quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Atenção dada aos mortos desde há milhares de anos....

O culto dos mortos ao longo dos tempos Estão vivas na nossa memória recente as visitas aos cemitérios para honrarmos os nossos mortos e lhe prestarmos mais uma devida homenagem. Assim acontece todos os anos em dia de Todos os Santos, 1 de Novembro, sendo que a data destinada a este efeito é o dia 2, em que se celebram os Fiéis Defuntos. Porém, pelo facto de o dia 1 ser feriado nacional, tais memórias transitaram para o primeiro dia do mesmo mês. Hoje vamos aos cemitérios, mas tempos houve em que as sepulturas se encontravam nas Igrejas e Adros, sendo que a respectiva mudança provocou, em Portugal, tumultos de enorme gravidade como foi a Revolta da Maria da Fonte, 1846, a que se seguiu a Patuleia, quase em ambiente de Guerra Civil. Com um movimento popular, vindo do Minho, e a estender-se um pouco por todo o país, visando, sobretudo, o governo e as medidas impostas por Costa Cabral, no cerne das contestações estavam os novos impostos e a proibição dos enterramentos nos templos religiosos, por razões de saúde e salubridade. Neste trabalho de hoje, aqui no “Notícias de Lafões”, queremos ir muito mais fundo e mais longe, buscando as formas que o culto dos mortos motivou ao longo dos tempos, muito antes dos citados cemitérios e igrejas. Com o “homo sapiens, sapiens” a interiorizar o valor e a importância de um Além, qualquer que ele fosse, cedo se descobriu a necessidade de encontrar meios e métodos de não esquecer os que partiam desta vida para o desconhecido. O aparecimento de cada vez mais dados sobre o nosso passado, fruto da inovação e de uma ciência sempre em crescendo, vai-nos permitindo conhecer o cuidado com que se pretendia honrar os mortos. Um dos monumentos em que mais se acentua, por aqui, essa dedicação aos entes queridos tem a ver com a construção das antas, essas enormes e elaboradas construções feitas à base de enormes pedras (megalitismo) e das mamoas que as cobriam. Localizadas em muitos sítios, umas mais elaboradas e enriquecidas, outras menos, numa espécie de paralelismo com as nossas campas e jazigos, para não falarmos dos templos dos Faraós do Egipto, ei-las espalhadas pelos nossos montes um pouco por toda a parte, dando-se como exemplos, Antelas (Oliveira de Frades), Lapa da Meruge (Vouzela) e Antas (Manhouce – S. Pedro do Sul). Mas muitas outras se poderiam apontar. Ainda numa malha mais apertada, por agora, queremos cingir-nos a uma modalidade de sepulturas que por aqui se encontram: aquelas que se escavaram nas rochas e de que há, em Lafões, vários vestígios. Com base em publicações diversas, desde Jorge Adolfo Marques a Ana Sofia Silva Pereira, é desta autora que mais nos servimos para alinhavar estas curtas linhas, a partir da sua dissertação de Mestrado, intitulada “Inventário do Mundo Funerário Rupestre Medieval – Centro de Portugal”. Começa por nos dizer que “ Este tipo de sepulturas de inumação caracterizam-se por serem directamente elaboradas no afloramento rochoso, seja este de granito, calcário, ou xisto”. Divide-as, depois, em as mais antigas, de formato ovalado, tipo banheira, situando-as no século VII, e em antropomórficas, mais recentes, do século IX em diante. Sendo discutível esta e outras datações, vale como uma indicação a ter em conta. Por outro lado, associa-as a um povoamento disperso em que se vivia em pequenas unidades familiares, o que corresponde, em parte, aos povoados de Lafões onde as podemos encontrar. Já agora digamos que Catarina Tente, que tem participado, nestes últimos anos, em escavações arqueológicas no concelho de Vouzela, também possui uma tese de doutoramento sobre esta mesma matéria, considerando que estas sepulturas são sítios de habitat alto-medievais. Em números de estações arqueológicas deste nível, o concelho de Oliveira de Frades aparece com três locais, S. Pedro do Sul com igual quantidade, cabendo a Vouzela oito e a Viseu sessenta e três. Concretizando, temos: Oliveira de Frades – Pinhal das Bugalhosas (Arca), Quinta dos Vales da Bouça e Porto Carro (Arcozelo das Maias); S. Pedro do Sul – Quinta de Novais (Baiões), Nossa Senhora do Milagres (Pindelo dos Milagres) Santa Bárbara (Sul); Vouzela – Corgo e Quinta da Tapada (Fataunços), Lamas, Outeiro dos Moinhos e Tapada (Paços de Vilharigues), S. Domingos (Ventosa), Nossa Senhora do Castelo e Igreja Matriz (Vouzela). Uma outra manifestação do culto dos mortos liga-se às estelas funerárias de que há por estas terras de Lafões vários exemplos, como em Destriz, entre outros. Junto a alguns dos diversos monumentos, como as antas, é frequente terem-se encontrado objectos vários e até vestígios de alimentos, sinal de que com o enterramento das pessoas se procedia também à oferta dessas manifestações de carinho e saudade. Ontem e hoje, o Além está sempre presente em muitas das nossas culturas e sociedades, ainda que de maneiras e intensidades muito diferenciadas, como aqui vemos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 7 Nov 19

Sem comentários: