sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Autores de Lafões e marcarem pontos: Carlos Almeida é um deles

Ler autores lafonenses em tempos de quase confinamento Carlos Almeida em duas obras CR No ano passado, ainda o coronavírus não tinha despertado para a sua mortífera viagem, Carlos Almeida pôs a circular o seu livro “ O pagador de promessas”, com base em “personagens reais que se dedicam a cumprir promessas que outras pessoas não têm oportunidade de cumprir, em troca de uma recompensa monetária ou de outra ordem”, como bem alerta na contracapa. Com a chancela das “Edições Esgotadas”, este autor leva-nos para geografias diversas, encaixando nela os protagonistas de uma qualquer viagem em peregrinação. Pelo meio, surgem as situações mais bizarras, os episódios que nos surpreendem a cada passo. Ao ler os vários relatos, facilmente nos apercebemos que as figuras principais nos são, de certa maneira, familiares, porque, de imediato, somos transportados para situações que efectivamente aconteceram, ainda que, nestas peças de literatura, vestidas de outras roupagens. Mas o sumo, o fio condutor de meadas anteriores lá estão vivos e a cores. Calcorreando caminhos de pedras duras, ou lamacentos, o sacrifício nunca é posto de lado, porque peregrinar é sofrer, quer queiramos, quer não. Em descrições de personagens com sentimentos os mais diversos e díspares que se possam imaginar, sinal de uma fértil criatividade de Carlos Almeida, aparece-nos um pouco de tudo: também não é estranho que, na base destas crónicas, nos surja, logo, o Caminho de Santiago, estabelecendo-se contactos com “Deus, o Diabo, o Bem, o Mal, o Céu e o Inferno” Nas primeiras páginas deste livro, o Prólogo leva-nos para os “montes e vales da expiação (...) sob o céu e sob as estrelas(...) ao frio matinal e ao luar estival (indo) em peregrinação até ao grande altar sagrado.... “ Com citações e enquadramentos escolhidos a dedo, em todo o texto se nota uma veia criadora que nos apraz registar, vinda de um conterrâneo nosso de Santa Cruz da Trapa, perdão, ainda que nascido em Lisboa, a viver em Viseu mas sempre com a sua terra no coração. Presença assídua nos meios culturais e artísticos, Carlos Almeida escreve em prosa, em poesia, alimenta-nos ainda o espírito com a banda desenhada e a pintura. Enfim, há ali um poço sem fundo de imaginação e vontade de criar algo que nos marque e se não esqueça. Neste seu “ O pagador de promessas”, andando por tanto lado, vai-se de Santiago de Compostela a Fátima, do S. Macário à Lapa e em cada canto há sempre uma boa história para ser apreciada. “ Pandemia: diário de um abandono” Este é o segundo livro de que queremos falar. Era impossível passar-lhe ao lado porque aborda um tema bem recente, bem actual, com um passado de sofrimento e morte por todo o mundo e, agora, a rebentar, de novo, parecendo até com mais força e uma progressão mais rápida. Em capítulos elaborados, por dias, em redor de um vendedor de vinhos que foi apanhado no olho do furacão e lá foi contaminado, sofrendo os horrores da clausura, do confinamento, das incertezas e das dúvidas, na cidade de Wuhan, na China, tudo se iniciou, em imaginação, no dia 25 de Janeiro de 2020. Com uma descrição pormenorizada dos acontecimentos, recheada de termos técnicos e conceitos actuais, o que mostra um bom esforço de pesquisa, aqui Carlos Almeida retrata a fundo as causas e as consequências desta doença, desta pandemia que alterou todo o nosso mundo e o nosso modo de viver. “ Abandonados” um pouco à nossa sorte, num jogo de azar ou sucesso, a linguagem usada é crua, dura, violenta, cruel e provocante. Em catorze lições, termina com um certo ar de pessimismo, alegando que “... Este vírus não irá desaparecer certamente nos tempos mais próximos, pelo que devemos aprender com ele a resistir-lhe (e certamente ele ver-se-á enfraquecido e derrotado pela nossa energia e sentido cívico)... Porque as nossas vidas já mudaram, que não se mantenham num doloroso abandono... “ Por ser um bom contributo para a compreensão desta pandemia, a da Covid 19, fazemos um apelo a que se leia esta obra de 198 páginas, também das Edições Esgotadas. Comparando com a realidade, aprende-se muito... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Out 2020

domingo, 25 de outubro de 2020

Os Távoras em Vouzela e o respectivo processo fatal

O julgamento dos Távoras e Lafões Memórias apagadas em Vouzela Carlos Rodrigues Em meados dos século XVIII, a história portuguesa foi atravessada por períodos de grandeza a muitos níveis, com a vinda dos ouros do Brasil, com a construção de obras imponentes, estilo Convento de Mafra, Aqueduto das Águas Livres, decoração de quase todas as nossas igrejas com a célebre talha-dourada, entre muitos outros faustosos empreendimentos. Isto nos tempos do reinado de D. João V. Após a sua morte, sucedeu~lhe seu filho, D. José, mas para a posteridade quem mais registos acumulou foi a a figura do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo. É no meio destas duas personalidades que entram as cenas aqui relatadas e que apanharam a zona de Lafões por tabela e, muito em especial, a vila de Vouzela. Com uma força que ultrapassava os seus pergaminhos de origem, que não eram assim muito altos, diga-se para que se saiba, o Marquês de Pombal, mal se viu guindado e lançado em altos voos governativos, mostrou duas faces distintas, opostas e contraditórias. Por um lado, homem de acção e determinação, cedo apagou e ofuscou a imagem do rei D. José I, fazendo obra e criando um rasgado corpo legislativo e educativo. Por outro, fazendo uso de uma intriga demolidora, serviu-se desta sua faceta para eclipsar e eliminar quem lhe aparecia pela frente e fazia ofuscar a sua imagem. Criando um vasto corpo de ódios de estimação, como a Companhia de Jesus, as grandes Casas, a dos Távoras, a dos Atouguias, a do Duque de Aveiro, logo tentou embrulhar toda esta gente num saco de que fosse possível descartar-se. Vendo conspirações por toda a parte, sentindo-se acossado, pensava ele, de todos os lados, foi arquitectando um plano para dar cabo dessas famílias e de outros poderes que lhe apareciam pelo caminho. Com carta branca dada pelo Rei, ou por ver em Pombal alguém fora de série e bem capaz de levar por diante o poder absolutista que começava de imperar, ou por ele mesmo se sentir sem forças para exercer esse mesmo papel, o certo é que Sebastião José de Carvalho e Melo teve tudo nas mãos para exercer aquilo que tinha em mente, até pelas lições que aprendera nas suas andanças pelo mundo. Numa certa noite, a 3 de Setembro de 1758, algo de estranho aconteceu (ou foi até inventado?) e aí surgiu o rastilho para fazer ruir o edifício de seus opositores, a começar pelo Duque de Aveiro, pelos Távoras e mesmo pela própria Companhia de Jesus. Vejamos o enredo de tudo isto e as ligações a Vouzela como consequência do que veio a seguir. Nessa noite, diz-se que D. José foi alvo de um atentado, em que foram tidos como presumíveis autores dos disparos António Alves Ferreira e José Policarpo de Azevedo, estes a arraia-miúda, que a alta e fina flor estava em D. Francisco de Assis e Dona Leonor Tomásia, marqueses “velhos” de Távora, D. Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia, D. José de Mascarenhas, Duque de Aveiro, Luís Bernardo e José Maria de Távora, filhos dos citados marqueses, Brás José Romeiro, cabo de esquadra do citado Luís Bernardo de Távora, João Miguel, moço de acompanhar o Duque de Aveiro e Manuel Àlvares, seu guarda-roupa. Sentenciados, foram condenados a pena capital em 12 de Janeiro de 1759. Banidas foram ainda a Casa dos Távoras, a Casa de Atouguia, a Casa de Aveiro e a Companhia de Jesus, pelos crimes de lesa-majestade de 1ª cabeça, alta traição, rebelião e parricídio. No que se refere à Companhia de Jesus, a acusação incidiu muito sobre o Padre Malagrida, confessor de D. Leonor Tomásia de Távora, muito ligada à oposição a D. José e ao Marquês de Pombal, tendo o apoio de outros jesuítas que se reuniam em seu palácio, em conspiração. Consta que, na noite do aludido atentado, o Rei viria dos aposentos de D. Teresa de Távora, nora de D. Leonor, deles se dizendo que mantinham um clandestino convívio amoroso. Por isso, ou por outras razões, o certo é que o processo demorou a ser iniciado e nunca foi muito divulgado, a não ser nas suas conclusões finais. As razões de aqui aparecer Vouzela Na antiga Rua da Ponte (ou Rua S. Frei Gil), nesta vila existe uma antiga casa brasonada que foi pertença dos Távoras e ainda hoje assim é conhecida. Com vários pisos, tem uma escadaria frontal virada para o exterior e, em cima, o respectivo brasão, mas raspado como consequência desse tal julgamento, na medida em que se determinou que as armas dessa família fossem picadas e banido o uso do respectivo apelido. Quanto ao Palácio do Duque de Aveiro, em Belém-Lisboa, foi totalmente demolido, constando que o terreno em que ele se encontrava cheio de sal para nunca mais produzir qualquer planta. A par disto, os bens das Casas dos Távoras, da Atouguia, de Aveiro, de Vila Nova, assim como outros, passaram para a coroa. Deve notar-se que, nesta altura, eram notórios os elos existentes entre os Marqueses de Távora, os Condes da Atouguia, os Marqueses de Alorna, os Condes da Ribeira Grande, os Condes de Vila Nova, o Duque de Aveiro, o Duque do Cadaval, pelo que a teia de propriedades e interesses era por demais evidente e o Marquês de Pombal temia todos esses poderes e influências em rede. No que concerne aos Távoras, a par deste imóvel em Vouzela, que veio depois a ser propriedade de António A. Teixeira, que, em meados dos anos sessenta do século passado, cedeu parte das instalações para as raízes de um futuro museu municipal, os descendentes dessa poderosa família ainda hoje mantêm laços em Mirandela (Paços do Concelho), Souro Pires (Pinhel), Palácio dos Santos em Lisboa (Embaixada de França), vários bens em Mogadouro e até o Palácio das Galveias, na capital, com ela esteve relacionada, etc.etc. Sendo o tronco familiar dos Távoras muito antigo, é muito natural que todos estes elos tenham a vir a ser construídos ao longo dos séculos desde os tempos dos bisnetos do Rei Ramiro II, de Leão-Galiza. Entretanto, o 1º título de marquês de Távora oficial remonta apenas a um decreto de 6 de Agosto de 1669, assinado por D. Luís. Num rocambolesco processo, que mais tarde a Rainha D. Maria fez repescar e reapreciar, muito do que então fora decidido veio a ser anulado, mas o Duque de Aveiro jamais foi ilibado das acusações que sobre ele recaíam. Entretanto, passaram os séculos e o brasão dos Tàvoras, em Vouzela, lá se encontra na mesma: uma pedra rasa sem qualquer motivo por onde se possa pegar... Para estas notas, servimo-nos de Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, António Nazaré de Oliveira (S.Pedro do Sul), Enciclopédia Luso Brasileira, Internet, Filipa Silva/Delfina Gomes, Patrícia Wooley Cardoso Lins Alves, folhetos do Museu Municipal de Vouzela e “Notícias de Vouzela”, mas são muitas as fontes gerais onde estes temas são abordados... Ecos da Gravia, Out 2020

Recuperação de património em Ventosa depois dos incêndios de 2017

Em Ventosa, terra mártir A lenta recuperação da tragédia de 2017 já se nota CR Há três anos, sensivelmente, as ondas de fogo devastaram as nossas terras, fizeram tombar vidas de pessoas e de animais, destruíram habitações e outros tipos de instalações agrícolas, industriais e afins. Numa palavras, viveram-se dias de terror, dor, aflição e uma enorme angústia que ainda agora se nota. Nestas evocações, começamos pela freguesia de Ventosa, onde os efeitos desse incêndio foram dos mais acentuados. Simbolicamente, quisemos saber o que se passa com dois dos solares então totalmente desfeitos, um na sede da freguesia, outro em Vila Nova. Descobrimos bons sinais, que há intenções e obras em andamento. Antes, porém, fazemos uma breve incursão mais geral, para contextualizar, três anos passados, a dimensão desta catástrofe. Com cerca de 18 km2, a freguesia de Ventosa, que se situa pela Serra da Penoita acima, viu uma enorme parte de sua área ficar totalmente queimada. Desapareceram espécies vegetais e animais, diminuiu a biodiversidade. Numa zona de agradáveis carvalhedos, até estas árvores, que se pensavam resistentes ao fogo, foram por ele devorados, tal a sua intensidade em calor e em velocidade de propagação. Felizmente, muitas delas reanimaram e voltaram a ter vida, o que se regista com muito agrado. Sendo Outubro um mês ainda de vindimas, nem as videiras escaparam, assim como os campos de milho e as próprias hortas. Carros, tractores, demais alfaias e equipamentos ligados à lavoura tiveram igual e triste destino. Com um grande densidade de aviários, neste sector foram enormes os prejuízos em equipamentos e construções, mas sobretudo em perda de aves. O mesmo aconteceu com outros animais, desde ovelhas e cabras a vacas e porcos. As chamas pouco ou quase nada deixaram para trás, desde o cume da Serra aos locais mais baixos já perto da vila de Vouzela, havendo, por exemplo, a assinalar a destruição do Parque de Campismo que está encostado às duas freguesias vizinhas e, agora, em franca recuperação, felizmente. Se tudo isto é a prova do que aconteceu com este dilúvio de fogo, o desaparecimento de pessoas, sobretudo em Vila Nova, onde só numa casa se finou uma família inteira, e as casas queimadas completam o quadro dantesco que ali se viveu. Num concelho, como este de Vouzela, que perdeu cerca de 73% da sua área territorial, temos de confessar que, em 2020, ainda muito há a fazer, com especial incidência na reorganização florestal, tantas vezes prometida e outras tantas adiada, numa falha que tem de se imputar, por inteiro, às instâncias do poder central. O domínio dos afectos fez relançar boa parte do que foi destruído Como ponto de partida para este nosso trabalho, tínhamos em mente ir em busca, como dissemos, do que estava a acontecer com os dois citados solares, curiosamente a terem pertencido, numa certa fase de suas vidas à mesma família, os Coutinhos de Vouzela. Acontece que o de Vila Nova tinha já passado para e por outras mãos. Quanto ao de Ventosa, esse manteve-se até à sua derrocada na posse dos proprietários originais e com uma nota importante: nele nasceu e cresceu o seu actual dono, Fernando Morais, quando seu Pai era feitor desta importante casa. Entra aqui, como nos confessou, a razão dessa compra e das obras de recuperação que estão em andamento por fases. Ao assistir àquele monte de destroços, Fernando foi sensível à ideia da sua aquisição em diálogo com uma das então proprietárias. Estando ali as suas raízes, era de afectos que também se tratava. Depois do apocalipse monstruoso, havia que recomeçar tudo de novo. Tudo, infelizmente, não. É que a parte maior e mais imponente do solar estava toda em cacos e era e foi difícil refazê-la. Nas outras partes deste edifício, destaca-se a chamada Casas dos Caseiros, também ela de uma boa traça, que, em princípio, vai ser reerguida e posta a funcionar de novo. A par desse objectivo, notam-se, dentro da quinta, outros trabalhos de valorização do que foi possível aproveitar ou de reconverter alguns desses espaços. Há ali vida e o futuro a reescrever-se e isso conforta-nos e anima-nos. Também em Vila Nova, no solar colorido, a grua lá colocada faz antever que voltará a ser refeito e recuperado, o que é outro ponto muito positivo a pôr em destaque. Em 2020, mesmo com todos os constrangimentos de uma outra tragédia, a do coronavírus que não deixa de nos atormentar, é grande a esperança que ali, em Ventosa, terra-mártir se apresenta com nota alta. A par das habitações já reocupadas e alvo de apoios públicos, na sede da freguesia, em Joana Martins, Adsamo e noutras localidades, os sinais de retoma são a melhor forma de sabermos e pensarmos que a coragem das pessoas afectadas é maior que o desânimo vivido em Outubro de 2017 e muitos meses e anos depois. Das lágrimas de tristeza desses tempos passou-se para os olhos vidrados de uma certa alegria em ver-se que nem tudo está perdido. Muito menos a força das valentes gentes destas povoações cheias de marca negativas que são difíceis de apagar. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela” , Out 2020

Somos todos Caramulo

Somos todos Caramulo Numa Serra que divide Besteiros e Lafões nada nos separa, tudo nos une Desde criança, nunca outros horiontes que não o Caramulo povoaram a minha existência. Em princípio, era a doença que se associava a estas montanhas. A tuberculose, essa maldita maleita contagiosa, fazia-me olhar lá para cima com desconfiança. Os ares cá debaixo pareciam trazer-me muito mais confiança e esperança. Mas eram os de lá de cima que curavam, que davam esperança. Aceitei essa ideia de uma farmácia montanhosa que bem agradou como Hospital de um presente curado e de um futuro com mais esperança. Sosseguei-me e orgulhei-me de pertencer a uma montanha que fazia o milagre de salvar vidas e fazer renascer a esperança. Mas o Caramulo, antes de, nos anos vinte do século passado, pelo génio e iniciativa da Família Lacerda, se ter convertido em estância de saúde, foi e é a Serra que nos serve de guia e farol, que nos faz sonhar com as alturas e com a neve, que une o norte e o sul em busca de traços comuns de vida e de capacidade de dela se tirar toda a sua riqueza, como paisagem, como solo de variadíssimas produções, como local de ancestrais tradições e costumes, de que, para nós, a capucha aparece como símbolo sem par. Deste lado, estamos nós em Lafões, do outro, vivem os nossos irmãos de Besteiros e até da Bairrada. Diferentes, somos todos Caramulo, porque filhos da mesma Serra. Por estas montanhas andaram muitos dos nossos antepassados, daqueles que saltavam de lugar para lugar e dos outros que, mais tarde, aqui fizeram o seu pouso mais duradouro, eterno, muitas vezes. Diz-nos Amorim Girão (nas suas Antiguidades Pré.Históricas de Lafões, Coimbra, 1921), que “ ...A Serra do Caramulo na sua encosta ocidental constitui, dentro da região lafonense, o nosso mais importante centro de antiguidades pré-históricas e nela se encontram alguns dos mais belos monumentos megalíticos da Beira e do País... “ Entretanto, um estudo muito completo e muito mais recente sobre estes montes foi-nos apresentado, em 1988, também com origens em Coimbra, Faculdade de Letras, com o título de “ A serra do Caramulo – Desintegração de um espaço rural”, da autoria de J. V. Silva Pereira. Filho de uma família das faldas desta Serra, da encosta de Besteiros, essa condição fê-lo abraçar este projecto de dar à luz tão vasto e complexo trabalho. Entre outras razões e conclusões alegou que “... Conhecer uma região é dispôr de uma completa informação, totalmente compreendida no seu conjunto e globalmente reconhecida como a sede de variados processos dinâmicos. É, afinal de contas, analisar a evolução, as origens, movimentações e transformações tomadas numa dimensão espaço-temporal... p. 19” Do alto dos seus 1074 metros, Caramulinho, são múltiplos e variados os ângulos de observação. Desta forma, não admira que Silva Pereira tenha pegado em tudo, desde a geologia às plantas, sem nunca deixar de fora as pessoas, os seus locais e formas de vida. Se atentarmos no sub-título, logo se nota que olha para este território como um local a perder parte de suas raízes e daí o ter notado que se vive em fase de “desintegração”. A confirmar esta sua convicção, na página 48, refere uma das causas que levaram a essa situação. Diz-nos isto: “... A fuga à miséria iniciou-se com a partida das gentes, que, em bandos sazonais, se dirigiam para as ceifas de trigo, nas escaldantes planícies alentejanas, a apanha da azeitona e das vindimas no Ribatejo, ao trabalho exaustivo das secas do bacalhau no Seixal e no Barreiro. Surge-lhes então o desejo de se deslocarem para as cidades, em especial, Lisboa. Finalmente, o estrangeiro aparece-lhes como a maneira de tentar uma vida menos pesada para ganhar o duro pão de cada dia... “ Historiando as suas origens, fala na antiga Serra de Alcoba, ou no Mons Catarazo. Vê-se ainda o aparecimento das formas Serra do Caramulo, Serra de Alcoba ou mesmo de Besteiros para designar a mesma realidade. Como ponto de partida para as análises feitas, incidiu sobre os distritos de Aveiro e Viseu e dos concelhos de Àgueda, Anadia, Mortágua, Oliveira de Frades, Tondela e Vouzela. De cada um destes municípios fornece-nos uma série de dados de vários níveis, assim como retrata a Serra no seu conjunto. Para o conhecimento da terra que somos, este livro serve-nos de bom a particular apoio, merecendo, por isso, uma visão atenta e interessada. É isso que estamos a procurar fazer.... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Out 2020