quarta-feira, 21 de julho de 2021

Lafões e Valadares no Brasil em 1955

Valadares e Lafões no Brasil em 1955 As nossas comunidades em organizações associativas Carlos Rodrigues Em continuadas migrações, uma constante social portuguesa ao longo dos séculos, os nossos conterrâneos e compatriotas andaram sempre em busca de novas vidas por esse mundo além. Antes da febre europeia dos anos sessenta e seguintes, o Brasil constituiu um dos principais pólos de atracção das nossas gentes, como que por osmose familiar ou de vizinhança. Por estranho que pareça, a África entra nesta equação de uma forma muito ténue e até bastante tardia. Em meados do século anterior, do outro lado do Atlântico, sobretudo, no caso em apreço, no Rio de Janeiro, fixaram-se muitos lafonenses, que começaram a despertar então, movidos pela saudade e pelo sentimento de se tornarem úteis aos seus recantos de origem, ou talvez até por uma certa ostentação desviante, para a formação de diversas associações ou outras fórmulas de convivência social, onde cultivavam a cultura e as práticas das regiões de origem. Finalidades filantrópicas foram, sem sombra de dúvida, também bons pontos de partida para a concretização destes fenómenos colectivos. A partir do jornal “Notícias de Vouzela” do ano de 1955, com base, muito especialmente, nas crónicas de Afonso Campos, um vouzelense ali radicado, muito temos ficado a saber da forma como ali se vivia e se organizavam as nossas comunidades. Vincadamente, destacaram-se Santa Cruz da Trapa e Alcofra a esse respeito. Porém, antes de falarmos, concretamente, dos Centros Santacruzense e Alcofrense ali nascidos, por estarmos a escrever para um órgão de comunicação de Valadares, o “Ecos da Gravia”, é com notícias desta terra que vamos começar por hoje. Na sua rubrica, “Daqui, Rio de Janeiro”, Afonso Campos mimou-nos , como sempre, com nacos de prosa que são excelentes momentos de leitura e verdadeiros quadros sociais das situações ou pessoas descritas. Vejamos estas linhas ( 16/6/1955):” De Valadares, aquela simpática aldeia de gente boa e simples, que já foi Couto, e teve Padres-Mestres e outras coisas mais que agora não vêm para o caso, e é terra, no dizer de meu amigo Horacius, das melhores laranjas do mundo… “, tendo-lhe chegado à secretária, conforme confessou, uma circular subscrita pelos membros da Assembleia Geral e da Direcção da Cantina Escolar de Nossa Senhora dos Remédios, em que se apelava a todos ao valadarenses espalhados pelo mundo a que viessem a contribuir com seus donativos para essa importante obra social. Continuava assim as suas apreciações: “… Reparei, cuidadosamente, na fotografia do edifício da cantina, naquele «ninho de pequeninos», como lhe chamam, onde há uma mesa, com alva toalha e o sorriso inocente das criancinhas; notei que mais de 20000 refeições foram distribuídas gratuitamente pelos alunos necessitados de Valadares, Paradela, Pedreira e Granja, em quatro anos de labor que são quantos conta a cantina… “. Mais não precisou de dizer para pôr em destaque e no pódium das boas atitudes locais aquilo que, nas suas linhas, tão bem entendemos. Fica aqui como retrato colorido do passado desta freguesia e seus feitos… Nesta viagem pelos “nossos portugueses-brasileiros”, queremos ainda referir os primórdios de duas instituições que muito fizeram pelos seus conterrâneos lá, tão longe, e, adivinhamo-lo, de coração bem apertado e lágrimas a despontarem sempre aos cantos dos olhos de toda aquela nossa gente, em muitas e variadas ocasiões. Dois Centros, o de Santa Cruz da Trapa e o de Alcofra Ao abordar dois aniversários, o 10º do Centro Santacruzense de Beneficência e Progresso do Rio de Janeiro e o 11º do Centro Alcofrense e da Região de Lafões ( sendo esta última designação do ano de 1951), Afonso Campos fala-nos de algumas das actividades ali desenvolvidas em cada uma destas colectividades. No Santacruzense, são várias as referências aos arraiais beirões, sobretudo na sua sede que ficava mesmo à beirinha da Casa das Beiras. Num desses eventos, ainda em 1954, alude-se às barracas de prendas, aos comes e bebes, com destaque para o vinho verde de Lafões, aos balõezinhos e foguetes, sem esquecer as actuações do Rancho Regional dos Poveiros e as actuações musicais da Olivinha Carvalho, uma “aplaudida artista da rádio”, tendo sido muito apreciadas as suas canções populares portuguesas. Quase ao acabar o ano de 1955, no dia 1 de Novembro, dá-se nota dos grandes festejos do 11º aniversário do Centro Alcofrense e da Região de Lafões, sob a presidência de Cid Lopes, mas com a tristeza, desabafa Afonso Campos, ao saber das polémicas que se passavam em Vouzela em redor do Monte Castelo, de constatar que esse local deixara de estar iluminado em virtude de uma contenda existente entre a Câmara Municipal e a respectiva Confraria. Apesar desse contratempo que galgou o Oceano, enfatiza-se o brilho da Sessão Solene, presidida pelo Dr. Marçal de Almeida, em representação do Embaixador de Portugal, ladeado pelo presidente da Casa de Portugal, Horácio Salvador, pelo Dr. Almeida Garrett, da Universidade do Porto, por Marques da Silva, da Casa do Porto, por António Cid Lopes, por Manuel da Costa, da União Portuguesa Oliveira Salazar e José Diogo, do Centro Santacruzense. Como que a historiar a vida desta Instituição, o seu presidente, Cid Lopes, começou por dizer que tudo partiu da ideia de “nos agruparmos para fazermos qualquer coisa pela nossa gente (isto) muito antes da fundação do Centro… (Assim)… Um grupo de alcofrenses, no desejo de estimular as crianças a irem à escola aprender a ler, tinha estabelecido uns prémios para serem entregues às mais aplicadas… Tinha-nos chocado, envergonhado mesmo, o aspecto deprimente que nos apresentava o patrício que desembarcava nesta grande cidade sem saber ler. Nâo queríamos que isso acontecesse com a gente de Alcofra!... “ E continuou: “ Desse grupo faziam parte o Comendador António Cid Loureiro, Firmino Luís de Almeida, Belmiro Lopes, Armando Marques, Dr. Júlio Pereira Ramos, João Lopes Ferreira, Firmino Lopes Frutuoso, César João de Almeida, José Lopes Couceiro Sobrinho e eu (Cid Lopes)” Deste modo, a 6 de Agosto de 1944, foi fundado o Centro Alcofrense, com os estatutos aprovados em Maio de 1945. Porém, acontece que, em 1951, acrescenta-se uma nova designação – Centro Alcofrense E DA REGIÃO DE LAFÕES, aqui estando a semente da futura nova Casa de Lafões do Rio de Janeiro. Entre muitas acções desenvolvidas naquela cidade brasileira, o foco esteve sempre em Alcofra, berço de toda essa gente, e na sua região, tendo, inclusivamente, participado em cortejos de oferendas para os Hospitais das Misericórdias de Vouzela e Oliveira de Frades. Com estes embriões do associativismo da nossa zona em solo brasileiro, nunca os nossos emigrantes deixaram de cultivar as suas tradições e de recordar o chão natal. Infelizmente, com o andar dos tempos esse bairrismo como que se esvaneceu, pelo menos nesta forma tão vivamente sentida e participada. No meio das alegrias de 1955, Alcofra veio a sofrer um rude golpe: a 13 de Dezembro desse mesmo ano, falecia o Professor Doutor Egas Moniz, com raízes maternas nesta mesma aldeia e de quem já aqui falámos numa das edições anteriores… Hoje, dedicámos a nossa atenção ao Brasil e aos anos cinquenta do século passado, para honrarmos quem, sendo gente nossa, um dia emigrou, para, em muitos casos, muitos desses conterrâneos nunca mais voltarem. Não foram nunca os torna-viagens, de que tanto a nossa literatura muito tem faltado. Partiram, então, para nunca mais voltarem. Que descansem em paz… Carlos Rodrigues, in “ Ecos da Gravia”, Julho 2021

EN 16 para observar e absorver

Uma estrada para observar e absorver A EN 16 precisa de ser interiorizada CR Pela EN 16 abraçamos o mar e a fronteira. De uma penada mais larga e contemplativa, em duas a três horas, se optarmos por poucas paragens, deixamos o Oceano Atlântico, em Aveiro, e abraçamos a Espanha, ali pelos lados de Fuentes de Onoro, Ciudad Rodrigo e Salamanca num abrir e fechar de olhos cheios de imagens para nunca mais deixar de lado. Para essa outra opção de andar pelas estradas sem nada ver, em corridas de outro mundo, o melhor é seguir a actual A25. Para levar emoções que nunca mais se esquecem, a opção mais ajuizada é fazer a aventura romântica de pisar os quilómetros da velha ligação de outros tempos, a já citada EN 16. Deixada para trás a cidade das salinas, da Ria, do ar da maresia, de um certo ventinho de resfriar as orelhas, essa Aveiro que sempre nos cativou, passada a zona de Albergaria-a-Velha, que afaga os Rios Vouga e Caima, entramos no mundo fantástico e fantasioso do Vale do Vouga, que a EN 16, em cada curva, e muitas são elas, nos põe à frente dos olhos. A água corre-nos aos pés, os montes e os vales acompanham-nos sempre. Ainda não temos percorrido muita distância e, agora, aí temos a Albufeira da Barragem de Ribeiradio/Ermida, esse lençol de água que cobre uma extensa área de um território que sempre viveu sob o barulho e a corrida do leito do Rio Vouga, ora sereno e manso, ora bravo e gigantesco na sua força, quase que levando tudo na sua frente. Mas, antes deste novo quadro actual, olhemos para a passagem de nível, de momento sem comboios, do Carvoeiro, para a Foz do Rio Mau, para a majestosa Ponte do Caminho de Ferro, já nos arredores de Pessegueiro, o do Vouga, para que dúvidas não existam, para a tasca e restaurante que vêm marcando os tempos, outrora, com as tigelas do vinho americano e com as enguias em caldeirada ou fritas, que ainda hoje são uma delícia, e agora quase só com as iguarias que as regras permitem, porque o tempo é uma máquina devoradora do passado e nem tudo é capaz de resistir. Subindo uns curtos quilómetros, já a chegar ao núcleo urbano acabado de citar, de um lado, e Paradela do outro, nas duas margens do Vouga, que agora alimenta uma fantástica Praia Fluvial, cruzamo-nos com os vestígios de uma Central Eléctrica que fazia correr as máquinas da Fábrica de Massas do Vouga, neste momento convertido em moderno pólo empresarial e académico, mas que tanta gente alimentou ao longo de décadas, em quantidade e qualidade de se lhe tirar o chapéu. Neste ponto geográfico, estamos à beira da sede do concelho de Sever do Vouga, vila que se espalha pelos montes acima, deixando o Rio Vouga para se encostar às terras de Vale de Cambra, tendo pelo meio a Nossa Senhora da Saúde. No horizonte oposto, adivinham-se as freguesias de Paradela do Vouga, de Cedrim e das Talhadas, localidades que se ligam e unem também ao vizinho concelho de Águeda, mas sempre com a Santa Maria da Serra, lá no alto, como ponto de encontro cimeiro destas serras que têm o Rio Vouga como mais um de seus ícones comuns. Passada a ponte sbre o Rio Vouga, com as bombas de gasolina à esquerda e a estrada para as Talhadas à direita,, continuamos pela nossa EN 16, que soma curvas e mais curvas a ladearem este famoso e nosso curso de água, para se abandonar o concelho de Sever do Vouga, depois do de Albergaria-a-Velha e uma pontinha de Águeda, e se entrar em plena zona de Lafões e município de Oliveira de Frades. Com o Café do Extremo a delimitar dois concelhos, Sever do Vouga e Oliveira de Frades e dois distritos, Aveiro e Viseu, pelo que se justifica bem a designação escolhida, esta EN 16 vai continuar a dar-nos muitas e mais alegrias. Dessas, falaremos daqui a uns dias… Com a Nossa Senhora Dolorosa lá no cimo, em Souto Maior, e a Barragem cá bem no fundo, entra-se em Ribeiradio que tem muito para nos dizer. O mesmo se dirá das muitas terras que iremos encontrar a caminho da fronteira, que esta EN 16 é de uma riqueza ímpar… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2021

EN 16, a estrada que une o mar e a fronteira

EN 16 a unir o mar e a Espanha Cerca de 200 km de distância em dois mundos diferentes CR Andamos, nestes últimos anos, em busca de símbolos, de elos de união entre comunidades e povos, quase como que para construir identidades, pegando em estradas e outros factores que levem a esses objectivos. Aqui há uns anos, em 2013 e 2014, lançámo-nos nessa aventura quanto à EN 333, que liga Vagos e Vouzela, e encontrámos verdadeiros pontos de união e contacto. Desde logo, estabelecemos uma corda e uma rota entre a Nossa Senhora de Vagos e a Nossa Senhora do Castelo. Descobrimos que os “VV” eram a solda que unia esse mesmo cadeado. Temos assistido às muitas iniciativas em redor da mítica EN 2, de Chaves a Faro. Vemo-la posta no pedestal dos eventos e das celebrações praticamente anuais. Sabemos que se está a converter numa marca comercial. E ainda bem. Ficamos altamente satisfeitos com esse sucesso. Mas, perdoem-nos o atrevimento, agora é da EN 16 que queremos falar e a colocar lá bem no alto. Se a EN 2 corta o país de alto a baixo, esta EN 16 divide-o ao meio na horizontal, do mar à Espanha. Com a actual designação de EN 16 a ser uma conquista nova, aí dos anos trinta do século passado, diz-nos a história que já foi a ER 41, Estrada Real com esse número, que passou para EN de 1ª classe, com o nº 8, como bem o provam as pedras que fazem parte dos bancos na Fonte das Termas de S. Pedro do Sul, logo à entrada, no sentido Oeste/Este, e que hoje é uma memória romântica de tantas inesquecíveis viagens. Em termos históricos, a Tabella das Estradas Reaes e districtais de 1889 já a catalogava como ER nº 41, a sair de Aveiro e a passar por Albergaria-a-Velha, Pessegueiro do Vouga, Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul, prosseguindo a sua marcha por esses campos fora. Juntava-se, então, à nº 43, que ligava Viseu, Fornos de Algodres, Celorico e muito provavelmente Guarda e fronteira. Acontece que, antes de ser conhecida como EN 16 (1930), pelo Decreto n.º 12100 de 31 de Julho /11 de Agosto de 1926, assumia a designação de EN nº 8 de 1ª classe, como já vimos nos parágrafos anteriores. Neste decreto, procedia-se à revisão do plano geral de classificação de estradas, a remeter para a lei de 22 de Fevereiro de 1913. Assim, em 1926, a antiga EN nº 8 passava a englobar até à fronteira os troços Aveiro – EN 40-2ª – Albergaria a Velha, a EN 10-1ª, Vouzela/S. Pedro do Sul, a EN 7-1ª – Viseu, Mangualde, Celorico, Guarda (EN 15-1ª), Almeida (EN 34-2ª), Vilar Formoso/Estação. Devem contar-se ainda os ramais para a Ribeira de Ovar e para a Estação da Guarda. Em complemento, a Tabella das estradas nacionais de 2ª classe (Decreto 12100, de 31 de Julho de 1926) anotava ainda a nº 32, da Costa da Torreira a S. Pedro do Sul, aqui então EN 8-1ª, a nº 33 de Vouzela à Foz do Rio Távora e a nº 42 de Mortágua à Ponte de Riba Má. Pegando, de novo, na EN 16, diz-se que, por volta de 1938, chegou a Vilar Formoso, quando se reconstruiu a Ponte de S. Roque, no Rio Coa, na zona de Castelo Bom. Com o Plano Nacional Rodoviário de 1945, esta rede ganhou uma acrescida importância que só foi posta em causa no momento em que o eixo rodoviário principal, a unir o mar e a fronteira, se deslocou para o IP5, 1988, e mais tarde, 2005, para o A25. Havendo muito a dizer sobre esta via, com uma paisagem de sonho que cruza os Rios Vouga, Dão e Mondego, entre outros, que corre(u) passo a passo com as Linhas do Caminho de Ferro do Vale do Vouga e da Beira Alta, que acumula património sem fim desde Aveiro a Almeida, que nos faz recordar lugares míticos como o Café Quelhas, em Ribeiradio, aberto 24 horas ppr dia e que era um ponto de encontro internacional entre todos os viajantes, com balcões cheios de sandes e bebida, esta EN 16 é um poço de história e património que importa fazer renascer e divulgar. Com a sua gastronomia e com tudo o que mais tem, é uma mercado a céu aberto e um cartaz que possui atractividade até mais não. Em termos turísticos e de desenvolvimento, é pilar que não pode, nem deve, ser desperdiçado… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2021