quarta-feira, 21 de abril de 2021

Ajuda ao desenvolvimento de Moçambique em análise até ao ano de 2005..

I . Introdução A escolha de Moçambique como objecto de análise, em termos de desenvolvimento, resulta de, em primeiro lugar, ser um país de língua oficial portuguesa e, por último, de termos estabelecido laços de afectividade, que deixam sempre as suas marcas. Uma é razão objectiva. Outra tem implícita uma grande dose de opção pessoal, mas tudo faremos para não nos deixarmos envolver por essas motivações. Nesta medida, só as fontes serão a base do nosso trabalho e nunca os nossos próprios sentimentos se sobreporão a esses dados e necessárias conclusões. Como a “ Socioeconomologia” está profundamente ligada ao campo social, com a pessoa humana como seu centro de actividade (José Ampagatubó), entendemos que a economia, neste caso, só tem razão de ser se for capaz de se colocar ao serviço de um desenvolvimento sustentável, ecológico. Qualquer outra postura fica de fora dos nossos propósitos. Seguindo uma metodologia que privilegie o suporte em temas humanizados, acompanharemos de perto os pensadores que advogam as recomendações da ONU, do PNUD, da EU, da UA e dos sistemas de cooperação adoptados por Portugal, entre outros aspectos. Por se tratar de um trabalho que visa debruçar-se sobre um país africano, queremos pôr de lado todas as posições eurocêntricas, para dar voz ao povo moçambicano, neste caso particular. Reconhecemos que é preciso um novo olhar sobre África, que devolva aos seus povos o direito a poderem afirmar a sua história e a construir o seu próprio destino. Tomando como base Mia Couto , a maior pobreza está sempre ”… na penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos. Falo na dificuldade de nos pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho.” Esta é a voz de um moçambicano destinada aos seus concidadãos. Mas outras, vindas de diferentes horizontes e latitudes, regem-se pela mesma preocupação, como se pode ver em Manuel Jacinto Nunes, ao alertar para os perigos do eurocentrismo, como frisámos anteriormente. Vamos procurar entender os caminhos que Moçambique está a percorrer para fugir ao subdesenvolvimento. No entanto, não escondemos as nossas limitações: “Quando o homem se põe a falar, fá-lo porque crê que vai dizer o que pensa. Mas isso, é ilusório, a linguagem não dá para tanto” . Conscientes deste aspecto, achamos, todavia, que é preferível falar a ficar calados, mudos e “quedos”. Até chegarmos à área do desenvolvimento humano, passaremos por diversas fases, com o objectivo de descobrir, economicamente, quem foram os moçambicanos, ao longo dos tempos. Para abreviar, referir-nos-emos sinteticamente aos movimentos mais marcantes e em linhas muito gerais. Como balizas temporais, a nossa opção, que não omite o carácter precário desta delimitação, incidiremos especialmente entre 1955 e 2005, por estas razões: - A primeira destas datas evoca a Conferência Afro-Asiática de Bandung, na Indonésia, onde estiveram presentes vinte e nove países efectivos e vinte e um observadores. Mas o facto mais relevante desta sessão de trabalho tem a ver com o aparecimento da Carta de Bandung e, sobretudo, com a criação do Movimento dos Não Alinhados (NAM). Parece-nos então que este é um marco determinante na via da emancipação que a ONU tanto defendia. - Quanto a 2005, são óbvias as ilações: é o último ano civil completo, a anteceder a elaboração deste curto estudo e daí a maior facilidade em colher dados fiáveis. A par das realizações internas de Moçambique, focaremos também as ajudas ao desenvolvimento, assim como falaremos dos diversos aspectos gerais que o caracterizam, sempre na perspectiva, como dissemos, duma ligação directa com os seres humanos. Porque nem sempre abundam os dados fidedignos, servir-nos-emos daqueles que nos parecerem mais aceitáveis, até pelas fontes em que os venhamos a encontrar. Não ficaremos apenas, como é lógico, pela economia fria, pura e dura dos números, porque “… Os valores emergentes e significativos numa sociedade subdesenvolvida não podem resumir-se à simples elevação do rendimento per capita. Tais valores incluem a luta contra a ignorância, a pobreza, a doença,(para dar lugar ao) gozo das liberdades civis e políticas e a mais equitativa distribuição da riqueza e do rendimento” ( M. Jacinto Nunes, idem,P. 21). É esta a visão global que defendemos, como filosofia e como prática. Muito pouco será indicar o crescimento, algo mais é o desenvolvimento, mas tudo isso ainda é curto demais: só a dimensão humana completará esse mesmo quadro. Afirmar os direitos e deveres dos moçambicanos e a responsabilidade de tantos outros povos, tecer uma história independente e objectiva eis o nosso desejo. Para isso, é urgente alterar o paradigma de pensamento, porque a libertação africana implica “… entendimento de história e do homem“ . II. Uma breve síntese económica de Moçambique Para descobrirmos os pontos essenciais e mais relevantes, em matéria de economia moçambicana, vamos cingir-nos ao espaço territorial que decorre da Conferência de Berlim (1884-1885). Sabendo que essa foi uma divisão algo artificial e imposta por interesses alheios às realidades étnicas locais, é, no entanto, aquela que existe e que oficialmente veio a ser adoptada. Com vários quadros geográficos distintos, que vão das assimetrias do litoral para o interior e do norte para o sul, diferentes são os pulsares económicos de cada uma dessas zonas, mesmo ao longo dos tempos. Se o mar proporcionou mais frequentes contactos, sobretudo depois do século XII, é natural que os povoados junto à costa tenham beneficiado, umas vezes para seu bem, outras para seu mal, dessa própria situação geográfica. Mas não são de desprezar outras manchas do interior, como o reino Monomotapa, em termos de vivência económica. Ao avançarmos para algumas evidências, passamos à margem de muitas outras, porque “… A história do nosso mundo é uma história que ainda é muito mal conhecida…” e, pior do que isso “…Em 1900… toda a história estava cartografada, explorada, avaliada e dividida entre os poderes europeus. Neste jogo foi prestada pouca atenção ao bem – estar dos nativos… Nenhum poder europeu tem as mãos limpas no que diz respeito a este assunto…” . Sem pôr em causa a pré-existência de outras organizações sociais autóctones, auto-sustentáveis ou em regimes económicos muito embrionários, começa no século XII um mais acentuado ciclo comercial com a chegada de povos islâmicos, que partem das aludidas zonas costeiras para o interior, assim incrementando as trocas. Tomando como ponto de partida o Dicionário Temático de Lusofonia (Direcção e Coordenação de Fernando Cristóvão, Associação de Cultura Lusófona, Texto Editores, Lisboa, 2005), anotemos então alguns factos mais em evidência: Ao chegarem ao actual território de Moçambique antes dos portugueses, os “sualis” procuram no ouro as razões para a sua fixação, sobretudo em Angoche, Ilha de Moçambique e Quelimane, no enfiamento do reino Monomotapa, a então catedral do ouro. Conhecedores de técnicas (que outros povos talvez desconhecessem), os monomotapas, para além da forte mineração e exploração do ouro, cujo auge se atinge por volta de 1450-1500, dedicam-se ainda à agricultura, pastorícia, caça, comércio e aplicação de tributos, tudo isto com relevância económica. Não é de estranhar-se, portanto, a cobiça que esta gente espoletava, a ponto daquele espaço ser disputado por vários outros povos, incluindo os portugueses que, em 1505, se radicam em Sofala e, no ano de 1541, bem perto do Monomotapa. Como este reino tinha uma organização eficaz, baseada no poder de um senhor absoluto sobre os seus vassalos, estendendo-se ainda aos chefes regionais, eram frequentes os avanços em espaço e influência, ora por via pacífica e por alianças, ora pelo recurso à guerra. Até 1590, tudo pareceu andar bastante bem e a seu favor, situação também partilhada pelos portugueses que não perdiam a oportunidade de ali se infiltrarem. Acontece que nesse ano faleceu Mutapa e a sua sucessão desencadeou uma série de conflitos, que levaram ao seu inevitável enfraquecimento. Entretanto, mormente no século XVII, surgem outras entidades a marcarem o ritmo dos acontecimentos económicos, a saber: - Os reinos Marave, a norte do Rio Zambeze, cultivavam a batata-doce, sorgo, milho, mandioca e produziam machira (tecido de algodão muito forte) que davam à troca, assim como utensílios de ferro, com ênfase para as enxadas. - No Niassa, as comunidades Yao possuíam um sistema agrícola desenvolvido para a época, com drenagens e planos de irrigações, o que lhes permitia alcançar uma posição dominante. Dedicavam-se ainda à caça, pesca e trabalhos de ferro. - Mais a Norte, os Makuas-Lómwé, por essa altura, integravam já o sistema capitalista internacional, a partir do fornecimento de escravos, marfim, goma copal e borracha, para receberem sobretudo armas. Esta internacionalização comercial circulava em volta do eixo África Central e Oriental, com os portugueses em acesas disputas com os árabes. Como produtos apetecíveis para esse sistema tínhamos o sal, os panos, a utensilagem, o marfim e uma “… outra alternativa para o desenvolvimento económico, mas mais repugnante: a escravatura” . - Nesta cena comercial, aparecem, também por volta do século XVII, os indianos que chegam a obter uma espécie de monopólio, concedido pelo vice-rei da Índia, que colocava na mão da Companhia dos Manzanes a exportação de marfim, âmbar e carcaça de tartaruga. Esta situação manteve-se mais ou menos até ao século XIX. A este propósito, convém notar-se que a administração de Moçambique, no que a Portugal diz respeito, estava sob a tutela de Goa desde 1505, prolongando-se até 1752. Aquela cidade do Índico perde este estatuto por se ter reconhecido, em meados do século XVIII, que as terras moçambicanas estavam comercialmente arruinadas, as fortalezas desmanteladas e desguarnecidas, as costas abertas a invasões, pelo que se entendeu nomear um Governador-Geral e, em 1760, um Secretário do Governo de Moçambique. No meio de tudo isto, criaram-se as capitanias e, mais tarde, os prazos, na zona do Zambeze, que, posteriormente, originaram alguns estados militares, com bases em economias predatórias em busca de escravos. Estas tiveram a sua origem quando os prazos entraram em decadência. A partir dos anos trinta do século XVIII, a par de vários reinos ao sul do Save, que se digladiavam com frequência, Moçambique torna-se alvo do tráfico praticado por franceses, brasileiros, cubanos, americanos, árabes, holandeses e austríacos. Como produtos do Sul, temos a criação de gado bovino, a agricultura, caça e recolecção, olaria, cestaria, talha de madeira e metalurgia do ferro. Sobressaem ainda as migrações para norte. Os meados de século XIX oferecem o impacto do novo capital mercantil, já que a agricultura, em transformação, entra nesses circuitos. É a época das grandes companhias: Moçambique (Manica e Sofala), Niassa (Cabo Delgado e Niassa) e Zambézia (Tete e Quelimane). Neste mesmo século, surge o imposto de palhota, o mussoca zambeziano e a economia de plantação. Paralelamente a esta situação, o sul sofria uma forte influência e atracção da vizinha África do Sul, que recebia em massa emigrantes moçambicanos, dispostos a trabalhar nas minas de ouro e diamante, exploração capitalista da cana de açúcar, tudo isto agravado com as novas vias de caminho de ferro. Com a escravatura não abolida, na prática, com a institucionalização do trabalho forçado através do chibalo, com novas tributações, o moçambicano, indígena ou assimilado, não deixava de ser visto como um ser inferior, numa evidente desigualdade branco-negro. Com altos e baixos, do liberalismo à primeira república pouco desta situação se alterou. Porém, em 1926, estabelecem-se as Bases Orgânicas da Administração Colonial e o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, para, no ano de 1930, aparecer o Acto Colonial, que faz abolir qualquer veleidade do conceito de autonomia, impondo uma maior centralização e a soberania portuguesa sobre todo o império colonial, numa clara ruptura com algumas aberturas conseguidas durante a República inicial. Economicamente, até à Guerra da Independência, podem vislumbrar-se duas fases distintas: 1ª – A prolongar-se até à Segunda Grande Guerra Mundial, é marcada por uma forte política nacionalista e centralista. 2ª- Talvez sob as pressões vindas da ONU, o período pós-1950 vê acentuar-se o reforço de relações comerciais metrópole - colónias, mais abertas e menos carregadas da anterior visão. Para concluirmos este capítulo, importa dizer-se que, aí pelos anos sessenta e setenta, aponta-se para o caminho de maiores investimentos, mais desenvolvimento industrial, maior penetração de capitais estrangeiros. Eram a força das ideias externas e a resposta á guerra interna a exigirem essa mudança de atitude, que não chegou para evitar o desfecho de 1974, ano de todas as alterações. III. Os pilares do moderno desenvolvimento Para um novo mundo em que a “economia e os desenvolvimentos da ciência económica não devem perder de vista o Homem e a realidade envolvente” , de acordo com o pensamento de Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001 , não nos serviremos de velhas teorias, nem de mercantilistas, nem de fisiocratas, nem de marxistas, nem de neoclássicos. O nosso grande objectivo é estruturar um desenvolvimento, que revalorize a África em geral e Moçambique, em particular, talvez longe de modelos, mas muito perto do Homem, da sua especificidade, da sua cultura, da sua tradição. Estamos a falar, claro, de um desenvolvimento sustentado, de rosto humano, com uma matriz local e o enfoque nas respectivas comunidades. Ao partirmos da necessidade constante de “… desfazer crispações, criar confiança…respeitar diferentes identidades dos estados envolvidos“ , vamos caminhar no sentido da descoberta de uma nova economia, que faça dos números instrumentos de bem estar geral e não peças duma estatística, que deixa sempre enormes vácuos. O moderno desenvolvimento carece de outros pilares, de outro sistema de alavancagem, de um take –Off diferente e adequado a cada uma das realidades com que estas comunidades e países se debatem. A descolagem, que tem de ser feita em prol de todos, pede-nos novas regras, impõe-nos outros desafios e Moçambique já sentiu o apelo destes gritos, quando, como veremos, soube desligar-se de amarras que lhe tolhiam os desenvolvimentos. “O continente africano figura num lugar de relevo entre as prioridades da política externa portuguesa…Pensamos que seria um erro trágico se a Europa decidisse permanecer fechada sobre si própria, esquecendo um continente que está tão próximo de nós pela história, pela geografia e por todo um conjunto de relações políticas, económicas e culturais…Não nos limitamos a uma participação formal… Disponibilizamos também importantes recursos naturais e humanos para apoiar os esforços desenvolvidos pelas Nações Unidas… No futuro, contamos desenvolver ainda mais esta cooperação…” ( Aníbal Cavaco Silva, Id, ). Para concretizar estas e outras ideias, precisamos de erradicar de vez alguns dos visíveis factores de subdesenvolvimento, que são a manutenção dum espírito de administração colonial e respectivas estruturas de propriedade e de produção, a aculturação e a mentalidade de elites ocidentalizadas, tal como defende Rui Lourenço Amaral de Almeida . Nesta geografia do subdesenvolvimento, que Alfred Sauvy apelidou de terceiro mundo, é urgente agir, mas de uma forma em que todos trabalhem como agentes do mesmo processo, em termos de cooperação sólida e franca ou seja, pondo em destaque estas ideias: “A Nova Parceria peara o Desenvolvimento de África procura ter como base as realizações do passado, bem como reflectir sobre as lições aprendidas através da dolorosa experiência, por forma a estabelecer uma parceria credível e implementável” . Para que o comboio do desenvolvimento humano possa seguir pelos melhores carris – o que é urgente – temos de tentar partilhar saberes, conhecimentos, projectos, sem deixar de aproveitar dinâmicas culturais locais das várias comunidades, no respeito pelas alteridades plurais. Entre as várias hipóteses que devem estar em cima do tabuleiro, uma delas é a democracia local que ”… abre as portas a uma pedagogia de cidadania (…). Se a utopia uma ideia que não tem lugar onde se aplicar, a democracia local, longe de ser uma utopia, é sem dúvida o único lugar onde a ideia de democracia pode ainda exercer-se plenamente“ . Por outro lado e em complemento deste pensamento, é sempre de colocar-se a necessidade do reforço dos instrumentos do envolvimento público, de modo a “favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida, dentro de uma maior liberdade” (Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, 1945). Por sua vez, O Artigo 2º da Carta de Addis-Abeba - OUA – coloca a ênfase nestes aspectos: - Reforçar a unidade e a solidariedade - Coordenar e intensificar a sua colaboração - Defender soberania, integridade e independência - Eliminar colonialismo - Favorecer a cooperação internacional, tendo em conta a Carta da ONU e a Declaração dos Direitos Humanos. Phillippe Hugon, ao abordar o tema das economias de desenvolvimento, apela aos conceitos de interdisciplinaridade, recusando quaisquer interpretações unívocas e artificialmente compartimentadas (Economia de África – Vulgata, 1999). Para este autor, África não é uma realidade única, mas um continente de contrastes, tese que, à escala de Moçambique, tem uma aplicação perfeitamente condizente com esta teoria. Defende ainda uma maior cooperação inter-africana, uma crescente aproximação entre a África e o resto do Mundo, nomeadamente a União Europeia. Como contributos importantes, Isabel Castro Henriques vê o Estado associado ao desenvolvimento económico e à democracia, com os seus modos e actuação desligados de conceitos ocidentais, enquanto diz caber à sociedade civil um papel relacionado com estratégias identitárias, num aprofundamento de solidariedades horizontais, diluindo, quanto possível, as fronteiras étnicas. Assinala também outros desafios: - Novas dinâmicas sociais e culturais - Definição clara de estratégias - Mudança de paradigma das ciências sociais e humanas, a passarem do eurocentrismo para os processos endógenos . Com difíceis caminhos a percorrer, Moçambique, se atendermos a estes e outros contributos, pode muito bem vir a alcançar resultados de grande vigor. De momento, parecem criadas as condições indispensáveis a essa viragem, tão necessária quanto urgente. “Contra o subdesenvolvimento, o paradigma do desenvolvimento humano apoia-se em quatro pilares: produtividade, equidade, sustentabilidade e habilitação” . É evidente que estes são aspectos essenciais, mas têm de ser lidos à luz de parâmetros locais e não numa perspectiva globalizadora e demasiado economicista, sobretudo no que se refere às exigências de produtividade, porque há ritmos que não podem ser abruptamente quebrados. Fasear as etapas é uma outra via a seguir. Apontando alternativas complementares, Gabriel Sérgio Mithá Ribeiro, defende que a tudo isto deve presidir uma atitude política participante, essencial a uma base democrática, ultrapassando-se a cultura de mero súbdito, para afirmar a força do estado moçambicano e a valorização da citada componente activa de todos os cidadãos . Para se porem em prática os valores do desenvolvimento, nunca se deve esquecer as satisfação das necessidades básicas, a liberdade, a justiça, a educação, a procura da equidade, o reforço da auto-estima e o sempre presente bem estar geral. Nesta conformidade, a economia e o desenvolvimento têm de saber conviver com a cultura, a tradição, a história, as dinâmicas locais, para nelas se apoiarem quanto aos objectivos da modernização, mas sempre dentro dos contornos das comunidades a quem se destinam. Impor modelos exógenos é sacrificar tudo à nascença. Num contexto de uma crescente globalização, esta só trará benefícios para os povos em vias de desenvolvimento, em que Moçambique se integra, se responder a alguns requisitos essenciais e prioritários. Entre os muitos possíveis, passamos a destacar : È sabido que a mundialização e a globalização, conceitos que parcialmente se entrelaçam, não deixam de ser “… uma fase nova numa história antiga, a do capitalismo” . Sendo a economia uma ciência social, por excelência, muito embora opere essencialmente com números, deve contemplar sempre as realidades concretas e assentar, para além dos aspectos já descritos, no direito de escolha, na busca permanente do conhecimento, na inventariação de eventuais alternativas e na abertura real e justa dos mercados. Para este último efeito, é impossível que o mundo, se quiser construir uma globalização humanizada, actue com dois pesos e duas medidas: adquirir produtos a baixos preços, ou até fechar a sua entrada nos respectivos circuitos comerciais e vender os seus bens por valores especulativos, exorbitantes e impraticáveis. Proteccionismo e exploração não combinam, nunca, com as opções livres e os preços justos. Aliás, este esquema acaba por distorcer todos os mecanismos e criar um ciclo vicioso, que penaliza, com demasiada frequência, os países pobres em favor dos mais poderosos. Extorquindo-lhes praticamente os seus recursos naturais, deixa-os no abismo, com as dívidas em galopante subida e um custo de vida local inaceitável e impossível de suportar. São estes alguns efeitos perversos que se podem notar na globalização, muito embora se trate, praticamente, duma inevitabilidade e duma viagem sem retorno. Mas esta “… pode ser reformulada e, quando o for, e todos os países tiverem uma palavra a dizer nas políticas que os afectam, é possível que ela ajude a criar uma nova economia mundial em que o crescimento seja mais sustentável e menos volátil e os seus frutos sejam partilhados de forma mais equitativa.” . Associada à comunicação, a globalização não pode servir-se dela de uma forma universal e igualitária. Devido à existência de diferentes receptores, tem de saber descodificar-se e adaptar-se a esses públicos diferenciados. A massificação via Internet, por exemplo, é um fenómeno que, parecendo chegar a todo o lado, produz manchas duma gritante info-exclusão, o que mais agrava o panorama destes países. Num mundo que ronda brevemente os 6,5 mil milhões de habitantes, temos estes equipamentos comunicacionais (em milhões): 4500 rádios, 3500 televisões, 1000 telemóveis e igual número de internautas, menos de um sexto da população global do planeta, nestes últimos casos. Devido a estes e outros factos, a Cimeira de Joanesburgo de Setembro de 2002 incidiu fortemente os seus trabalhos no reconhecimento das diversidades culturais e na maneira mais eficaz e humana de lidar com essa questão. Também nesta matéria é preciso, mais do que nunca, problematizar a comunicação, usar um espírito crítico e recriar, continuamente, a coabitação cultural, que tem de andar sempre de braço dado com a tão falada globalização. Ao carecermos de uma Nova Ordem Económica Internacional, devemos nela encaixar uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação. Só assim se chegará a realizar o objectivo do bem estar para todos: “Quanto mais globalização houver, mais é necessário reforçar as Instituições internacionais e o papel dos Estados-nações que, no quadro essencial da coabitação cultural, são a condição de preservação das identidades culturais. Vemos isso tragicamente em África, desde há trinta anos, da Somália à Argélia, do Ruanda à Costa do Marfim, de Angola a Moçambique” . Uma palavra é devida a propósito da educação e aprendizagem, que têm neste contexto uma importante e activa voz. Podemos até afirmar que esses são dos pilares mais estruturantes de todo este grande edifício. Mas há que incluir este aspecto fundamental: “A história mostra que, embora se possa falar em linhas comuns de educação, cada sociedade organiza a sua educação de acordo com a sua realidade e os seus interesses.“ . Uma vez mais se falou de diversidade. Cremos que sem essa dimensão quem fica a perder são as populações dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Raramente os outros passarão por essa humilhação e atroz sacrifício. IV. Moçambique: um ligeiro diagnóstico Até ao momento, incidimos sobre uma visão muito limitada da economia moçambicana, num cronograma iniciado no século XII e concluído em pleno século XX. Definimos algumas linhas mestras genéricas, quanto ao modo de construirmos um desenvolvimento humano e sustentável . Mas ainda não conhecemos Moçambique nas suas diversas facetas, sobretudo naquelas que mais nos interessam: os seus índices de nível de vida, de economia, de educação, de saúde, de fluxos financeiros, de balança de pagamentos e tantos outros dados, que serão de extrema utilidade para o objectivo que escolhemos. Não vamos declarar que conseguimos um estudo exaustivo, nem disso nos aproximámos, por duas ordens de razões: por dificuldades inerentes a esta investigação e pela natureza limitada deste trabalho. O que passamos a apresentar são apenas algumas pistas, mas, mesmo assim, algo elucidativas. Delas nos serviremos, em termos de ponto de partida, para darmos continuidade a esta causa. Começamos, primeiro, por apresentar uma estimativa da população moçambicana, para, de imediato, detectarmos um vector dominante: o seu grande crescimento, que, sendo fundamental para um povoamento equilibrado do seu território, condição que não existe, coloca muitas outras questões, desde a qualidade de vida a tantas mais. A - Evolução do número de habitantes : Anos Habitantes 1930------------------------------------3886000 1940------------------------------------5086000 1950------------------------------------5739000 1960------------------------------------6593000 1970------------------------------------8233034 1987-----------------------------------14516000(a) 1999-----------------------------------18000000(b) 2000-----------------------------------19124335(c) 2015-----------------------------------25200000(d) Para melhor ilustrar estes dados, que se reportam a Moçambique, vejamos o que, na década de noventa, veio a acontecer a nível de comércio mundial em percentagem de trocas por grandes blocos regionais. O peso de África, apesar da sua imensidão continental e das muitas riquezas existentes, é praticamente insignificante, surgindo na cauda desta curta listagem nominal: Europa ----------------------------------------47,2% EUA------------------------------------------- 18,5% Sudeste Asiático----------------------------- 15,3% Japão------------------------------------------ 7,6% Médio Oriente------------------------------- 3,5% América do Sul------------------------------ 3,2% África----------------------------------------- 1,0% Com origem no Banco Mundial, em 1998, tínhamos 1,2 mil milhões de pessoas a viverem com menos de um dólar por dia, com esta distribuição e percentagens: Ásia do Sul----------------------------------- 43,5% África Subsariana--------------------------- 24,3% Ásia Oriental e Pacífico-------------------- 23,2% América Latina e Caraíbas---------------- 6,5% Europa e Ásia Central---------------------- 2,0% Médio Oriente e África do Norte--------- 0,5% Em valores do IDH (Índice do Desenvolvimento Humano), vamos analisar uma grelha que contempla mais de três dezenas de anos, comparando três países, desde pontos extremos a uma posição intermédia, mas também baixíssima, precisamente a de Moçambique, que posteriormente até vem a agravar-se: Países Anos 1960 1970 1980 1992 1994 Canadá 0,865 0,887 0,911 0,932 0,960 Moçambique 0,169 0,248 0,247 0,252 0,281 Guiné Bissau 0,083 0,111 0,148 0,191 0,291 Salvo algumas oscilações, verifica-se uma curva ascendente, que nem sempre se vem a manter, tal como se pode constatar no ano de 1994, altura em que a Guiné mostra uma boa recuperação relativa. A completar os quadros anteriores, voltando agora de novo para Moçambique, verifica-se em 1984 a existência de um médico para 38.293 habitantes, havendo 12.039 camas hospitalares e 3670 camas em maternidades. Entretanto, de 1975 para 1984, é visível o esforço dispendido na área da saúde e noutros domínios, não obstante as condições adversas que ali se verificavam: Áreas de actuação 1975 1984 Postos de saúde--------------- 326------------------------ 1130 Centros------------------------ 100 ------------------------ 208 Hospital Rural ---------------- 0 ------------------------- 1 Médicos ----------------------- 171 ------------------------ 347 Enfermeiros e outros técnicos---------------------------- 3250 Índice de vacinação---------------------------------------- 95% Em relação a água canalizada, passou-se, nesse mesmo espaço temporal, de 250.000 para 1.500.000 pessoas e, em abastecimento de energia eléctrica, de 50.285 para 113.105 residências. No que se refere a educação, as taxas de analfabetismo decresceram significativamente, como facilmente se depreende das percentagens seguintes em valores aproximados: ano de 1970--- 93% ; 1980--- 72% ; 1999 --- 60%. Quanto a frequência escolar e utilizando a terminologia local é este o grau de evolução: Nº de Alunos Anos de 1975 1984 Ensino Primário------------------- 67617---------------- 1303650 “ Secundário---------------- 26354---------------- 123398 Rede escolar, ensino secundário (Estabelecimentos) --- 31 e 146, respectivamente. Foram ainda criadas sete escolas agrárias e duas industriais: mecânica, energia e minas. Cremos que estes dados se relacionam com o sistema público. Se assim for, falta uma outra componente fundamental, que é aquela que tem a ver com as comunidades religiosas e outras ONG e ONGD, o que vem alterar, para níveis muito superiores, todo este panorama de uma forma positiva. Se podemos constatar razoáveis progressos, o IDH, tal como deixámos implícito, não pode deixar-nos, de maneira nenhuma, satisfeitos nem descansados. A título de exemplo, repare-se que, em 1995, dos vinte países menos desenvolvidos, no panorama mundial, dezoito eram africanos e as cinco nações de língua oficial portuguesa mostram-nos que há um gigantesco esforço a fazer, a avaliar por esta tabela: Total de países analisados---- 174 Posições Anos de 1995 1997 Moçambique-------------------------- 167 ------------------------- 166 Angola--------------------------------- 164 ------------------------- 157 Guiné Bissau-------------------------- 163 ------------------------- 165 Cabo Verde---------------------------- 123 ------------------------- 123 S. Tomé e Príncipe-------------------- 133 ------------------------- 125 Com os dados anteriores e com estas conclusões relacionadas com o IDH, que faz uma abordagem de tudo aquilo que tem a ver com a valorização da pessoa humana, razão de ser de todo o desenvolvimento sustentável, temos de confessar que Moçambique – e todos os demais elementos da CPLP, sobretudo os africanos e ainda Timor – está a uma enorme distância dos objectivos desejáveis e pretendidos. Para aí se chegar e ir mais, muito mais longe, como se impõe e deve ser conseguido, passaremos a elencar, em próximo capítulo, os aspectos que podem conduzir estes países a patamares mais elevados. Daremos também conta de algumas iniciativas e estado de desenvolvimento, que fazem renascer a esperança em melhores dias. Moçambique, pelos sinais recebidos dos últimos anos, vai no bom caminho. Mas são gigantescos, repetimo-lo, os passos a dar , rumo a um futuro bem mais risonho, mais próspero e mais próximo da felicidade que auguramos e que a comunidade internacional deve, sem tibiezas, apoiar decididamente. Para uma melhor elucidação, apresentamos alguns dados referentes a diversos anos: Investimentos-------------------------- 2,24 milhões de contos Dívida Pública------------------------- 7,21 Importações----------------------------18,98 Exportações----------------------------15,5 Produções - Milho----------------------------------400 milhares de toneladas - Banana---------------------------------280 - Pesca-----------------------------------13,3 Saúde Estabelecimentos-----------------------839 Pessoal médico--------------------------4,6 milhares Despesas de saúde-----------------------282,8 milhares de contos Recursos Naturais - Gás natural, carvão, energia hidroeléctrica, pesca Educação - Alunos------------------------------------ 565900 - Professores ------------------------------10700 Cultura e Comunicações - Jornais e outras publicações-------------- 27 - Museus --------------------------------------8 - Bibliotecas-----------------------------------41 - Espectáculos---------------------------------15100 - Grupos Desportivos---------------------------85 - Telefones e telégrafos-------------------------46300 1999 População---------------------------------------------17900000 Crescimento populacional médio(1975/1999)---2,3% População urbana------------------------------------38,9% Produto Interior Bruto------------------------------- 4 mil milhões de dólares (USA) PIB (PPC)----------------------------------------- 14,9 “ “ “ “ (PPC) Taxa média de crescimento anual do PIB per capita- 1990- 1999----- 3,8% Lugar do Índice de Desenvolvimento Humano em 162 países---------157 Probabilidade de esperança média de vida ----------------------49% menor 40 Esperança de vida à nascença--------------------------------------40,6 anos Taxa de alfabetização, maiores de 15 anos----------------------- 43,2% Despesa Pública em Saúde em % PIB-----------------------------2,8% Despesa Militar em % PIB------------------------------------------2,4% Importações em % PIB----------------------------------------------38% Exportações “ “ “ ----------------------------------------------12% Serviço da dívida total em % do PIB------------------------------3,1% “ “ “ “ “ “ de exportações, bens e serviços-20% Podemos ainda acrescentar a estes dados outros mais, inseridos no citado Guia do Mundo 2000/2001: Densidade Populacional---------------------------21 Hab / Km2 População(1997) Menores de 15 anos---------------------------------- 45% Maiores de 65 “-----------------------------------4% População feminina----------------------------------- 51,6% “ urbana--------------------------------------36,4% Saúde e Nutrição (1995/1997) Mortalidade Infantil---------------------------------------------------- 135 /1000 Mortalidade materna -------------------------------------------------- 1500 /100000 Esperança de vida à nascença Masculina-------------------------------------------------------44,1 anos Feminina----------------------------------------------------------46,9 “ Médicos/Camas-----------------------------------------------------------0,03 / 0,9 / 1000 habitantes Água potável--------------------------------------------------------------- 28% Saneamento básico- ------------------------------------------------------ 25% Calorias / habitante / dia--------------------------------------------------1799 Proteínas / Gramas---------------------------------------------------------34,5 Gorduras / “ ---------------------------------------------------------32,5 Educação (1997) Taxa de analfabetismo-----------------------------------------------------59,9% 1º nível de ensino. Taxa de escolaridade--------------------------------60,2% Rácio alunos / professor---------------------------------------------------58 5º ano de escolaridade-----------------------------------------------------35% Ensino secundário. Taxa de escolaridade-------------------------------7,1% “ superior . Idem ---------------------------------------------------0,5% Comunicação (1996) 2 jornais diários com uma tiragem de 3 exemplares por 1000 habitantes Receptores de rádio---------------------------------------------------39 Televisores-------------------------------------------------------------35 / 1000 hab. Telefones---------------------------------------------------------------3,3 / “ “ Internet-----------------------------------------------------------------0,03 / 10000 Hab. Economia / Finanças (1990 – 1997) Agricultura----------------------------------------------------31% Indústria-------------------------------------------------------24,3% Serviços-------------------------------------------------------44,8% Consumo público--------------------------------------------10,4% “ privado--------------------------------------------76% Investimento bruto-------------------------------------------29,5% Poupança bruta-----------------------------------------------13,6% Exportações---------------------------------------------------18,2% População activa----------------------------------------------8648000 hab. Taxa de actividade--------------------------------------------52% Emprego na agricultura--------------------------------------83% “ “ indústria-----------------------------------------8% “ nos serviços----------------------------------------9% Receitas públicas----------------------------------------------18,3% PNB Despesas públicas----------------------------------------------31,9% Índice de preços no consumidor-------------------------153% (1995- 100%) Moeda----------------------------------------------Metical (12366/ dólar EUA) Relações económicas internacionais (1996 / 1997) Grau de abertura da economia-------------------------------52,2% Importações-------------------------------------------937,4 milhões de dólares Principais produtos importados: - Alimentares---------------------------------------------------22% - Combustíveis-------------------------------------------------11,5% - Produtos químicos-------------------------------------------7,9% - Máquinas e material de transporte------------------------32,1% - Outros---------------------------------------------------------22,2% Origem das importações: - União Europeia ---------------------------------------------- 27,1% - EUA / Canadá------------------------------------------------5,5% - Japão-----------------------------------------------------------4% - Países em desenvolvimento---------------------------------16,7% Produtos exportados - Agrícolas e alimentares-------------------------------------78,1% - Minerais e metais---------------------------------------------4% -Máquinas e material de transporte--------------------------11,6% - Outros ---------------------------------------------------------4,7% Destino das exportações - União Europeia----------------------------------------------- 34,8% - EUA / Canadá-------------------------------------------------11,8% - Japão------------------------------------------------------------7,6% - Países em desenvolvimento.............................................22,4% Ajuda Pública ao Desenvolvimento(APD)-------963,2 milhões de dólares (EUA) - Países do CAD------------------------------------------------64,5% - Instituições Multilaterais------------------------------------35,6% - Correspondência com investimento interno bruto-------118% (Milhares de escudos) Rubricas 1993 1994 - Serviços e infra-estruturas sociais—1862730---------------------2111680 ________________________________________________________________ -Serviços e educação--------------------846020---------------------855130 - Saúde------------------------------------- 66280--------------------- 69080 - A. Pública, Desenv. Planeamento----842480--------------------1075670 - Outros------------------------------------107950--------------------- 111800 ________________________________________________________________ - Serviços e equipamentos económicos- -242560------------------114800 ________________________________________________________________ - Transp.Com. Com. Social---------------223100-------------------75430 - Energia ------------------------------------ 17700--------------------39370 - Outras--------------------------------------1760--------------------- (.........) ________________________________________________________________ - Serviços produtivos----------------------446530-------------------515140 ________________________________________________________________ - Agricultura--------------------------------57310---------------------63180 - Indústria-----------------------------------225290--------------------148220 - Construção-------------------------------- 9750---------------------- 4240 - Comércio e bancos----------------------82970---------------------- 194700 - Turismo-----------------------------------71210----------------------104710 ________________________________________________________________ - Alívio da dívida-------------------------943050---------------------3277630 ________________________________________________________________ - Ambiente--------------------------------- 3770 ________________________________________________________________ - Ajuda alimentar e emergência--------1047890--------------------255380 ________________________________________________________________ - Outros------------------------------------13023330------------------ 40 ________________________________________________________________ - Total -------------------------------------17569860-------------------6274670 V. O que fazer e o que está a ser feito Sem receitas que se possam aplicar como panaceia universal, há, no entanto, mecanismos, políticas e práticas que podem alterar a actual situação. Teimar em encaixar ali velhos modelos será a continuidade de um pecado original, que não leva a lado nenhum. Destrói mais do que aquilo que, hipoteticamente, seria capaz de produzir. Agora, aproveitando as sinergias próprias de um povo que mostra vontade de agarrar o seu destino, é o tempo certo para trepar mais uns degraus da escada do desenvolvimento. Desperdiçar esta oportunidade é mais um passo dado em sentido contrário. Moçambique encontra-se praticamente estabilizado a nível político. Tem um Presidente da República, um Parlamento e um Governo que emanaram da própria sociedade. Está dotado de uma Constituição, desde 1990, que remete para um estado de direito democrático, com a separação e interdependência de poderes, num sistema plural. Possui uma organização territorial definida, que inclui mesmo a eleição do poder local, sobretudo a nível de municípios. Assiste-se ao crescimento populacional, importando que se opere uma melhor redistribuição dos seus habitantes. Liberto de algumas amarras dos primeiros anos pós-independência, cicatrizadas – ou em vias disso – as feridas de duas guerras, reconstruídas muitas infraestruturas e lançadas outras pela primeira vez, este país parece caminhar na pista certa. Acima de tudo isso, há um ponto de uma extraordinária relevância: Moçambique está a ganhar, passo a passo, a confiança internacional, o que é uma condição obrigatória e indispensável para atingir o tão ansiado desenvolvimento humano sustentável. Para criar crescimento muitos mais seriam os parceiros. Mas nem todos servem, como veremos. Aos moçambicanos só deve interessar, em termos de investimento e de trocas comerciais, culturais, turísticas, etc.,quem aparecer para ser companheiro de jornada e protagonista de um sonho comum: criar riqueza, sim, mas sobretudo elevar a auto-estima e o bem estar deste povo da África Oriental, na sua vertente sul. Neste espaço-mundo só merece ser digno dele quem souber fazer a felicidade dos outros. Deve acontecer isso com o FMI, com o BM, com a OMC, para citar aquelas organizações que, entre muitas, têm pautado a sua actuação por uma visão mais economicista. Mas neste início do terceiro milénio e dos Objectivos que para ele foram traçados é hora de mudar de estratégias e escolher novas agulhas. Comecemos pela já referenciada Constituição moçambicana, que vai na linha do pensamento que temos vindo a defender. Eis alguns excertos mais significativos: - “A ampla participação dos cidadãos na feitura da Lei Fundamental traduz o consenso resultante da sabedoria de todos no reforço da democracia e da unidade nacional.” - Mais além, no Capítulo II - Política externa e direito internacional, centra-se a ênfase na defesa da soberania, na aceitação dos princípios das Cartas da ONU e da UA, no sufrágio universal, nos partidos políticos e pluralismo. Realçam-se ainda outras premissas vitais: - Papel importante das organizações sociais - Incidência nos valores do direito à educação (Artº 88), saúde (89), ambiente (90), habitação e urbanização (91) consumidores(92), cultura física e desporto (93), liberdade de criação cultural (94), assistência na incapacidade e na velhice (95), reconhecimento e valorização das autoridades tradicionais, legitimadas pelas populações, segundo o direito consuetudinário (118), descentralização e desconcentração (250), promoção do desenvolvimento local e aprofundamento da Democracia (271). Com este suporte institucional, que é uma magna carta recheada duma vontade de governar Moçambique a partir das bases locais, mas numa perspectiva moderna, estão abertas as portas para permitir o necessário intercâmbio e cooperação a todos os níveis. Põe-se assim em prática um notável pensamento de Mia Couto: “Se quisermos algo, temos que o saber conquistar”. Estas palavras lapidares correlacionam-se, em pleno, com a própria Constituição e “o êxito só aparece com esforço” (Idem). Nesta África que encaixa dois tempos, o de curta e o de longuíssima duração (este último ainda à espera de ser desbravado), muito do que é tradicional tem de ser aproveitado. O mal apareceu quando quiseram anular essas particularidades. Inovar é um paradigma que não pode ser esquecido. Mas nunca deve abafar saberes antigos e ancestrais, porque sem raízes não há árvore que pegue. Tudo é possível fazer-se, assim haja o bom senso e a boa vontade, recíproca, para se avançar. A estrada ficou muito mais circulável desde que acabou a guerra colonial (1964 – 1974), a(s) contenda(s) civil(is), em 1992, com o acordo de Roma de 4 de Outubro. Terminado o período colonial que, nos últimos anos se esforçou por dotar esta terra de novos meios políticos e empresariais, para além do lançamento ou aperfeiçoamento de muitas infraestruturas, numa lógica política antes de 1964 e no contexto militar, depois dessa data, os moçambicanos ficaram com o seu destino nos braços. O aparecimento de novos cooperantes numa acepção diferente nos finais da década de setenta, são então bem vistos, numa altura em que “… Já não há resquícios do capitalista explorador… Ao estrangeiro pede-se que invista…” (Gabriel S. M. Ribeiro). Sendo certo que o que move o mundo está na força individual, na conjugação de todos os esforços comuns e na vontade de criar, não deixa de ser verdade que o falecido Presidente Samora Machel, em 1980, entoava as virtudes de velhas doutrinas de importação, ao proclamar que “… No nosso país, o marxismo é produto da luta de libertação nacional…” . Vive-se por esses tempos, quanto a objectivos, “a década da vitória sobre o desenvolvimento”, mas passa a assistir-se a uma alteração radical, com a emergência da economia de livre mercado, a adopção de “mecanismos para ouvir” – uma feliz expressão – a colocação em marcha do diagnóstico rural participativo e a informação à comunidade. Estava dado o sinal para uma inesperada e decisiva alteração de rumo estratégico, ao mesmo tempo que se assistia ao declínio dos apoios soviéticos e chineses, determinantes nos anos de guerra e conflitos. Daqui para a frente, tudo evoluiu noutro sentido, a passar por um reforço do sistema financeiro, pela Nova Lei Orgânica do Banco de Moçambique (1992) e pelo Mercado Monetário Interbancário (1997). Vinte anos antes, precisamente em 1977, o III Congresso da Frelimo acabara de transformar aquilo que era um movimento em partido marxista-leninista. Se até aí estavam abaladas todas as estruturas sociais e económicas, desde então para cá acabaram por levar a machadada final, com as nacionalizações económicas e financeiras, as lojas do povo, as explorações agro-industriais estatizadas. Passo arriscado, o que veio a verificar-se mais tarde, levou a que se entrasse num recuo quase absoluto. Nesta altura, Moçambique ficou mais ou menos à deriva, a viver um período de grande conturbação, nada propício ao investimento e ao desenvolvimento. Esta situação começou a atenuar-se ainda nos anos oitenta, solidificando-se já em finais do século XX. São desta época uma série de Instituições que, pela sua ligação ao desenvolvimento, não resistimos a assinalar algumas delas, num critério que pode, como é evidente, ser sempre questionado, mas esse é o risco de quem tem de tomar decisões: - Associação Agro – Juvenil (1998) - “ Comercial e Industrial de Sofala - “ Cristã para o Desenvolvimento Comunitário - “ de Educação de Adultos e Desenvolvimento Comunitário- Karibu, 1998 - ADENIMO ( 1992) - AJOV ( 1999) - AMICUMO – Associação de Membros da Igreja de Cristo para o Desenvolvimento( 1997) - AMRU – Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Mulher Rural ( 1991) - ADECUMO - Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Sócio –Económico e Cultural – Khensani (1997) - Associação para a Ajuda ao Desenvolvimento e Ocupação da Mulher (1997) - “ Portugal – Moçambique (1998) - Conselho Nacional de Combate à SIDA ( 1998) - Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade( 1994) Põe-se desta forma em evidência o contributo da sociedade civil em cooperação com as entidades governamentais e esta parceria vai dar os seus frutos nas múltiplas ajudas ao desenvolvimento que se irão implementar no terreno. Diz Manuel Jacinto Nunes que “…Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz se a maior parte dos que a constituem for pobre e miserável” (Id, P. 51) . Acrescenta ainda : “… Começo por recordar que o problema dos países subdesenvolvidos é uma questão que diz respeito aos cidadãos de todo o mundo” (P. 259). Este apelo à verdadeira cooperação internacional tem eco em Moçambique, muito embora ainda não seja suficiente o que ali se está a fazer e a oferecer. Mas é o princípio, de certeza, desde que todos actuem de uma forma sã e positiva. Duas palavras se impõem, sem esquecer a defesa dos valores tradicionais: inovar e renovar. Escolas, empresas, centros de investigação têm aqui, a este respeito, um grande campo de acção. Assim o queiram. Tal como dissemos e Phillipe Hugon confirma o “… modelo pós – colonial ( de partido único e economia planificada ) revelou-se infrutífero”. Num continente com cerca de 600 milhões de habitantes, em 1998, constituía 10% da população mundial e não ia além de 1% do PIB nem de !,3% das exportações, ficando a menos de 1% no valor acrescentado industrial do mundo. Exclui-se deste estudo a África do Sul. É neste contexto que se situa Moçambique e muitos são os culpados. Mas agora isso não é determinante. Feito o diagnóstico, só a acção salvará estas terras desse crónico e doentio atraso. Para a colocação em plena marcha da emancipação africana, precisamos de novos empresários, novos quadros e outras elites, de acordo com a Conferência do Cairo em 1994. PNUD, CAD, EU, UA, demais países e instituições governamentais ou ONG- ONGD têm o de dever – o que estão a fazer – de se associar a este esforço multilateral, proporcionando recursos humanos, financeiros e materiais, sempre sob o prisma da Ajuda ao Desenvolvimento séria e honesta e despida de interesses de segunda ordem, desviando-se dos Objectivos do Milénio das Nações Unidas ou das decisões de Cotonu, no seguimento dos vários acordos de Lomé- I, II, III e IV. Em relação à União Europeia (cujas ajudas detalhadas faremos juntar em anexo), é este o panorama geral: Em primeiro lugar, será aplicado o Sistema de Preferências Generalizadas (SPG), destinado a favorecer os PVD, designadamente em termos de contributo às políticas alimentares. Com o Tratado de Maastricht, consagrou-se a estas questões um papel de destaque, ao fazer constar o Cap. XII, com a designação de Cooperação para o Desenvolvimento, sobretudo nos Artº. 130 U e 130 Y, apoiando-se nestes princípios essenciais: - Desenvolvimento económico e social durável dos PVD - Sua inserção harmoniosa e gradual na economia mundial - Luta sem tréguas contra a pobreza, uma das grandes bandeiras também dos citados Objectivos para o Milénio e de todas as acções levadas a cabo pelo PNUD. Para darmos uma ideia das linhas de orientação defendidas, nesta matéria pela EU, passamos a apresentar alguns dos seus passos dados até ao presente, ainda que muito sintética e esquematicamente. Eis a sua participação multilateral, em diversas organizações e encontros: - Convenção de Arusha (1963) – Futuros países ACP - Acordo Iaundé, no mesmo ano, entre a então CEE e 18 países africanos - Convenções de Lomé I – 28.02.1975 – 46 países ACP II – 31.09. 1979 – 58 “ “ III- 08. 12. 1984 – Togo, 66 países Portugal e Espanha aderem a Lomé III em 1987 IV – 15.12. 1989, com revisão em 1995 - Acordo de Cotonu – Benim, 23 de Junho de 2000. Adopção de medidas comerciais e de ajuda ao desenvolvimento, por vinte anos, o que foi aceite pela EU e 77 países ACP. - Cimeiras e participações várias: - 1994 – População e Desenvolvimento – Cairo - 1995 – Desenvolvimento Social- Copenhaga - 1998- Terra - 2000- UNCTAD - 2000- Conferência do Milénio - 2002 – Finanças e Desenvolvimento- Monterrey - 2002 – Desenvolvimento Sustentável- Joanesburgo - 2003- AG da ONU- Financiamento do Desenvolvimento Neste esforço conjunto, para além dos programas multilaterais, Portugal associa-se ainda com medidas bilaterais específicas ou outras. Entretanto, várias ONG e ONGD portuguesas têm demonstrado um forte empenho, como se depreende, por exemplo, destas entidades: - APARF – Associação Portuguesa Amigos de Raoul Follereau, que, em 2005, distribuiu estas verbas destinadas a 85 projectos em 21 países: - Europa- ----------131.540 E - África—----------608.225 - América do Sul- 162.500 - Ásia-------------- 55.000 Total---- 957.265 É que “… Se em Portugal os casos de lepra ficam pela ordem das centenas, nos países subdesenvolvidos, a doença flagela milhões de pessoas e famílias”. Por este motivo, Moçambique, no âmbito do Programa Nacional de Controle de Tuberculose e Lepra e porque ainda tem cerca de 5000 leprosos, foi objecto de diversas acções específicas. Por sua vez, Os Voluntários ao Sul do Equador, com a ideia de que “… Para que haja um desenvolvimento sustentado, tudo é feito com a participação das pessoas locais“, lançaram-se numa série de projectos, de que destacamos: - Apoio a refugiados no Malawui, em 1991- 1993 - Lichinga: Criação de uma Biblioteca e Infoteca, com 2000 sócios, 3000 livros e uma frequência média de de 80 utentes por dia; apoio médico e de fisioterapia e ainda acções de combate ao HIV – SIDA - Escolinhas Comunitárias do Niassa, com 10 supervisores e 82 monitores - Apoio à gestão agrícola, com introdução de novas culturas, mecanização, rega, na sua Missão e em 85 comunidades - Projectos de microcrédito, para o fornecimento de alfaias e formação -100 bolsas de estudo na Angónia - Escola da Missão de Lifidzi. - Cuamba – Escola Secundária Padre Menegon Com estes auxílios, nada dispensa a definição de políticas e contributos locais, com ênfase no “… Papel estratégico da educação, da formação e da investigação na sociedade de informação e do conhecimento “, isto é, “… fazer da educação uma mensagem universal – para – aproximar as diferentes partes na sua diversidade“ . Também Jaime Quesado entende que “… A construção de uma sociedade da informação e do conhecimento é necessariamente múltipla e envolve, horizontalmente, a totalidade dos sectores e da sociedade civil” . Internamente, a nível de Moçambique e no plano oficial, notam-se esforços e vontade em construir um país novo, revitalizando a indústria extractiva, as infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, os meios de transporte, o turismo, a educação e muitas outras acções. Adquirem importância acrescida a formação de quadros e a criação de emprego. Também a SADC, com 406 projectos gerais programados para 1997 e anos seguintes, num valor estimado em 8.090,1 X 1.000.000.000 dólares, acabou por ser determinante nesta nova fase moçambicana. Com estas medidas, visa-se essencialmente actuar ao nível dos membros do Governo e dos formadores, dos funcionários públicos, instituições profissionais e indivíduos e ainda das comunidades populares e cidades. Num dilema que é bastante visível, assistiu-se, nos anos de guerra civil, à destruição de muitas estruturas e equipamentos então construídos, o que requereu, uma vez conseguida a paz, uma atenção redobrada de modo a reerguer, de novo, aquilo que fora desfeito e a responder a novas necessidades. Entre estas, evidencia-se de imediato a urgência em combater a SIDA, que progride a um ritmo avassalador, em debelar a pobreza total, fenómeno que, felizmente, desceu de 80 para 55 % depois de 1997 e em integrar na vida civil e activa os cerca de 150.000 militares desmobilizados. No entanto, quanto a esta situação, verificou-se o lançamento de pequenas empresas no domínio das sapatarias, alfaiatarias, lojas de comércio e o seu recrutamento para as ONG ou para a indústria e serviços. Se ainda há problemas a resolver, estas soluções atenuaram fortemente esse quadro. Num país que emerge a partir de duas devastadoras e trágicas guerras, um negócio que veio a florescer foi o das empresas de segurança a dar trabalho a largos milhares de desempregados. Com o perdão da dívida externa e outras “facilidades”, por parte dos G8, é obrigatório que se avance para a redinamização agrícola, recuperando velhas produções e criando outras novas. De momento, cresce a exportação de tabaco, reanima-se a exploração do caju, entre muitas áreas em expansão, mesmo que paulatina. Mas é melhor estimar os ritmos locais que induzir mecanismos apressados, fatalmente condenados ao fracasso. Quanto ao turismo – e aqui está uma visão de futuro – verifica-se uma espécie de boom, que levou ao recebimento de um milhão de turistas por ano, desde 1990, esperando-se uma média de 4 milhões até 2020, para, em termos de previsões, se aguardar que no ano de 2025 Moçambique seja o maior destino africano, em termos de procura e de oferta. No que diz respeito a esta possibilidade, as metas têm já um forte suporte e indícios concretizados na crescente capacidade hoteleira e de resorts, a par do Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano. É por isso tudo que muitos são aqueles que, presentemente, procuram Moçambique, invocando os mais variados motivos, o que é um bom sinal de esperança e uma certeza assegurada. Aproveitando as suas potencialidades – e inúmeras são elas - conseguiu-se, finalmente, desbloquear a velha questão de Cahora Bassa, o que permite alimentar o sonho de uma avantajada capacidade energética, para uso próprio e para fonte de divisas, devido à venda de electricidade que está protocolada. Em paralelo, criaram-se novas Universidades e afins, atingindo-se o número agradável de dez Instituições desta índole, que acolhem 17 mil estudantes, sobretudo nas cidades de Maputo, Beira e Nampula, numa tendência de grande crescimento, a que se associa um bom incremento da imprensa livre e da literatura e o aproveitamento e valorização das variadíssimas manifestações culturais, desde as artes ao cinema, da música ao folclore e à dança. . A finalizar, deve acrescentar-se que o uso cada vez mais acentuado da língua oficial portuguesa, que é utilizada, correntemente, por pequenas franjas da sociedade moçambicana, deve estar permanentemente na mira das entidades locais como uma tarefa urgente, quanto ao seu ensino e aprendizagem e, muito para além disso, como um grande esteio cultural e instrumental. Cabe a Portugal, nesta matéria, uma especialíssima acção, sempre em conformidade com a realidade deste país da lusofonia, mas acossado por influências anglo –saxónicas que nunca deixam de se fazer sentir. São pedregosas as veredas do desenvolvimento em Moçambique. Mas só se caminha, caminhando. VI. Conclusão Limitados numa série de factores, que vão desde as dificuldades na obtenção de fontes às características deste mesmo trabalho, que nunca poderia atingir uma dimensão exaustiva, talvez tivéssemos ficado aquém do que pretendíamos e do que seria desejável. Fizemos, no entanto, aquilo que pudemos. Temos a certeza que Moçambique preenche, de momento, o seu espaço. Foi isso que quisemos evidenciar, dando voz às suas gentes, numa perspectiva africana e num novo paradigma de abordagem. Fácil nos teria sido enveredar por uma elencagem de obras e acções desenvolvidas pela colonização portuguesa. Se o fizéssemos, estaríamos a falsear os nossos propósitos e a defraudar aquilo que entendemos ser a correcta linha de pensamento estruturante: devolver Moçambique, de corpo inteiro, aos Moçambicanos, sem os isolar numa ilha perdida no meio de um qualquer triturante oceano. Servimo-nos de muitas fontes. Mas nunca abdicámos de dar a nossa opinião, porque entendemos que assim deveríamos proceder. Falámos amiudadas vezes em apoios, em contributos, mas não quisemos, com esses factos diminuir a essência e a existência do povo de Moçambique, o cerne e o esteio deste modesto estudo. Como ponto de partida, aqui deixamos estas palavras, estes raciocínios, de modo a podermos mostrar a nossa solidariedade com estas nobres causas. Que os países da Lusofonia e todas as terras com fome e privações no mundo sejam, hoje e amanhã, senão uns paraísos, pelo menos espaços de dignidade onde dê gosto viver, em termos de bem estar e, sobretudo, de valores. VII. Bibliografia • Couto, Mia, Os sete sapatos sujos – Oração de Sapiência - ISCTEM- 2005 • Nunes, Manuel Jacinto, Temas económicos, INCM, Estudos Gerais, Série Universitária, Lisboa, 1989 • Birminghan, David, Portugal e Àfrica, tradução de Arlindo Barreiros, Documenta Histórica, Veja, 2003 • Wells, H. G., Uma breve história do mundo, Edições Século XXI, Lisboa , 2002 • Clark, Colin, Crescimento da população e utilização da terra, tradução de Jorge Tavares, Livraria Civilização Editora, Porto, 1971 • Globalização, a grande desilusão, tradução de Maria Filomena Duarte, Terramar, Lisboa, 2002 • Portugal – dez anos de política de cooperação, MNE, 1995 • Portugal e a Europa – Ideias ,factos e desafios, Edições Sílabo, Lisboa, 2005 • Nova Parceria para o Desenvolvimento de África • Vega, Arlindo Mota, Governo local, participação e cidadania, 2005 • “Novas relações com África: que perspectivas?” – Actas do III Congresso de Estudos Africanos no Mundo Ibérico, Dez. 2001, Vulgata, Lisboa, 2003 • Monteiro, Ramiro Ladeiro, África na política de cooperação europeia, 2ª edição actualizada • As representações sociais dos moçambicanos: do passado colonial à democratização – Esboço de uma cultura política, Instituto da Cooperação Portuguesa, Dezembro, 2000 • Allemand, Sylvian e Borbalon, Jean-Claude Ruano, A mundialização, Editorial Inquérito, Lisboa , 2002 • Wolton, Dominique, A outra globalização, tradução de Pedro Elói Duarte, Difel, 2004 • Mazula, Brazão, Educação, cultura e ideologia em Moçambique- 1975-1985, Edições Afrontamento, 1995 • PNUD 2001, Relatório de Desenvolvimento Humano; IN Dicionário Temático de Lusofonia • Dicionário Temático de Lusofonia • Revista “O amigo dos Leprosos” – Nº 63, Março/ Abril de 2006- Lisboa • Edição “Leigos para Desenvolvimento”, ONGD, Jornal “ Público”, 11 de Abril de 2006 • Jacques Delors – Memórias, tradução de Carlos Vieira da Silva e Mário Correia, Quetzal Editores, Lisboa , 2004 • Revista Fórum Empresarial, “O capital estratégico do conhecimento”, Abril, 2006 • Estudos de Desenvolvimento – África em Transição, CesA, Trinova, Lisboa 2000 • 30 anos depois – O que mudou em Moçambique, Pública, 2005 • IN Verbo Enciclopédia... Volume XIII, pàg. 992 a) Volume XXII b) Estimativa ( Dicionário Temático de Lusofonia) c) Anuário 2000 – África Hoje d) Projecção - Guia do Mundo 2000/2001- Lisboa, Trinova Editores, 2000

quinta-feira, 15 de abril de 2021

A morte de Almeida Henriques e a dor que provocou...

Morte de Almeida Henriques gera onda de dor Presidente da Câmara de Viseu faleceu de Covid aos 59 anos Internado no Hospital de Viseu há cerca de um mês (7 de Março), para onde fora em consequência do agravamento do seu estado de saúde após ter sido infectado com a Covid 19, o Dr. António Joaquim de Almeida Henriques faleceu, infelizmente, no dia 4 deste mês de Abril, Domingo de Páscoa. Presidente da Câmara Municipal desde 2013, teve um vasta e preenchida carreira política e social, quer a nível local, quer nacional. Por esse facto e pelas suas qualidades pessoais, o seu passamento motivou uma enorme manifestação de pesar que as redes sociais tanto têm vindo a demonstrar. Desde os cidadãos anónimos à mais alta magistratura do país, concretamente o Presidente da República, professor Marcelo Rebelo de Sousa, passando pelo Governo e Primeiro-Ministro, Dr. António Costa, e Presidente da Assembleia da República, Dr. Ferro Rodrigues, e ainda pelos diversos partidos políticos e grupos parlamentares, todos têm mostrado quanto era estimado como cidadão e como autarca. Particular atenção lhe têm dedicado os seus colegas de funções no poder local, com destaque para a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), de que era um dos vices.presidentes do Conselho Directivo. Esta era a notícia que o jornal “Noticias de Lafões” nunca quereria dar. Há dias, pensámos em falar deste caso, mas com a firme convicção de que, sabendo, no entanto, que o seu estado de saúde inspirava graves cuidados, iria conseguir ultrapassar esta sua dolorosa situação. Era esse o nosso vivo desejo. Quis o triste destino que assim não tivesse acontecido. A Covid, que continua por aí, levou-o para sempre fisicamente, mas a sua obra e o seu legado permanecerão connosco. Viseu, a sua cidade e concelho, esta nossa região e o pais, o municipalismo, a vida política e social acabaram de perder, aos 59 anos, mais um de seus dedicados filhos e activos protagonistas. Pessoalmente, temos ainda de dizer que perdemos um bom a grande Amigo, com muitas coisas e causas em comum, sendo que, por exemplo, os nossos aniversários são no mesmo dia, 5 de Maio, andamos ambos por Moçambique, adoramos ler Mia Couto, e tantas outras coincidências. Licenciado em Direito, nasceu e morreu em Viseu, a sua amada terra. Autarca desde há vários anos, foi Presidente da Assembleia Municipal, ocupando, desde 2013, a cadeira da presidência da Câmara Municipal. Desempenhou as funções de deputado em quatro legislaturas, desde a IX à XII, tendo sido vice-presidente do seu Grupo Parlamentar, o PSD, por duas vezes. Foi ainda Secretário de Estado Adjunto da Economia e do Desenvolvimento Regional no Governo do Dr. Passos Coelho. Localmente, além das lides autárquicas, presidiu durante anos à AIRV, Associação Empresarial da Região de Viseu, e foi membro da Direcção do Conselho Empresarial do Centro, entre várias outras funções. As cerimónias fúnebres, limitadas ao mínimo em função das restrições e cuidados de saúde que se impôem, tiveram lugar na passada segunda feira, dia 5, tendo o cortejo saído do Hospital por volta das 16 horas, passando por várias artérias da cidade, parando frente aos Paços do Concelho para uma última homenagem e um minuto de silêncio, seguindo depois para o Cemitério de Abraveses, onde foi sepultado em ambiente familiar. Na Sé, ás 18h30, o Bispo de Viseu, Dom António Luciano, celebrou uma missa solene em sua honra e memória. A este triste evento se associaram as mais altas entidades da nação, designadamente o PR Marcelo Rebelo de Sousa, os ministros Eduardo Cabrita e Ana Abrunhosa e o secretário de estado, João Paulo Rebelo, também viseense, muitos de seus colegas de funções autárquicas e parlamentares e o povo, muito povo, da sua terra. Entretanto, a CM decretou três dias de luto municipal. Chorando a sua partida, Almeida Henriques não morreu, porque só parte quem deixa de ser lembrado e ele nunca mais será esquecido. Certo é que, porém, a cidade e o concelho, viram deixar-nos alguém que muito deu em favor de um sonho e de uma ambição: fazer de Viseu um continuado e agradável espaço para se viver e se ser feliz. Tendo-o conseguido, esta é a hora da gratidão, mas nunca do esquecimento. Até um dia, Almeida Henriques. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Abr 2021

O Porto de Aveiro, o passado e o futuro e os impactos em Lafões...

Porto de Aveiro e de todos nós 213 anos de vida ao serviço da comunidade Pode parecer estranho que apanhemos o Porto de Aveiro para dele falarmos nestas nossas páginas do Notícias de Vouzela e na sua rubrica “Lafões”. Mas não o é, de certeza. Primeiro, é sabido que tem como vocação servir a zona centro e até norte do país e a Espanha; segundo, das vias estruturantes que o servem, uma delas é a nossa A25 e foram, em tempos, a EN 16 e a linha do caminho de ferro do Vale do Vouga. Finalmente, com o ar marítimo a ser uma nossa grande companhia, aquela cidade está-nos assim na corrente sanguínea e no nosso próprio ADN. Por tudo isto, encaixa aqui que nem uma luva. Acrescem a estas razões, uma outra: é o nosso porto de mar, sem sombra de dúvidas. Com uma história muito ligada à abertura da barra, por canal artificial, a 3 de Abril de 1808, quanto à localização dessa época e da actualidade, assinalam-se os seus 213 anos de existência, enquanto importante infraestrutura de transportes marítimos. Situado em plena Ria de Aveiro, onde desagua o Rio Vouga, o seu nascimento no espaço em questão demorou séculos até ali ser construído. Antes, andou de um lado para outro, de norte para sul e de sul para norte. Acontece que o problema das águas praticamente estagnadas da Ria nunca deixou de preocupar as populações da cidade e desta zona do litoral, sobretudo quando mais apertavam as várias doenças mortais, como as do paludismo que por aqui, e por esse motivo, se viveram ao longo dos tempos, desde há milénios. Na tabela dos portos nacionais, em Janeiro de 2020 chegou a estar em quarto lugar com a movimentação de 477 mil toneladas de mercadorias diversas, mas a sua posição altamente importante nesse panorama nunca deixa de ser relevada. Aliás, espalhando-se pelos terminais norte, com um cais de 900 metros, um outro de 250 metros, o de roll ou roll off, 450 m, o de granéis líquidos, com três pontes cais, e o de sólidos, 750 m, mais o do sul, 400 m e ainda os do pescado e do porto de abrigo, dão bem a ideia da sua grandeza e amplitude. Há um ano, avançou-se para a 2ª Zona de Actividades Logísticas e Industriais, num investimento então previsto de 20,8 milhões de euros, estando, acualmente, em estudo a recepção a maiores navios, o que vai aumentar as suas funções e hipóteses de alargar as suas respostas a embarcações ainda de maior envergadura. Com uma ligação ferroviária directa à Linha do Norte desde o ano de 2010, tem, por esse facto, mais valias acrescidas em termos de acessibilidades. Se nos lembramos de, por essa altura, termos criticado o facto de não ter sido lançada uma via dupla, tal investimento não deixou, mesmo assim, de fazer todo o sentido. Até aqui se chegar, houve um longo caminho a percorrer e é desse, em doses muito pequenas e gerais, que agora aqui vamos expôr. A história deste empreendimento A ligação portugesa ao Oceano Atlântico é uma marca indelével da nossa identidade, Terra e mar são partes da vida de todos nós. Aliás, Lafões, com a sua “estrada do peixe” e com as rotas dos almocreves, é disso um bom testemunho. Mas então, onde atracavam os navios na região de Aveiro? Com as forças da natureza e com algumas obras de engenharia, muitas vezes rudimentares, as barras sucediam-se em locais diversos, ora mais a norte, ora mais a sul, como dissemos. Numa Ria de Aveiro, com cerca de 45 km de comprimento, com 6000 hectares de águas permanentes e 3000 ha em espaços umas vezes cobertos, outras em terrenos secos, sabe-se que, em princípios do século XVII, a foz da Ria estava a norte da zona actual. Entretanto, com o andar dos tempos, no ano de 1643, dá-se nota da existência da barra na Vagueira, o que se repetiu por outras épocas, sendo que, em 1685, se situava mais a sul, na Quinta do Inglês. Anos mais mais tarde, em 1756, D. José I criou a Superintendência da Barra e um imposto de um real para resolver esta questão, encarregando o Eng, Carlos Mardel de lhe dar seguimento. Com cheias e outros contratempos, tal não veio a ser possível. Abre-se, então e uma vez mais na Vagueira, um regueirão, por onde as águas voltaram a escoar-se para o mar. Correram os tempos e em 1769 referia-se que era necessário melhorar a barra, por ser útil à Comarca de Aveiro, à de Viseu e outras da Beira. Acontece que, em inícios dos anos 1800, entraram em cena os Eng. Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho que partem para um grande estudo que conduziu ao actual local, o da Barra de Aveiro, com as obras a começarem em 1802 e a darem-se por concluídas em 3 de Abril de 1808. Nascia assim o Porto de Aveiro. Em 1974, depois de muitas obras de reparações e beneficiação do canal que se foram sucedendo, elabora-se o Plano Director de Desenvolvimento e Valorização do Porto e Ria de Aveiro, em 1998, passa-se da JAPA para a APA, em 2005 projecta-se um novo Plano Estratégico e hoje aí estamos perante as infraestruturas de que temos vindo a falar, com base em fontes várias, incluindo o precioso contributo do Arquivo Distrital de Aveiro. Ao trazermos aqui este tema, move-nos ainda uma ambição regional: fazer que, com ele e com tudo o que o envolve, possamos lutar para virmos a ter uma competente ligação ferroviária a ligar a Salamanca, passando por Lafões e por Viseu, num tempo em que a ferrovia – e ainda bem – parece voltar a estar na ordem do dia de onde nunca deveria ter saído. Está na hora de aproveitarmos esta boa maré... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Abr 2021

Para ir em frente, em Lafões tenta remar-se contra a maré das más políticas públicas...

Contributos para Lafões andar em frente Matéria-prima há em quantidade, importa é fazê-la render O diagnóstico acerca das potencialidades da nossa região de Lafões vem sendo feito ao longo dos tempos. A natureza e a geografia deram-nos tudo quanto precisamos para fazermos um bom caminho. Colocados com um pé na serra e outro na água da Oceano Atlântico, com as cidades de Aveiro e Viseu a curtas distâncias, com os grandes centros não muito longe e acessíveis com alguma facilidade, com vias de comunicação que podemos considerar bastante boas ( bastando olhar para os A25 e A24), a esse respeito não nos podemos, nem devemos queixar por aí além. Falta-nos, é certo, um comboio à século XXI, mas essa é uma falha que percorre, transversalmente, o nosso país, por falta, ao longo das últimas décadas, de visão estratégica e capacidade de pensar o nosso desenvolvimento global com vistas largas, airosas e sustentáveis. Sendo este um erro de palmatória, agora há que repôr as linhas em funções, desde que com a devida bitola e corredores capazes de velocidades modernas e apetecíveis. Em paisagens, é o que se sabe. Temos maravilhas por todos os lados. Temos vindo a falhar é num ponto essencial: ter gente em cada recanto para estes não perderem o seu brilho e a sua vivacidade. Este é que é o grande problema, este é que é o difícil nó que não temos sabido desatar convenientemente, nem em tempo aceitável. Quem por aqui anda hoje não é o principal culpado, longe disso. Quem nos tem governado pelos séculos fora é que nunca soube olhar-nos como devia. Neste caso, a culpa não morre solteira. É dos governantes, todos, sem tirar nem pôr. Num trabalho de fôlego que temos vindo a fazer, em investigação académica (sempre adiado e ainda não concluído!), assacamos essas responsabilidades à falta de políticas públicas adequadas e cirúrgicas que impeçam o despovoamento territorial. Isentamos dessa lamentável falha todos quantos por aqui vivem, resistindo a todas as tempestades legislativas e aos desvios dos fundos e das atenções para as zonas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, para o litoral e para as diversas partes deste nosso globo em todos os seus continentes. Começamos logo por dizer que “ O despovoamento do Interior, em zonas de baixa densidade, é um fenómeno que ultrapassa a escala local e regional, para se estender ao país em que vivemos, à própria Europa e ao mundo em si...No que se refere a Lafões, há todo um historial que conduz, até por imitação, ou desejo de encontrar a realização de sonhos que noutros se vêem como tendo sido uma realidade, a essas saídas... Se houve muitas geografias a aparecerem como ponto de destino... a partir dos anos sessenta a Europa tem sido daquelas que mais se notam... “. Historiando, depois, as desigualdades existentes, as lamentáveis condições de vida, aí até aos anos setenta e oitenta, em muitas localidades sem vias de comunicação, sem energia eléctrica e outros equipamentos e meios, acrescentando que o ensino, após a antiga quarta classe, só por aqui apareceu em finais dos anos cinquenta, princípios de sesenta e apenas em colégios particulares, fácil é concluir-se que, faltando tudo, só restou aos nossos antepassados o caminho do êxodo rural, fatal para a morte de muitas das nossas aldeias e povoados. Para agravar este quadro de angústia e agonia permanentes, temos de confessar que os tempos modernos também não têm ido nada de feição positiva para o nosso desenvolvimento. Além de não se ter travado a marcha destruidora das migrações internas e externas, levaram-nos muitos dos poucos serviços que ainda por aqui se iam vendo. Fecharam-se escolas, esvaziaram-se as estruturas de saúde, minou-se o edifício da justiça, atrasou-se a vinda da banda larga em internet, teima-se em levar para a beira mar tudo quanto possa criar alto emprego e, assim sendo, quem agora nos vem (des)governando também não pode ser ilibado do “crime” que contra o Interior se tem vindo a cometer. Aqui se rema contra a maré Com um poder local novo e senhor, em parte, dos destinos das nossas comunidades, seríamos injustos se não disséssemos que, se não fosse a sua dedicação, empenho e capacidade de tentar ir mais acima e mais além, isto estaria muito pior. Acontece, porém, que muitas vezes estas nossas vozes esbarram numa parede centralizadora, demasiado concentrada no Terreiro do Paço e noutros “terreiritos” que se vão interpondo pelo meio, pelo que a sua acção nem sempre dá os frutos que esse notável esforço merecia e era justo que fosse devidamente compensado. Estando gratos por esse contributo das nossas autarquias, entendemos, no entanto, que são um espécie de Dom Quixote a batalhar contra moinhos de vento. Por esse facto, a sua luta não é coroada com o desfecho de que precisamos tanto ou mais do que de pão para a boca. Ideias e projetos não faltam, nem no citado poder local, nem na dita sociedade civil. Só que tudo quanto se pense fazer bate logo na impossibilidade de se concretizar, porque os entraves são de toda a ordem e de todo o tamanho. Quando, por exemplo, se olha para um Modelo Estratégico de Desenvolvimento do concelho de Vouzela (2012) que fala em políticas de satisfação das carências básicas, de acessibilidades e mobilidade, de medidas de ordem ambiental e de recursos naturais, de bom uso dos solos e de um correcto ordenamento, estamos perante grandes aspirações. No entanto, ainda hoje, em 2021, em quadros agravados pelos trágicos e fatídicos incêndios de 2017 e pelas destruidoras tempestades de 2019, se vários aspectos destes foram contemplados, muitos outros nem por isso. Sem receitas mágicas, a população continua a diminuir drasticamente, as povoações avançam na direcção errada e perigosa da desertificação, mesmo havendo muito mais indústria em Oliveira de Frades e em Vouzela, crescendo também em S. Pedro do Sul, como se nota em Pindelo dos Milagres, mas nem esses aspectos fazem o milagre de vermos crescer o número das pessoas que aqui habitam. Tendo começado agora o Censos 2021, os resultados expectáveis podem mostrar-nos um desastre ainda bem maior do que aquilo a que temos já vindo a assistir: a morte de nossas terras, com muita pena nossa... (Continua) Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Abr 2021

A representação parlamentar de Lafões ao longo dos tempos...

Representações parlamentares ao longo dos tempos Lafões contou sempre para essa contabilidade política Ao voltarmos a pegar na “Legislação Eleitoral Portuguesa, 1820-1926”, com organização de Pedro Tavares de Almeida, renovámos a nossa ideia de que os círculos uninomais, a reaparecerem um dia, se isso vier a acontecer, foram a base do sistema político em várias épocas. Logo em 1801, com pouquíssimos eleitores representados, tínhamos Alva, Arcozelo, Banho, Covelo, Gafanhão, Oliveira de Frades, S. João do Monte, Sul e Trapa com 1 eleitor em cada um destes círculos, cabendo a Lafões mais 10. Pertencendo estas nossas terras à Província da Beira e à Comarca de Viseu, tinha direito esta mesma Comarca a 5 deputados. Diz-se, na obra citada, que com “ ... A lei eleitoral de 1859, de que José Estêvão ( o grande parlamentar de Aveiro, acrescentamos nós) foi porventura o principal mentor e artífice, concretizou-se a primeira transformação verdadeiramente inovadora no sistema de escrutínio, ao adoptar os círculos uninominais e generalizando-os a todo o território nacional... “ Avançando-se numa perspectiva cronológica, no ano de 1804, Viseu, com 169 freguesias, 36197 fogos e 151810 habitantes, elegia 5 deputados, mas, já em 1837, com 31 concelhos, 142 freguesias, 29186 fogos e 142 278 habitantes, descia para 4 o número de representantes a eleger, tantos como Lamego com 66/168/28398 e 107835 habitantes. Em 1838, era este o panorama demográfico em Viseu com S. João do Monte e os seus 122 fogos, Oliveira de Frades – 2185, S. Pedro do Sul – 3209, Sul – 1102 e Vouzela – 1451. Sete anos depois, em 1845, o distrito administrativo de Viseu apresentava 71489 fogos e tinha direito a 10 deputados. Com a rectificação de 1851, numa demonstração da instabilidade reinante neste sector (tal como noutros), este mesmo distrito viria a subvidir-se nos círculos eleitorais de Lamego, com 31530 fogos e 5 deputados, Tondela – 13439/2 e Viseu, no sentido mais restrito, 32630/5. O tempo corria e as mudanças sucediam-se. No mesmo distrito administrativo de Viseu e duas cabeças de círculo, a de Lamego e a daquela cidade, tínhamos, respectivamente, 30016 e 47416 fogos e 4 e 7 deputados em cada uma destas localidades. Com a já citada lei de 1859, de 23 de Novembro, a malha torna-se então mais fina, a surgir deste modo: círculo de S. Pedro do Sul, concelhos de SPS e Vouzela e 4066/2346 fogos; círculo de Oliveira de Frades, a abranger os concelhos de OFR (2951 fogos), Santa Comba Dão (1532), Mortágua (1909) e, por último, o círculo de Tondela e um só concelho com 6207 fogos. Dez anos depois, no ano de 1869, em mais uma alteração, existiriam os círculos de Tondela, com os concelhos de TND ( 6371 fogos) e Mortágua (2049) e o de S. Pedro do Sul e os concelhos de SPS (4234 fogos), Oliveira de Frades (3042) e Vouzela (2457). Entramos em 1878 e mais uma reviravolta, nascendo os circulos de Vouzela e os concelhos de VZL (3193 fogos) e Oliveira de Frades (1846) e o de S. Pedro do Sul a estender-se pelos concelhos de SPS ( 4234) e Castro Daire (4392). Vendo-se a flutuação nos números de fogos, facilmente se detecta que os territórios em causa eram também muito variados. Em 1884, o distrito de Viseu tinha direito a 11 deputados, existindo a sede a contar com três concelhos, um dos quais S. Pedro do Sul, que acedia a 3 deputados e a sede de Vouzela a alargar-se para o concelho de Oliveira de Frades elegia 1 representante. Com estas marchas diferenciadas, em 1895, o círculo de Viseu tinha 9 deputados e um ano depois (1896), já se notavam os círculos de Tondela com Vouzela e 1 deputado e o de S. Pedro do Sul, a contar também com Oliveira de Frades e Castro Daire, vinha a ser dotado de também 1 deputado. Em 1899, o circulo de Vouzela com Oliveira de Frades elegia 1 representante e o de S. Pedro do Sul com Castro Daire o mesmo número. Qaundo se entra no século XX, no ano de 1901, deparamo-nos com uma novidade: nos 7 deputados a eleger no círculo de Viseu e nos seus diferentes concelhos, mormente, OFR, SPS e VZL, entre outros, 5 eram procedentes dos nomes em lista e 2 vinham das minorias, sendo esta uma nova metodologia eleitoral. Com a República, no ano de 1911(Abril), aparecem as sedes em Viseu com S. Pedro do Sul e Santa Comba Dão com TND, VZL e OFR. Mas, logo em Maio, há uma nova configuração, sendo que o concelho de S. Pedro do Sul passava a deter as assembleias eleitorais de SPS, Serrazes, Santa Cruz da Trapa, Sul, Vila Maior, o de Vouzela com VZL, Campia e Queirã e o de Oliveira de Frades com OFR e Arcozelo das Maias. Terminamos, por hoje, no ano de 1915 (Janeiro), nas sedes deViseu, com os concelhos de OFR, SPS eVZL para os seus 5 deputados e outros tantos para Lamego. Em Fevereiro desse mesmo ano, já Viseu subia mais uma unidade: tinha 11 deputados para escolher. De então até à actualidade, muito mais há a descobrir. Mas, por agora, com este cheirinho eleitoral, paramos estas nossas descobertas que oferecemos, com gosto, aos nossos leitores e assinantes, até como forma de se entreterem nestes tempos de angústia, tristeza, confinamento em casa, porque assim é que deve ser. Fiquem bem. NOTA – Já que falámos em pandemia, em que o número de doentes e, infelizmente, de mortos teima em não descer muito, ainda que já se notem boas e promissoras quebras, queremos dar voz a um nosso amigo que nos alertou para um quadro que muito o chocou. Disse-nos ele que, no seu concelho de Oliveira de Frades ( e talvez noutras localidades), as montras e os espaços onde se colocam as notícias dos falecimentos por ali se mantêm tempos demais. Se são muitas as pessoas que têm desaparecido, com aquelas imagens estendidas no tempo ainda parecem muitas mais e a dor aumenta. Fica este reparo, cuja procedência não é nossa, mas que nos sentimos no “dever” de partilhar. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Abr 2021

sábado, 10 de abril de 2021

Uma semana negra: das mortes ao rombo na justiça

Esta semana de Abril, agora mesmo de águas mil, não me correu nada bem. Perdido o Amigo Almeida Henriques, presidente da CM de Viseu, que a morte por Covid 19 arrancou à vida, logo nos primeiros dias, veio depois o desaparecimento de Jorge Coelho, também ele um ilustre cidadão do meu distrito de Viseu, a fechar esta semana horrível. Há pouco, vi que estava a caminho da sepultura na sua terra natal, Mangualde. Que descansem em paz e um profundo e sentido voto de pesar às famílias enlutadas, com os meus reconhecidos agradecimentos por tudo quanto por nós fizeram. Estes eram já sinais suficientes para que estes dias, por estes maus e tristes motivos, jamais pudessem vir a ser esquecidos. Entretanto, do lado da (in)justiça apareceram outros sinais que não auguram nem significam nada de bom para a saúde social do país. Sem questionar questões de pormenor e de direito, no sentido técnico do termo, a leitura das decisões do Juiz Ivo Rosa, ontem lidas por mais de três longas horas, puseram-me a pensar se temos um sistema judicial que responda aos nossos anseios e necessidades. Penso que não. Após sete anos de diligências, de prisões preventivas, de passadas sem fim pelos corredores dos tribunais, umas atrás das outras, sempre a queimar tempo e etapas, ontem o que vimos foram as prescrições, as críticas contundentes e ferozes às investigações do Ministério Público e a queda com estrondo dos aludidos crimes mais impactantes e mais condenáveis, como as das diversas corrupções. Ficaram no ar para seguirem para julgamento apenas umas migalhas de um complexo processo que, talvez por esse facto de ser tão grande e tão complicado, levou a que se ficasse com um sentimento de que a justiça não actuou como devia. Nada tenho contra as pessoas acusadas. Mas as sombras que pairavam no ar eram demasiado negras para se converterem em raios de sol para quase todos os implicados. Se condeno com todas as letras e veemência o espectáculo mediático da prisão de José Sócrates há uns anos, se condeno também a quebra de segredo de justiça que se foi verificando ao longo dos tempos, o que ontem foi "apurado" ( nada em definitivo, porque se avizinha um longo cortejo de contestações e recursos para mais uns anos) não dá bons créditos ao sistema judicial que temos. O que foi dito em Tribunal é mau demais para acreditarmos piamente na (in)justiça que temos. Também as manifestas e alargadas manifestações de regozijo vindas a público por parte de um dos arquidos, JS, não me deixaram com vontade de bater palmas. E penso que a pessoa em causa, se pensasse bem no que ali acontecera, com muitas suspeitas a caírem por supostas prescrições e a "condenação" ou ida a julgamento por seis crimes, não teria razões para tanta festa. O povo português não sentiu que o momento fosse para foguetes. Talvez muito mais para lágrimas. A justiça viveu ontem um momento negro. Importa que deste episódio se retirem as devidas lições, porque aquilo a que assistimos não foi um hino à justiça que desejamos. Foi, antes disso, uma tábua no caixão de um sistema que não nos serve. Raramente tenho pensado que confio cegamente na nossa justiça. Quase nunca tive esse sentimento. Mas agora, desde ontem, as desconfianças e as incertezas cresceram e avolumaram-se. Antes que tudo isto caia no charco, que se REPENSE todo este sistema e se actue em conformidade. Com muitas culpas a morrerem solteiras, qualquer dia não sabemos, infelizmente, onde iremos parar. É tempo de não dar razões aos extremismos. Mas por aquilo que ontem se viu nem toda a gente assim pensa ou age. E isto pode tornar-se dramático. Quero acreditar na justiça. Ajudem-me a que isso aconteça, por favor...

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Lafões deve ter a sua voz

Lafões com uma força muito própria Em conjunto e cooperação transversal, pode ir-se mais longe Há um ponto geográfico desta nossa região de Lafões que mostra toda a sua grandeza e razão de ser da sua identidade: na estrada que liga S. Macário à Coelheira/Candal, ali no cimo, no cruzamento que corta para Carvalhais, é só parar e deixar fugir os olhos que este vasto e único território surge em todo o seu esplendor. Parece um enorme lago, em que o azul da água deu lugar ao verde colorido das suas paisagens, de leste para oeste e de norte para sul e vice-versa. Pelo meio, corre a linha unificadora que é o Rio Vouga, a cortar esta área de uma ponta a outra. Razão teve o nosso conterrâneo Amorim Girão, professor catedrático da Universidade de Coimbra, geógrafo de renome mundial e estudioso destas nossas terras, quando escreveu que”... Em pleno coração da Beira Alta, uma unidade bem característica, toda ela incluída na Bacia do Vouga, nos aparece agora: é a sub-região de Lafões, constituida pelos concelhos de S. Pedro do Sul, Vouzela e Oliveira de Frades e ainda por algumas freguesias dos concelhos de Castro Daire... de Viseu (dizendo nós, também de Sever do Vouga)... Sub-região bem conhecida pelos seus vinhos verdes, muito semelhantes mas sem dúvida superiores aos do Minho, é uma continuação do que designámos pelo nome de Beira minhota... “ (Esboço de uma carta regional de Portugal, 2ª edição, Coimbra, 1933, in “Oliveira de Frades, 1991”). Se assim o disse, do alto da sua sabedoria, nem nos atrevemos a questionar uma vírgula, mantendo-se integral o seu pensamento, até porque fala de um espaço territorial na sua paisagem e este é, por definição, praticamente imortal, ainda que com cambiantes ao longo das épocas e dos anos. Por assim ser, tem Lafões uma carga e uma força muito específicas, que só vistas e analisadas globalmente podem dar todo o seu fruto. Cada franja que se use em si mesma, retirada do seu contexto e da sua abrangência, é certo e sabido que não vai surtir o efeito desejado, por falta de escala e por se apartar do todo que a constitui. Decorre deste simples e linear raciocínio que convém agir-se em conjunto para melhor se saborearem e usufruirem as riquezas com que a natureza nos dotou. O mesmo se pode e deve dizer dos investimentos a fazer, que têm de obedecer a esta regra da sua integração no todo que se pretende e deseja valorizar. Nada de colisões com as autarquias Sem colidirmos com as especificidades municipais e de freguesias, que se regem pelo estatuto da autonomia do poder local, esse bem maior da nossa democracia, nada se perde, bem pelo contrário, em colaborar-se na busca das melhores soluções que sejam benéficas para os três concelhos, porque nenhum deles é uma ilha, bem pelo contrário. Quase nos atrevemos a dizer que precisamos de um plano e de uma voz à escala desta nossa sub-região, que dê respostas concretas e eficazes às nossas necessidades e anseios. Numa altura em que se avança com uma crescente globalidade, esta é a hora de afirmarmos a identidade de que somos feitos, sendo que esta é “... a fonte de significado e experiência de um povo” (Castels, 2007). Com a marca que nos une e nos define, partamos então para a aplicação daquilo de que necessitamos como um todo. Curiosamente, já em 1990 (NV, 1/11/90), afirmávamos nas páginas deste periódico: “Lancemos a criação de um Forum Lafonense, espaço de debate permanente em que tenham assento cidadãos e entidades, associações e autarquias, técnicos e interessados diversos... “, pensando, então, numa espécie de coisa e causa comuns que implicam uma tomada de decisões em união de esforços e vontades. Ao olharmos mais para cima, raramente descobrimos a realidade Lafões a afirmar-se como ela própria. Anda quase sempre de mão dada com outras áreas e, de certa forma, diluída na montanha em que se integra, como é o caso das “mesas” Dão-Lafões e, até, por esta ordem, o que diz tudo. Precisamos, por isso, de uma voz, a nossa voz. Com esta, seremos mais fortes e faremos também mais entroncados os espaços em que nos integremos. Devemos, assim, ter a nossa estratégia e com esta irmos mais longe e mais alto. Para todos ganharmos, este é o caminho. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Abr 2021

Notícias com 50 anos em Lafões

Há cinquenta anos assim se escrevia Em 1971, eram estas algumas das novidades no “NV” Vamos, nestas próximas linhas, reflectir um pouco sobre a forma como as nossas comunidades se organizavam há 50 anos, procurando, nas edições deste jornal “Notícias de Vouzela de 1971, encontrar os principais pontos que eram, nessa altura, motivo de debate, preocupação ou mesmo curiosidade. Então, tal como hoje, por exemplo, a perda de população fazia soar os alarmes por estas bandas. Nesta vila, a restauração da Comarca levava para Lisboa a vontade das suas gentes em voltarem a ter esse símbolo de soberania perdido há décadas. Em Oliveira de Frades, destacou-se a constituição da firma Uniávila, a resposta, pela iniciativa empresarial, à forte Cooperativa Agrícola de Lafões que tinha na avicultura em crescimento o ponto forte do seu desenvolvimento. E muito mais haverá a dizer, como veremos já de seguida. Desta forma, no dia 1 de Março, titulava-se: “ A população presente do concelho de Vouzela diminuiu 14% nos últimos dez anos”, acrescentando-se que Alcofra descera de 1923 habitantes para 1408 ( menos 515 pessoas em perda de 27%); S. Miguel do Mato vira fugir 26%, caindo de 1715 para 1271; Carvalhal de Vermilhas tinha 501 residentes e tombou para 369; Queirã ( de 2101 para 1640); Fataunços (1093/917); Ventosa (1372/1203); Cambra (1661/1486); Figueiredo das Donas (544/496) e Campia (1880/1789). Em sentido oposto, aumentaram Paços de Vilharigues, com mais 31 habitantes, tendo ao todo 676; Fornelo do Monte, mais 8, para 642 e Vouzela, com mais 4 pessoas e um total de 1231. Globalmente, o concelho resvalou de 15926 (1960) para 13128 (1970), o que mostra um decréscimo de 2168 pessoas presentes em dez anos. No que se refere a Oliveira de Frades, a queda foi menor, mas, mesmo assim, andou por uma perda de 824 habitantes ( NV, 9 de Março de 1971), tendo, ao todo, 9820 pessoas presentes, com a seguinte distribuição: Arcozelo das Maias, 1634 habitantes, menos 114, sendo, apesar de tudo, a maior freguesia; Destriz (449, menos 10); Oliveira de Frades (1433, menos 70); Pinheiro de Lafões (1218/70); Reigoso ( 419/46); Ribeiradio (1414/68); S. João da Serra (743/58); S. Vicente de Lafões (688/38); Sejães (264//70), Souto de Lafões (561/42) e Varzielas (486/37). Numa tendência decrescente, este é um mal que já vem de há anos e que, agora, se tem vindo, infelizmente, a acentuar cada vez mais. Estando em marcha o arranque do Censos 2021, vamos ver o que nos está reservado, mas, por aquilo que pressentimos, não serão boas as novidades que vamos receber. Ao indicar que o mês de Janeiro entrara “frio, muito frio, um frio de se lhe tirar o chapéu”, anunciava-se, no número I, que “Vasconha também tem comparticipada a sua electrificação”, com um orçamento de 761000$00 par as seguintes rubricas: materiais, 456500$, mão de obra – 178500$ e diversos – 126000$00, cabendo ao Estado o apoio de 445185$00, escalonada pelos anos de 1970, 71 e 72. Apontava-se como data limite para a concretização deste empreendimento o dia 29 de Fevereiro de 1972. A 10 de Janeiro, já não era apenas de frio que se falava, mas de “Neve, muita neve”. Por essa altura, andava João de Almeida e Costa por terras do Japão, de onde ia enviando saborosas crónicas, tal como vinha fazendo em relação às suas viagens pelos mais diversos cantos do mundo. Entretanto, muitos outros temas vieram à baila, porque esta região de Lafões nunca parou de viver, ora melhor, ora pior, mas sempre a sonhar com novas ideias e novos projectos, tal como os da construção de empresas com pés para andarem em frente, mesmo que, um dia, venham a fraquejar... A avicultura em maré de subida Para aumentar os seus conhecimentos, os avicultores foram de abalada até Póvoa de Lanhoso para aí visitarem a Granja Avícola de Porto d` Ave, numa iniciativa que partiu da firma “ Maiavícola”, de Antero Silva, que viria a ser um dedicado correspondente e colaborador deste jornal em Arcozelo das Maias. Ao abordar-se este tema, que estava muito presente nas vidas dos lafonenses desde os anos 60, vem a talhe de foice trazer-se aqui a constituição da empresa Uniávila – Sociedade dos Comerciantes de Avicultura de Lafões, Limitada, com sede na vila de Oliveira de Frades. Com um capital de 5000 contos (5000000$00), dividido por catorze quotas, foram seus fundadores Abel Soares Leite, Alexandre Fernandes da Silva, António Estêvão, António Ferreira Martins, Carlos Alberto Pereira da Silva, Celso Marques, Francisco Rodrigues, Joaquim Pinto da Rocha, Joaquim Rodrigues do Cruzeiro, Luís Rodrigues, Manuel de Almeida, Manuel Gonçalves Dias, Manuel Silva e Almeida e Manuel Quaresma da Costa e Silva, em escritura assinada no Cartório Notarial da vila no dia 3 de Fevereiro de 1971. Muito sentida como amargo de boca para os vouzelenses, nestes estava presente, qual espinha cravada na garganta, a célebre questão da perda da Comarca (1927), que levou mesmo, em sinal de esperança de que, um dia, ela iria voltar, a constuírem o seu Tribunal, agora a albergar os Paços do Concelho. Se em 1973, o tal milagre aconteceu e se fez luz, durante todas as décadas de vinte em diante, nunca este problema ficou esquecido. O “Notícias de Vouzela” do dia 10 de Março, e outros que se seguem, disso mesmo dão conta. Com uma clara intenção de se fazer do jornal um veículo de defesa de causas e valores, assim se começou por escrever: “... Pela nossa parte, não nos limitamos a esta simples nota. Vamos, uma vez mais, alinhar os fortes argumentos a favor da restauração da comarca de Vouzela. Não é difícil. Basta-nos recuar dez anos e procurar nestas mesmas colunas os elucidativos artigos que o nosso Director (Dr. Guilherme Coutinho) então lhe dedicou... “ Assim foi feito. E a luta veio, de novo, para a ordem do dia, por ser uma dor que importava fazer cicatrizar. Por hoje, por aqui nos ficamos, mas isto promete dar que falar... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Abr 2021