavra também é devida aos médicos Dr. Agostinho Fontes Pereira de Melo, Dr. José Rodrigues de Almeida Coutinho, Dr. António Simões, Dr. Miguel Lopes Ribeiro e Dr. Adelino Dias Arede. Tendo já abordada a questão das actuais instalações, devemos acentuar que sofreram grandes beneficiações em 1958, sendo Provedor o Dr. Guilherme Ferreira Coutinho. Por estes tempos, no dia 1 de Fevereiro de 1959, era inaugurado mais um novo Hospital, cuja adjudicação fora feita aos empreiteiros Guilherme José Joaquim Cosme e António Baptista da Silva, que vem a ser expropriado pelo Estado em Maio de 1976. No meio de toda a azáfama, em 1972, avança o Lar Nossa Senhora do Castelo, aparecendo, em 1976, o Jardim de Infância, a Creche e o ATL e, em 2002, a Clínica S. Frei Gil, já com o Provedor Eugénio Lopes da Silva Lobo, a iniciar as suas funções em Janeiro de 1980 onde ainda se mantém. Entretanto, surgem também o Centro de Dia, o Lar e outras valências. Com mais de quinhentos anos de uma intensa história, quanto fica por dizer! Deixamos aqui apenas, e tão só, uns ligeiros apontamentos de uma Instituição carregada de um ilustre passado, um bom presente e um futuro que se espera auspicioso. É isso que desejamos. Carlos Rodrigues, in “Noticias de Vouzela”, 7 Nov19