sexta-feira, 12 de março de 2021

Henrique Veiga-Fernandes, cientista de Viseu, no combate à Covid

Cientista de Viseu no combate à Covid 19 Henrique Veiga-Fernandes dedica a vida à imunologia Com o sonho de vir a ser veterinário, Henrique Veiga-Fernandes saiu de Viseu para Lisboa, de onde partiu para uma carreira de sucesso, mais longe, por sinal, dos animais e mais perto dos homens (e mulheres), ao enveredar pelo fascinante mundo da investigação científica em redor dos vírus, da neuroimunologia e afins. Hoje, é Co-director em Investigação na Fundação Champalimaud. Vencedor do Prémio Pfizer em 2020, bolseiro da Fundação Chan Zucherberg, passou por universidades na Itália, Inglaterra e outras partes do mundo. Comendador da Ordem Militar de Santiago da Espada, a sua voz, sobretudo nestes tempos de pandemia, tem sido ouvida nas rádios e nas televisões e os seus trabalhos dissseminam-se aquém e além fronteiras. Numa entrevista que nos concedeu, começou logo por dizer que “... Nunca deixei a veterinária, nem a troquei pela ciência. Esta é que veio ter comigo. Foi no final do estágio, na licenciatura, que descobri esta paixão, este fascínio pela imunologia... “ Estava dado o mote para a conversa que se seguiu, depois das recordações de seus tempos de menino e jovem de Viseu e dos contactos familiares e sociais que recorda com saudade e que, agora, não lhes pode dar seguimento. Nem no seu S. João de Vildemoinhos. Visto pelos seus pares e pela comunidade em que navega como um renascentista sempre em busca do conhecimento e dos saberes, tentámos ir até à génese desta doença, que tanto dor tem causado e levado a tantos embaraços, prejuízos, mortes e doentes em todo o mundo. Posto perante a questão das respectivas origens, esclareceu que “ Tudo começou na China, só se não sabe ao certo em que localidade, muito embora se fale muito em Wuhan. De parte, descartando esssas teorias da conspiração até pela própria OMS, está a tese da sua construção laboratorial. Inclinamo-nos para uma possível ligação aos morcegos e, num processo complexo, a chegar à contaminação humana.” Procurando nós sabermos como é que a citada OMS (Organização Mundial da Saúde) veio daquele continente praticamente sem respostas capazes de desvendar como aqui se chegou, quando por lá andou em averiguações, disse “ ... Não nos podemos esquecer que essa Instituição é, simultaneamente, científica e política” , o que nos faz deduzir que foi esta última vertente que impediu que se fosse ao fundo da questão. Ao fazer-se uma viagem pelas mutações do vírus e suas variantes, logo frisou que nada neste mundo da virologia está parado, atacando em várias frentes, “... Desde logo, à procura das células em situação de maior fragilidade, estejam elas no cérebro, nos pulmões, ou nos rins e por aí adiante. Temos de ter em conta que temos um sistema inato e adaptativo e o vírus sabe disso, infectando e transmitindo-se de um hospedeiro para outro”. É esta sua característica de não viajar sozinho que justifica, concluímos nós, os sucessivos confinamentos, de modo a evitar contactos e crescentes propagações. O problema das vacinações Por estarmos em pleno processo de vacinação, com os contratempos que têm surgido, mais por culpa de falta de produção do que por deficiências científicas, Henrique Veiga-Fernandes foi peremptório em afirmar que “... Não havendo medicamentos antivirais eficientes, restam-nos os rectrovirais, mas que não curam, apenas travam a sua evolução. Acontece que o coronavírus não é um rectrovírus, pelo que está praticamente de fora dessa equação. No entanto, vêm sendo usadas com algum êxito algumas terapêuticas, tais como aquelas que se baseiam no remdesivir, usado no combate ao ébola, estando agora muito em cima da mesa a dexametasona e até já se fala no ivermectina, com que se combatem, por exemplo, os piolhos, ainda que sem ensaios clínicos comprovados. Logo, à falta de medicação comprovada, a solução está nas vacinas, com vantagens sobre quaisquer tratamentos. Erradicando a doença, são também profilácticas, protectoras individuais ou de grupo... “ Postos perante esta situação, veio-nos, de imediato, uma outra questão, que é da dificuldade em vacinarmos totalmente as diversas populações e as desigualdades que existem na sua distribuição. Realçando estas conclusões, acrescentou que “... Esse é mesmo um grave problema, uma gigantesca assimetria eticamente reprovável e muito preocupante. No entanto, há já respostas políticas como o Covax, um programa mundial, dirigido pelo nosso compatriota Durão Barroso, que visa colmatar essas dificuldades, porque temos de agir globalmente... “ Já agora quisemos saber a razão que leva a tanta discussão em termos das respectivas validações e a resposta veio-nos desta forma: “... Temos de começar por dizer que há duas famílias de vacinas, as atenuadas, mais resistentes ao ambiente, como as da Astrazeneca, e as de RNA, mais instáveis e a exigir maiores cuidados de conservação, manuseamento e transporte, implicando toda uma difícil logística, como as da Pfizer... “ Dada toda a controvérsia quanto à sua aquisição, Henrique Veiga-Fernandes mostrou-se altamente favorável às compras em grupo, via UE, como que condenando as fugas a esse sistema. Mostrou ainda que foi muito crítico do facto de se não ter começado por vacinar os maiores de 80 anos, congratulando-se com a sua inclusão, ainda que tardia, no esquema de prioridades. Entrando-se na hipótese e necessidade de um desconfinamento, referiu que “... Se trata de uma decisão política que deve ter em conta três variáveis – a ciência, a ética e a socioenomia. Precisamos de um grande equilíbrio, mas parece-me que nem sempre têm surgido as melhores decisões... “. De qualquer maneira, pôs a tónica na necessidade de “testar, testar, testar”, mas com os consequentes “rastreios, isto é, os inquéritos no terreno, identificando contactos e fazendo os encaminhamentos que se vierem a impôr(...), porque testar por testar não leva a lado nenhum... “ Por entre as múltiplas distinções que tem recebido, disse ser um privilégio trabalhar na Fundação Champalimaud, um centro de ciência por excelência, sendo, a nível global, o quarto mais importante em inteligência artificial, onde, além de outras funções, tem o seu Laboratório de Imunofisiologia, onde foram feitos os primeiros levantamentos serológicos, ou seja, a medição de anticorpos. A finalizar, sossegou-nos: a imunidade existe, é eficaz e vem a caminho. Aproveitou para mostrar, no entanto, outras preocupações, como as das doenças que ficaram por tratar e atender, dizendo que o próprio Financial Times coloca Portugal no primeiro lugar de excesso de mortalidade não-covid e isso não nos deixa confortáveis. A seguir à pandemia, temos pela frente novos desafios. E graves, muito graves, a muitos níveis... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2021

Sem comentários: