domingo, 28 de março de 2021

Apoio a crianças e jovens, uma constante ao longo dos tempos

Apoio às crianças e jovens Dos juízos dos órfãos às CPCJ Ainda que até ao século XVII as crianças e jovens não fossem suficientemente reconhecidos na sua especificidade como pessoas, sabe-se que, durante o século XIX e tempos posteriores, o seu estatuto, enquanto tal, foi crescendo e fazendo escola, muito embora de uma forma paulatina e até aos solavancos. Em crescente afirmação, o corpo legislativo que lhes diz respeito ganhou forma e conteúdo progressivamente. Dito isto, convém também ficar a saber-se que, no campo, dos órfãos, sobretudo, esse foi um mundo alvo de constantes preocupações, o que se pode ver nas diversas Ordenações, com mais ênfase a partir do ano de 1446. Hoje, na actualidade, o papel das CPCJ – Comissões de Protecção de Crianças e Jovens – em cada município é um dado adquirido e com vincadas funções, tantas vezes em casos de extremas complexidades. Esta é uma viagem que aqui vamos fazer. Em Lafões também, durante muitos anos, foram frequentes as referências aos juízes de órfãos ou aos respectivos juízos, em termos de legislações e de correspondências trocadas aos mais altos níveis. Muito conhecidas, por exemplo, foram as “rodas”, que, em Vouzela, ficaram sob a alçada da Misericórdia local, por esta já existir desde 1498 enquanto que em Oliveira de Frades e S. Pedro do Sul tinham outras tutelas, incluindo as entidades municipais, com maior ênfase desde 1836 em diante, aquando da divisão administrativa que se veio a impôr. Se estas eram realidades locais, importa então enquadrar-se na esfera nacional o que foi acontecendo ao longo dos tempos. Assim, em 1446, as Ordenações Afonsinas imputam aos juízos ordinários de cada vila ou lugar ou juízes especiais dos órfãos a missão de obrigarem os tutores a redigirem um inventário dos respectivos bens de cada criança ou jovem ao seu encargo, de que ficavam fiéis depositários. No ano de 1514, com as Ordenações Manuelinas, essas funções passam a indicar que devem existir em vilas e lugares com mais de 400 vizinhos, sendo que com os Filipes assinalam a necessidade de um livro a assinar pelo provedor da comarca, que só se retiraria da arca quando fosse necessário neles registar mais algumas operações, isto feito com acessos condicionados a várias chaves usadas em simultâneo. Entretanto, com o advento do liberalismo, depois de 1820, as incumbências em causa passam para as mãos dos juízes de paz e, em 1876, com a criação da Caixa Geral de Depósitos, esta instituição absorve toda a documentação relativa a esses processos. No Arquivo Distrital de Viseu (vulgo, agora Casa Amarela) e na Torre do Tombo, em Lisboa, há um grande acervo com esta temática da nossa história social. Como a problemática das crianças e dos jovens em situações difíceis se não pode restringir ao domínio apenas dos órfãos, mas é, infelizmente e desde sempre, muito mais vasta e transversal, quer a nível mundial, quer no campo do nosso país, tem vindo a ser elaborado um vastíssimo campo legislativo e de recomendações diversas, que, para mal da sociedade no seu todo, é matéria nem sempre devidamente tida em linha de conta. O que tem sido dito e escrito Com os progressos do conhecimento, da ciência, dos direitos, da consciência enquanto cidadãos, a questão dos cuidados a ter com as crianças e jovens em risco, passou a adquirir maior ênfase sobretudo desde o passado século XX até aos nossos dias. Quanto ao que se refere a Portugal, a 1ª Lei de Protecção à Infância aparece em 1911, nos alvores da República, mas só vem a ser regulamentada, atente-se nisto, catorze anos depois, em 1925. Dando um salto para outros patamares, em 1924, a 5ª Assembleia da Sociedade das Nações, de acordo com um trabalho feito por Patrícia Nunes Canha da Piedade, aprova a Carta da União Internacional de Protecção à Infância, dita Declaração de Genebra e, já no domínio da acção da ONU, em 1947, nasce o Fundo Internacional de Socorro à Infãncia (UNICEF), para, muito mais tarde, serem proclamados os Direitos da Criança, no ano de 1959, numa Assembleia Geral da ONU. Em passos muito lentos, vai-se trilhando um caminho muito difícil e pedregoso, que levou, em 1989, a mesma ONU a proclamar a Convenção dos Direitos da Criança, ratificada por Portugal apenas em 1990. Agora, situando-nos então no nosso país, vêem-se alusões concretas aos direitos fundamentais da criança, artigo 69 da Constituição de 1976, e da juventude, art. 70. No ano de 1991, foram criadas ou reformadas as Comissões de Protecção de Menores, para passarem a ser Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, em 1999, actualmente conhecidas como CPCJ e vigentes em cada concelho, a funcionarem sob o regime de Comissões Restrita e Alargada. Com a função e missão de prevenirem ou acudirem a situações de ruptura familiar e social, estas CPCJ têm, nos dias que correm, cada vez mais, infelizmente, uma palavra a dizer e uma acção a fazer. Existem por serem precisas, essa é que a dura realidade dos factos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2021

sexta-feira, 19 de março de 2021

Bandas filarmónicas de Lafões com pautas arrumadas...

Música e cultura perdidas Um ano de Covid para não esquecer Neste mundo parado no meio de uma pandemia que teima em não nos abandonar, muitos e variados sectores de actividade económica, cultural, recreativa e social acabaram por encerrar e por clamar por melhores tempos. Só que estes tardam em aparecer. Enquanto assim vivemos, assistimos a um cortejo de desgraças e a um rol imenso de dores sem fim. Foram vidas, foram cardos, foram espinhos que se cravaram na nossa pele e a feriram até mais não. Numa viagem e numa espécie de balanço, hoje anotamos aqui, nestas páginas que são uma velhinha e constante carta de família a caminhar para os noventa anos, alguns apontamentos sobre a vida adormecida das nossas bandas filarmónicas lafonenses, algumas mais do que centenárias. Como ponto de partida, nesta amostra, olhámos para o ano de 2019 e encetámos um exercício comparativo. Constatámos que a regra, neste caso, não tem, infelizmente, excepções: todas as colectividades contactadas afinaram pelo mesmo diapasão e por uma pauta em branco. De concertos, arruadas, procissões, missas e outros espectáculos pouco ou nada há a constar. Tudo praticamente se finou quando a OMS viu que a pandemia tinha vindo para ficar em vagas sucessivas, o que viemos a comprovar, mais na segunda fase, duríssima e enormemente letal. Os doentes, os internamentos em enfermaria e cuidados intensivos e as mortes marcaram o triste compasso deste ano que passou, em Portugal desde o dia 2 de Março de 2020. Há um mês, os hospitais e as morgues mostraram imagens de terror e desilusão, que nunca mais seremos capazes de esquecer. No que à cultura diz respeito, sector que escolhemos para as nossas reflexões desta semana, muito se tem falado na sua dita alta roda. A todo momento e muito justamente, surgem as imagens e os testemunhos dos cantores, actores e mais gente do espectáculo a queixarem-se da rudeza destas temporadas em branco. Mas pouco ou nada ouvimos dizer acerca do que tem acontecido, por exemplo, com os grupos folclóricos populares e as bandas filarmónicas que fecharam portas e nunca mais vieram para a rua mostrar a sua qualidade, o seu trabalho e a tradição de animarem as nossas comunidades em todas as festas religiosas ou profanas. Até parece que não existem e que não sofrem a crueza desta época de Covid 19. No entanto, são uma marca cultural que muito nos honra e mais nos orgulha e que vivem em sufoco constante. Com despesas certas, tudo fazem para não caírem de vez. Resistindo contra estes ventos agrestes que roncam a uma velocidade de centenas de quilómetros por hora, aguardam que a tempestade amaine e que a acalmia as deixe continuar a pôr em prática o que muito bem sabem fazer. É isso que desejam e que querem que venha a acontecer rápida e duradouramente. Ontem, já era tarde. Uma caminhada pelas nossas Bandas Em cinco paragens que fizemos, tentando ter uma espécie de amostra, descobrimos que há cerca de 220 executantes com as pautas guardadas nos seus baús e mais de 80 alunos das escolas de música com as aprendizagens em banho maria, por mais esforços que algumas destas instituições façam em adoptar as novas tecnologias online, ou alguns ensaios presenciais, mas sempre com os condicionalismos que as condições sanitárias implicam. Festas? Nem vê-las. Já a caminho de Aveiro, em zona fronteiriça, parámos para falar da Banda Marcial Ribeiradiense, de Ribeiradio, Oliveira de Frades, que, no ano de 2019, abrilhantou 32 festas, as mais longe em Viana do Castelo e Mogadouro e em 2020 ficou-se apenas por um espectáculo ao vivo e uma experiência que correu mundo, a da música à janela durante muitos dos dias do ano em que a Covid veio ter, negra, connosco. Para 2021, com muitas situações apalavradas, até vindas da tradição, nada há ainda em concreto e teme-se que seja mais uma página em branco. Deste modo, cerca de meia centena de executantes estão quietos e calados e 27 alunos da Escola de Música ou têm aulas online, ou nem isso. Enfim, uma tristeza. No mesmo concelho, também a UMJA, da Sobreira, se viu sem nada das 25 saídas de 2019, deixando perto de 40 músicos a ver o que aí virá e os 10 alunos e aprendizes em modo de pausa sem fim. A agravar este panorama, até os amigos do alheio, num recente assalto, vieram tornar mais difícil esta quadra que a todos afecta. Entrando por Lafões adentro, batemos à porta da Filarmónica Verdi Cambrense, de Cambra, Vouzela, que, em 2019, fez 30 mostras públicas e notórias do seu valor, a mais distante em Viana do Castelo, sendo que, no ano de 2020, se teve de ficar por 4 concertos, dois deles pagos pelas Câmaras Municipais de Oliveira de Frades e do seu município. Juntou a estas actividades a edição de um CD, para perpetuar o seu reportório. Cinquenta executantes e 20 alunos tiveram de ficar por suas caasas. A vizinha Banda Filarmónica da Sociedade Musical, Cultura e Recreio de Paços de Vilharigues, com 30 actividades em 2019 e apenas 2 em 2020, recorda com saudade as idas, em tempos, a Malhada Sorda, na fronteira com Espanha, onde andava por dois dias e, de triste memória, as passagens por Vila Nova de Gaia. Mais de três dezenas de músicos e 12 alunos estão a ver no que vão dar as modas, tal como acontece com todos os seus colegas de tão nobre função e missão. Por sua vez a Sociedade Musical Vouzelense, de Vouzela, deixou para trás os 33 serviços de 2019 e os 4 de 2020, um deles ao mais alto nível, que foi o de ter ido Cantar as Janeiras ao Presidente da República no seu Palácio em Belém. Com 50 executantes e 12 jovens em formação, toda essa gente está parada e à espera que o brilhante comboio da música volte aos carris por onde anda há anos, muitos anos mesmo. Se temos de lamentar a falta que nos fazem estes contributos culturais, há que juntar a esta perda as muitas festas e animações das nossas populações que não têm lugar, os transportes rodoviárias que se não concretizam e as refeições que se não tomam, tudo isto numa roda a andar para trás em termos de desenvolvimento da economia. Esperando que este pesadelo tenha um rápido fim, que este ano de 2021 nos traga uma qualquer luz, nem que seja ao fundo do túnel. As nossas Bandas Filarmónicas agradecem e nós também. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2021

segunda-feira, 15 de março de 2021

Recuperar, resistir, desenvolver o Interior mas o PRR presta-lhe pouca atenção

Ao lermos, ainda que por alto e de raspão, o Plano de Recuperação e Resiliência, versão para consulta pública, tentámos encontrar grande semente de esperança para o futuro destes territórios de baixa densidade, este Interior continuadamente esquecido e, desta vez, para nossa infelicidade, parece que tal vai acontecer uma vez mais. Muito embora se fale em Coesão Social e Territorial, as grossas maquias saltam, de novo, para as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e uma estreita faixa do litoral, como sempre. Estas são lições que, a nível central, são de compreensão lenta e de reduzida aplicabilidade. Os capítulos da mobilidade são disso uma negra prova. Para aqui, as componentes florestais podem trazer alguma importância, mas tememos que a demora em tomar medidas adequadas leve a que tudo se perca pelo caminho. Temos uns pingos de confiança em que se lembrem de nós, mas gato escaldado de água fria tem medo. Vejamos um caso concreto: em vias de comunicação rodoviárias, que a UE até pode vetar, por achar que o nosso país já gastou, nesse capítulo, carradas e carradas de dinheiro, pouco se vê com destino a estas zonas: talvez umas obras na EN 16, de S. Pedro do Sul a Viseu, a ligação do IC 35 - Sever do Vouga/A25, do IP 3 aos concelhos do sul, o eixo rodoviário Aveiro/Águeda, a ligação ao Parque Industrial do Mundão, via EN 229, de Viseu oa Sátão e pouco mais. Gostaríamos de ver verbas substanciais em ferrovias de Aveiro a Salamanca, sentindo que o Porto de Aveiro, aspecto positivo, pode vir a ser contemplado. Precisando de que esse facto gere sinergias para estas nossas terras de Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul ( e tocamos nestas porque temos de lutar pelo que é nosso), se essa obra fundamental não avançar e não passar por aqui, vai tudo por água abaixo. Uma outra nota: no meio de tanta digitilização, a nossa preocupação vai para questões mais comezinhas, tais como a necessidade de ligar esse aspecto com a revitalização do nosso tecido social e económico e esta gente do campo merece que para ela se olhe neste PRR e noutros documentos estratégicos. Por último, já que tanto se fala em aeroportos, Monte Real deve entrar nessa equação, antes de se tomarem decisões finais... Que se não esqueçam de nós, é um favor que pedimos... Pensamos que se isso não acontecer, voltaremos a ficar para trás, muito para trás e isso mata-nos a todos...

sábado, 13 de março de 2021

Trio Odemira viu partir dois dos irmãos fundadores deste grupo de alegria musical...

Primeiro, morreu Carlos Costa, aos 80 anos. Cinco dias depois, juntou-se a esse triste destino o irmão Júlio Costa, com 85 anos de idade. De repente, o Trio Odemira ficou derrubado, sem os dois pilares essenciais da sua organização e continuação, em carreira brilhante, pelos tempos fora. Recordo esta formação musical com carinho e muita saudade. Sempre em habituei a ouvi-los na rádio e, mais tarde, na televisão. Diz-nos a Wikipédia que começaram como Duo em 1955, passando a Trio com a entrada de José Ribeiro (que os acompanhou durante 22 anos) e, posteriormente, com um outro de seus irmãos. "Rio Mira", " O anel de noivado" e " Ana Maria" são alguns de seus muitos êxitos. Obtiveram um disco de platina, mais de 140000 exemplares vendidos e seis de ouro, mais de 40000. Foram cantados por muitos outros artistas e correram meio mundo. Agora, em 2021, o castelo que construíram acabou por ruir. Mas uma certeza nos fica: a sua memoria perdurará para sempre. Obrigado...

sexta-feira, 12 de março de 2021

Henrique Veiga-Fernandes, cientista de Viseu, no combate à Covid

Cientista de Viseu no combate à Covid 19 Henrique Veiga-Fernandes dedica a vida à imunologia Com o sonho de vir a ser veterinário, Henrique Veiga-Fernandes saiu de Viseu para Lisboa, de onde partiu para uma carreira de sucesso, mais longe, por sinal, dos animais e mais perto dos homens (e mulheres), ao enveredar pelo fascinante mundo da investigação científica em redor dos vírus, da neuroimunologia e afins. Hoje, é Co-director em Investigação na Fundação Champalimaud. Vencedor do Prémio Pfizer em 2020, bolseiro da Fundação Chan Zucherberg, passou por universidades na Itália, Inglaterra e outras partes do mundo. Comendador da Ordem Militar de Santiago da Espada, a sua voz, sobretudo nestes tempos de pandemia, tem sido ouvida nas rádios e nas televisões e os seus trabalhos dissseminam-se aquém e além fronteiras. Numa entrevista que nos concedeu, começou logo por dizer que “... Nunca deixei a veterinária, nem a troquei pela ciência. Esta é que veio ter comigo. Foi no final do estágio, na licenciatura, que descobri esta paixão, este fascínio pela imunologia... “ Estava dado o mote para a conversa que se seguiu, depois das recordações de seus tempos de menino e jovem de Viseu e dos contactos familiares e sociais que recorda com saudade e que, agora, não lhes pode dar seguimento. Nem no seu S. João de Vildemoinhos. Visto pelos seus pares e pela comunidade em que navega como um renascentista sempre em busca do conhecimento e dos saberes, tentámos ir até à génese desta doença, que tanto dor tem causado e levado a tantos embaraços, prejuízos, mortes e doentes em todo o mundo. Posto perante a questão das respectivas origens, esclareceu que “ Tudo começou na China, só se não sabe ao certo em que localidade, muito embora se fale muito em Wuhan. De parte, descartando esssas teorias da conspiração até pela própria OMS, está a tese da sua construção laboratorial. Inclinamo-nos para uma possível ligação aos morcegos e, num processo complexo, a chegar à contaminação humana.” Procurando nós sabermos como é que a citada OMS (Organização Mundial da Saúde) veio daquele continente praticamente sem respostas capazes de desvendar como aqui se chegou, quando por lá andou em averiguações, disse “ ... Não nos podemos esquecer que essa Instituição é, simultaneamente, científica e política” , o que nos faz deduzir que foi esta última vertente que impediu que se fosse ao fundo da questão. Ao fazer-se uma viagem pelas mutações do vírus e suas variantes, logo frisou que nada neste mundo da virologia está parado, atacando em várias frentes, “... Desde logo, à procura das células em situação de maior fragilidade, estejam elas no cérebro, nos pulmões, ou nos rins e por aí adiante. Temos de ter em conta que temos um sistema inato e adaptativo e o vírus sabe disso, infectando e transmitindo-se de um hospedeiro para outro”. É esta sua característica de não viajar sozinho que justifica, concluímos nós, os sucessivos confinamentos, de modo a evitar contactos e crescentes propagações. O problema das vacinações Por estarmos em pleno processo de vacinação, com os contratempos que têm surgido, mais por culpa de falta de produção do que por deficiências científicas, Henrique Veiga-Fernandes foi peremptório em afirmar que “... Não havendo medicamentos antivirais eficientes, restam-nos os rectrovirais, mas que não curam, apenas travam a sua evolução. Acontece que o coronavírus não é um rectrovírus, pelo que está praticamente de fora dessa equação. No entanto, vêm sendo usadas com algum êxito algumas terapêuticas, tais como aquelas que se baseiam no remdesivir, usado no combate ao ébola, estando agora muito em cima da mesa a dexametasona e até já se fala no ivermectina, com que se combatem, por exemplo, os piolhos, ainda que sem ensaios clínicos comprovados. Logo, à falta de medicação comprovada, a solução está nas vacinas, com vantagens sobre quaisquer tratamentos. Erradicando a doença, são também profilácticas, protectoras individuais ou de grupo... “ Postos perante esta situação, veio-nos, de imediato, uma outra questão, que é da dificuldade em vacinarmos totalmente as diversas populações e as desigualdades que existem na sua distribuição. Realçando estas conclusões, acrescentou que “... Esse é mesmo um grave problema, uma gigantesca assimetria eticamente reprovável e muito preocupante. No entanto, há já respostas políticas como o Covax, um programa mundial, dirigido pelo nosso compatriota Durão Barroso, que visa colmatar essas dificuldades, porque temos de agir globalmente... “ Já agora quisemos saber a razão que leva a tanta discussão em termos das respectivas validações e a resposta veio-nos desta forma: “... Temos de começar por dizer que há duas famílias de vacinas, as atenuadas, mais resistentes ao ambiente, como as da Astrazeneca, e as de RNA, mais instáveis e a exigir maiores cuidados de conservação, manuseamento e transporte, implicando toda uma difícil logística, como as da Pfizer... “ Dada toda a controvérsia quanto à sua aquisição, Henrique Veiga-Fernandes mostrou-se altamente favorável às compras em grupo, via UE, como que condenando as fugas a esse sistema. Mostrou ainda que foi muito crítico do facto de se não ter começado por vacinar os maiores de 80 anos, congratulando-se com a sua inclusão, ainda que tardia, no esquema de prioridades. Entrando-se na hipótese e necessidade de um desconfinamento, referiu que “... Se trata de uma decisão política que deve ter em conta três variáveis – a ciência, a ética e a socioenomia. Precisamos de um grande equilíbrio, mas parece-me que nem sempre têm surgido as melhores decisões... “. De qualquer maneira, pôs a tónica na necessidade de “testar, testar, testar”, mas com os consequentes “rastreios, isto é, os inquéritos no terreno, identificando contactos e fazendo os encaminhamentos que se vierem a impôr(...), porque testar por testar não leva a lado nenhum... “ Por entre as múltiplas distinções que tem recebido, disse ser um privilégio trabalhar na Fundação Champalimaud, um centro de ciência por excelência, sendo, a nível global, o quarto mais importante em inteligência artificial, onde, além de outras funções, tem o seu Laboratório de Imunofisiologia, onde foram feitos os primeiros levantamentos serológicos, ou seja, a medição de anticorpos. A finalizar, sossegou-nos: a imunidade existe, é eficaz e vem a caminho. Aproveitou para mostrar, no entanto, outras preocupações, como as das doenças que ficaram por tratar e atender, dizendo que o próprio Financial Times coloca Portugal no primeiro lugar de excesso de mortalidade não-covid e isso não nos deixa confortáveis. A seguir à pandemia, temos pela frente novos desafios. E graves, muito graves, a muitos níveis... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2021

domingo, 7 de março de 2021

Em destaque, mulheres de Lafões...

Mulheres de Lafões em destaque A nossa homenagem em versão reduzida Quando estamos quase a comemorar o Dia da Mulher, oito de Março, resolvemos fazer aqui, nesta rubrica lafonense, um destaque de quem, sendo do sexo feminino, fez ou faz algo que mereça ser relevado. Infelizmente, como não podemos usar a técnica e a metodologia das antigas listas telefónicas, alargando a um vasto universo as referências a fazer, temos de ser contidos quanto àquilo que vamos escrever. Por isso, ficamo-nos apenas, com muita pena nossa, por uma boa meia dúzia de exemplos. Com um breve olhar sobre a nossa casa comum, este jornal “Notícias de Vouzela”, é pelos seus arquivos que vamos começar: fazemo-lo nas pessoas de Lucinda Carvalho e Lurdes Castelo, que já se não encontram entre nós e que nos fazem muita falta. Uma e outra destas mulheres pegaram na poesia e com ela nos deixaram tributos de homenagem às terras, paisagens e gentes com quem e onde viveram. Registaram essas suas emoções nas páginas do NV e, inclusivamente, em livros. Se Lurdes Castelo foi ainda nossa correspondente em Cambra, Lucinda Carvalho espalhou a sua arte em várias edições, a que a Câmara Municipal deu especial atenção, publicando “ Vouzela e seus encantos”. Sendo a morte algo com que nos deparamos, estas duas poetisas, infelizmente, já nos deixaram. Mas a sua obra ficou. Desse lado, lá no Além, também está a Maria do Carmo Bica, um poço de criatividade social e política, que partiu no ano passado, 2020. Recordando as muitas evocações que por aqui se fizeram, sempre poucas para retratar tudo quanto nos legou, temos a registar, aquelas que, ultimamente, falaram muito alto em homenagens que lhe prestaram a Junta de Freguesia de Campolide, Lisboa, e, mais recentemente, a Quercus, que criou uma nova plataforma – “BICA - Nova rede de projectos agro-ecológicos”, em que se pretende não esquecer o que a Carmo fez pela defesa do Interior e do mundo rural e dar-lhe continuidade pelos tempos fora. Quem ainda está connosco Já que estamos a falar do município de Vouzela e agora trazendo a estas páginas as mulheres com quem nos podemos cruzar em cada dia, passamos a indicar o nome de Lena Liz Dias (Helena Liz), a pintora que se notabilizou em Espanha e Portugal, autora de uma vasta e reconhecida obra, que tem percorrido várias épocas de criação artística com marca própria e imortal. Pelos diversos cantos do mundo, podemos tomar conhecimento com seus quadros, uns em colecções particulares, outros em instituições públicas, pelo que o seu testemunho nas telas bem pode ser observado e admirado por todos nós. Num percurso geográfico que pretendemos representativo da região de Lafões, damos agora um salto até ao concelho de Oliveira de Frades, para logo descobrirmos uma artista de teatro e cinema que, desculpem o desabafo pessoal, nos enche a alma de alegria e satisfação: falamos da jovem Inês Mariana Moitas, que a este mundo das artes muito tem dado de si mesma. E por inteiro. Nas telas cinematográficas, as suas participações nas películas “ Corrente”, “Estrada de palha”, “Vencidos da vida”, “Nu feminino” e o “Útimo condenado à morte” são alguns de seus trabalhos. Em teatro, entre muitas actuações, colocamos nestas linhas um seu projecto solidário, o “Dr. Palhaço”, que mostra bem o seu lado humano. A viver a fase difícil da pandemia, pela sua juventude e vontade de ir mais longe mais alto, a Inês Moitas ainda vai dar muito que falar. E bem, de certeza. Porque nem só de arte nos alimentamos, achamos por bem referir ainda a Luciana do Casal-Sejães, que, no seu restaurante, desde há décadas, tem deixado um selo de ouro na nossa gastronomia. O bacalhau é mesmo divinal e faz jus à fama que ostenta. Por último, mas nunca por uma qualquer ordem decrescente, antes pelo contrário, demos um salto até Manhouce, S. Pedro do Sul, para contactarmos com a diva das canções e da música, a nossa Isabel Silvestre, essa voz de ouro e de magia sem fim. Tanto dela se tem falado, mundo fora, em cada canto onde se aprecia a sua enorme e inesquecível arte vocal e sentimental. Num tempo em que está a comemorar os seus oitenta e riquíssimos anos, queremos terminar estes nossos registos, cantando-lhe (perdão, pensando em cantar que, à sua beira, somos uma pequeníssima areia!) os “Parabéns a você”, com um pedido: que nunca pare de nos encantar, cantando como só ela sabe... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Mar 2021

terça-feira, 2 de março de 2021

Do comércio para a vida social: lafonenses em Lisboa

Lafonenses em Lisboa com marcas neste jornal Vidas e obras que são um exemplo de sucesso CR Na vida de nossas terras, neste Interior com cheiro a maresia, há uma constante social que nos está apegada que nem uma lapa: as migrações. Sempre a sermos mais espaço de partidas que de vindas, salvo quando as forças diminuem e o retorno ao torrão natal fala mais alto, as grandes metrópoles e o estrangeiro sempre têm atraído as nossas gentes. Lisboa e o Brasil, primeiro, foram as grandes opções. Vieram, depois, a Europa e as Áfricas, num constante ir praticamente sem retorno. Numa escada ascendente, a marcha foi, muitas vezes, triunfal. Outras, nem tanto... Nestas próximas linhas, vamos aqui registar percursos de sucesso pessoal, profissional e social de se lhes tirar o chapéu. Nos casos de que vamos falar, há ainda um aspecto comum e que nos apraz referir, com gratidão e reconhecimento: na sua maior parte, deixaram vincados, nestas nossas páginas, os seus nomes dourados. Assim aconteceu com João de Almeida e Costa e o Eng. Mário Rodrigues do Cruzeiro, um e outro a passarem para livros vários de seus textos e testemunhos, de que nos orgulhamos de ter prefaciado em ambas as situações, “ À sombra do meu castelo, João Costa, edição pessoal” e “Momentos, Mário Cruzeiro, dado à estampa pela Casa de Lafões”. Por caminhos bem diferentes, o primeiro a trilhar as vias do comércio, desde marçano a patrão e proprietário, e o segundo a enveredar pelo seguimento de sua vida académica de engenharia electrónica e militar, um de Vouzela, outro de Oliveira de Frades, estes dois lafonenses, que infelizmente já nos deixaram, bem mostraram de que é feita a garra e a fibra dos nossos conterrâneos. Até por razões de idade, iniciaremos esta crónica com a vida de João de Almeida e Costa, natural de Vilharigues, nascido no seio de uma família com 18 irmãos. Por assim ser, logo ao sair da escola primária, foi buscar o sustento ao mundo do comércio, na vila-sede do seu concelho e, quatro anos depois, em Lisboa. Foi tal o seu amor a essas funções que, em poesia, assim escreveu, um dia: “... Ó tábuas do meu balcão/onde sempre trabalhei/já vos olho com saudade/inda agora vos deixei... “, registando ainda que, durante quatro anos, olhou para a estátua de Moraes Carvalho, de que se afastou para procurar outros horizontes. Confessou que, lá na capital, foi acolhido por Bernardino Marques, o “Pai dos Marçanos”, onde desempenhou funções na sua pequena mercearia. Passados alguns tempos a trabalhar por conta de outrem, viria a construir uma carrreira de sonho, fundando, sozinho, ou em parcerias, várias casas e firmas, como a Costa e Costa, na Rua do Grilo, também uma “escola” para muitos dos seus empregados, pagando na mesma moeda que tinha recebido, e ainda a Loja da Moda, o Café Imperial, o Café Namba, a Casa Imperial do Beato, as Pérolas do Beato e de Lafões, sendo também sócio da Sofapa – Sociedade Fabril de Panificação, Lda. Antes de avançarmos, devemos acrescentar que a vida no comércio começava com carradas de dureza, dores e dissabores, impondo muitos sacrifícios e lágrimas, desde o começo como marçano, uma espécie de novato ou de aprendiz, de pau para toda a obra, de cesto ao ombro, escada acima e abaixo, que nem sempre recebia as atenções devidas, muito pelo contrário. Chegar a caixeiro era um dos objectivos que todos almejavam, porque nesse posto já tinham direito a gravata e a estar ao balcão em diálogo com os clientes, terminando, em muitas situações, com a sua conversão em comerciantes por conta própria, como aconteceu com João Costa, como vimos. Isso era, porém, algo que nem todos conseguiam. Alguns deles, muitos, nem sequer ficavam por estas lides, optando por outras vias, como se viu, por exemplo, com António (Maria da) Silva, o célebre actor do Pátio das Cantigas e de outras outras culturais de vulto, que também dera os primeiros passos naquelas tarefas comerciais. Outros voos no meio de tudo isto Fazendo das lojas uma universidade da vida, tanta da nossa gente, que esteve ligada a este “NV”, veio a singrar até no mundo das letras e das vivências. Lembramo-nos, a talhe de foice, de Aires Alves Lopes, nosso delegado.correspondente durante muitos anos em Lisboa, Presidente da Direcção da Casa de Lafões, de João Costa, obviamente, que, nas nossas páginas, escreveu sob o lema de “`À sombra do meu castelo”, com muitos trabalhos, e, durante anos, qual Gonçalo Cadilhe dos anos 60 e 70, nos brindou com inúmeros relatos de viagens, que fez um pouco por todo o mundo, pela Europa toda, incluindo a ex.URSS, Marrocos, Canárias, Japão, Médio Oriente, EUA, Canadá, Tailândia, Irão, Líbano, Brasil, Madeira, Açores e tantos, tantos outros locais. Com descrições pormenorizadas, deixou-nos quadros reais que ainda hoje são um regalo de ler. Deveu-se a estes nossos conterrâneos e a muitos outros dos três concelhos de Lafões, Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul e Vouzela, deve frisar-se, a fundação do Grémio Lafonense (1911), de onde viria a sair a actual Casa de Lafões, a partir de finais dos anos trinta. Este nosso tributo a quem assim deixou obra não ficaria, por hoje, completo, se não falássemos de uma outra saudosa pessoa, o Eng. Mário Cruzeiro, que, anos a fio, nos brindou com sua refinada prosa e poesia. Com um percurso de vida bem diferente daqueles que temos vindo a relatar, houve uma nota muito comum: o carinho pelas suas e nossas terras e por tudo quanto as pudesse engrandecer. Desses seus escritos nasceu o livro “Pensamentos”, já referido, e que a Casa de Lafões entendeu por bem vir a editar. Pegando em textos da sua “ A face clara das coisas obscuras”, de “Nas rotas turísticas de Lafões”, da “Na periferia de Lafões” e muitos outros textos que foi escrevendo, parte de tudo isso ali ficou compilado. Engenheiro e militar, sobretudo como Professor, homem das letras e das tecnologias, nos anos 60 aventurou-se a fazer uma obra de vulto, a “Televisão”, que versa sobretudo as suas questões técnicas. Por serem quem forem, por terem sido parte desta família do “Notícias de Vouzela”, que se vai renovando, felizmente, aqui deixámos estes testemunhos. Bem merecidos, por sinal e são bem pouco, aliás... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Fev 2021