quarta-feira, 15 de março de 2023

Uma esquina em Março...

Numa esquina de minha casa/Olhando pela varanda uma ave que levanta a asa/Não me encosto à esquina/Nem passo pelas brasas/Mas meto-me pela paisagem fora/ E por ai me vou embora/ Que a vida é coisa fina/ E o presente a continuação de outrora// Aqui sinto-me bem no centro de Lafões/ A uns metros de distância/ Os Montes Lafão e Castelo/ Esses dois irmãos que são o nascimento e a infância/ Destas terras em que habito/E nelas medito/ Sobre a vida e sobre todos nós/ Vejo que, não estando sós/ Somos cada vez menos solidários/ E entre gentes e povos vários/Somos mais "eus" que nós// E isto é preocupante/ Quando o mundo anda em guerra agitado/ Este é mais ums instante/ Em que é triste o nosso fado/Resta-me o sol de Março florido/ A caminhar para o meio/ É presente bem mais que cheio/ Mas, vezes demais, muito dorido... /// Março, 16, 2023

segunda-feira, 13 de março de 2023

Carlos Lopes, uma estrela a brilhar bem perto de nós...

Uma estrela do atletismo daqui bem perto de nós Carlos Rodrigues Saiu de Vildemoinhos, um aglomerado populacional contíguo ao centro da cidade de Viseu e cheio de tradições, uma das maiores figuras do atletismo mundial. Chama-se Carlos Lopes (1947) e o seu nome está vincado em todas as partes do mundo, sempre que se fale em marcas cimeiras das corridas a nível mundial. Temos de confessar que, no ano de 1984, este nosso conterrâneo pôs em alvoroço a casa em que estávamos em férias na Torreira, em Agosto, quando, de madrugada nas nossas terras, venceu a maratona dos Jogos Olímpicos nos Estados Unidos da América. Português e cidadão distinto do nosso distrito, a alegria que nos ofereceu, naquela madrugada, não há dinheiro que a pague, nem da nossa memória jamais se apagará. Partindo da humildade de uma família que o fez arrancar na sua vida no duro mundo da construção civil, fracote de corpo, viu a sua equipa de Vildemoinhos, em que tanto gostaria de jogar futebol, recusar a sua entrada como jogador por ser assim tão franzino, muito embora carregado de muita força anímica para essa prática desportiva. Sem ter entrado nesse mundo dos campos de futebol pelas razões que acabámos de apresentar, o que se ganhou, de seguida, merece-nos todos os encómios e registos dignos de tantas e tão boas memórias: com conquistas atrás de conquistas, em atletismo puro e em corta-matos, este nosso Carlos Lopes chegou, viu e venceu, acabando por registar, em letras de ouro, prova a prova, a força dos seus argumentos desportivos sem espinhas. Perdido por um lado, triunfou por outro. Com um certo aperto do coração, há poucos dias ouvimos uma crónica na TSF, da autoria de Luís Osório, que fez soar todas as nossas campainhas de alarme. Aí se disse que se encontra bastante adoentado e, de certa forma, até um pouco esquecido de todos nós. Para evitar que os seus feitos se apaguem, eis esta nossa crónica em seu favor e homenagem, bem merecida e justa, bem digna da grandeza de seus muitos êxitos nas pistas e estradas por este mundo fora. Tudo isso não pode, nunca, passar ao lado da vida de quem tanto nos deu em alegrias e vitórias sem fim. Praticante, essencialmente, das modalidades dos 10000 metros e da maratona, em cada uma destas longas e duras áreas desportivas se sagrou, por diversas vezes, campeão indiscutível. Iguais resultados logrou obter no corta-mato, outro dos campos em que correu. Atleta do Sporting Clube de Portugal entre 1967 e 1985, foi, no entanto, sua grande camisola aquela que ostentava as cores de Portugal. O ano de 1976 foi aquele em que Carlos Lopes começou a ser mais conhecido e muito destacado na comunicação social de então. Assim, em Montreal, trouxe uma medalha de prata nos 10000 metros, ano em que, em Chepstow, subiu ao mais alto lugar do pódio, com uma medalha de ouro nos mundiais de corta-mato, marca que veio a conquistar, nesta mesma modalidade, em 1984 (East Rutherford) e em 1985 (Lisboa). Para atestar a riqueza de toda a sua vida ligada ao atletismo, ainda há bem pouco tempo, por alturas das comemorações dos seus 75 anos, o Comité Olímpico de Portugal levou a sua casa uma distinção especial. Foi aí que este nosso herói confessou: “ Comecei do nada e acabei acima do imaginário de toda a gente… Quis sempre mais e melhor… Agradeço a quem me ajudou… “. Como que “preso” na sua morada em virtude da falta de saúde que o apoquenta, quem tanto correu um pouco por todo o mundo, este cidadão de Viseu, Carlos Lopes, vê-se agora impossibilitado de apreciar a natureza, o mundo mágico, sobretudo na vertente de corta-mato, em que mostrou a sua força a genica para nunca quebrar e quase sempre vencer. Foi 10 vezes campeão nacional nesta modalidade. Foi ainda três vezes campeão mundial, sendo que, nessa mesma área, ajudou a conquistar sete taças dos Campeões Europeus de Clubes (Sporting). Trouxe também medalhas individuais em 1977 e em 1983. Antes, porém, em 1973, já tinha conquistado a Medalha Olímpica Nobre Guedes. Nos Jogos Olímpicos, foi, como dissemos em 1984, em Los Angeles (EUA) que atingiu o ponto alto da sua carreira, a Medalha de Ouro da Maratona. Teve como recordes pessoais nos 5000 metros, 13.16.38, em 1984, Oslo; nos 10000 metros, Estocolmo, em 1984, 27.17.48; na Maratona, Roterdão (1985), 2.07.12; 3000 metros com obstáculos, Lisboa (1973), 8.39.6. Mas para falarmos de todas as suas vitórias, quase se torna difícil fazê-lo, tantas elas foram em variadíssimas distâncias e lugares. Ostenta no seu valoroso peito as seguintes condecorações: Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique, 1977; Oficial da mesma Ordem, 1984; Grande – Oficial nesse mesmo ano e ainda Grá-Cruz, 1985, além de várias outras distinções… Com um palmarés invejável correu nos Jogos Olímpicos de Munique, 1972, em 5 e 10000 metros; Montreal, 1976; Los Angeles, Maratona, 1984; Campeonatos do Mundo, Helsínquia, 1983; Campeonatos da Europa, Helsínquia, 1971; Roma, 10000 metros; Atenas, 1982; Campeonatos do Mundo de Corta-Mato, País de Gales, 1976; Alemanha, 1977; Inglaterra, 1983; EUA, 1984 e Portugal, 1985. A nível nacional, são inúmeras as provas e os troféus alcançados. Sendo o mais velho de sete irmãos, começou a sua vida profissional, mal saiu da escola, como servente de pedreiro, passando a marçano e ajudante de ourivesaria na sua cidade natal, propendo sido ainda serralheiro. Foi também funcionário bancário e noutras instituições, como que a ter uma profissão que lhe permitia correr ao mesmo tempo. Com tantas provas disputadas por todo o mundo, aqui se registou um pouco de sua vida desportiva. Convém dizer-se, como curiosidade, que, pouco antes da Maratona dos EUA foi atropelado em Lisboa, mas nem esse contratempo o levou a desistir. Bem pelo contrário. Em compensação, trouxe daí a mais linda Medalha de Ouro da sua vida. Para que seja sempre recordado, em Lisboa o Pavilhão Carlos Lopes aí está para o provar. Também a Rotunda com seu nome em Viseu, paredes meias com a sua localidade, Vildemoinhos, pretende ter o mesmo efeito: evocação e memória. Merecendo todas estas e outras homenagens, Carlos Lopes atingiu, na nossa história desportiva e social, um lugar de elevadíssimo destaque. Esquecê-lo é impossível. Relembrá-lo como aqui estamos a fazer, um dever, um apetitoso exercício em favor de quem assim se comportou ao longo de décadas. Obrigado, Carlos Lopes, nosso ilustre conterrâneo distrital… In “Ecos da Gravia”, Fevereiro 2023

sábado, 11 de março de 2023

Há 75 anos discutia-se o folclore em Oliveira de Frades

Do folclore com problemas em Oliveira de Frades a novas obras na Misericórdia de Vouzela CR Estávamos no ano de 1948, quando, em Oliveira de Frades, uma reunião extraordinária da Assembleia Geral do Grupo Recreativo e Folclórico não conseguiu arranjar soluções para as desavenças e questiúnculas que se instalaram no seio dos seus associados, a meter em sarilhos a Direcção e os elementos do Grupo propriamente ditos. Como resultado, demitiram-se, nesse dia, os respectivos órgãos sociais. Entretanto, no vizinho concelho de Vouzela eram bem mais positivas as novidades que vinham da sua Santa Casa da Misericórdia, como veremos já de seguida. Deste modo, assinalaram-se, naquela Casa, os cem anos da inauguração do primeiro edifício propositadamente erguido para Hospital. É que, em 1841, atendendo às precárias condições que se viviam no então velho Hospital, instalado junto à Capela de S. Sebastião, a Mesa desse tempo decidiu avançar para a construção de umas novas instalações, com a respectiva primeira pedra a ser colocada em 28 de Janeiro de 1842. A certa altura, foi resolvido adquirir o amplo solar da histórica Casa da Cavalaria, por decisão testamentária da benfeitora D. Vitória Adelaide de Seixas Loureiro e Barros. No ano de 1948, assegurada que foi a necessária comparticipação do Estado, uma nova primeira pedra foi então colocada, desta vez com destino à ampliação e restauro das instalações que tinham sido erguidas muitos anos antes. Do relato dos acontecimentos de 1848, foi dito que, com o Provedor Gil Alcoforado de Azevedo Pinto Figueiredo, partiu da Igreja da Misericórdia um Cortejo até ao Largo de S. Sebastião, onde a bênção desse primeiro hospital esteve a cargo do Padre João Manuel do Vale, Arcipreste e Abade de Pinheiro de Lafões, findas que foram as obras que duraram seis anos. Acontece que, cinquenta anos depois, por ser pequeno passou para a Casa da Cavalaria. Por alturas de 1948, nova inauguração, esta já naquele mesmo local, com uma missa celebrada pelo Padre António Costa, tendo sido distribuído um bodo a 102 pobres, constituído por géneros alimentícios e pão de milho. Era Presidente da Comissão Municipal de Assistência o Dr. António F. Pinto Basto de Figueiredo. O Estado entrou com 248 contos e da Sub-Secretaria de Estado da Assistência foram recebidos 20 contos. Já que estamos a falar de “coisas” novas, também na vila de S. Pedro do Sul se inaugurou a Escola Feminina, em cerimónia presidida pelos Presidente da Câmara Municipal, Dr. Abel Poças de Figueiredo. E em Santa Cruz da Trapa, foi erguido um busto em homenagem ao Comendador Agostinho R. Valgode. Já em Queirã, anunciou-se que seria realizada uma feira nas terceiras quintas feiras de cada mês. Nesta mesma freguesia, para ser aplicado nas obras do CM de ligação entre a ponte da Igreja e a EN 337, recebeu a respectiva JF o montante de 37200$00 e viu-se reforçada em mais 21850$00 a verba de 64400$00 que fora destinada a obras na Igreja Paroquial. Entretanto, com a cantina escolar de Vouzela a ter gerado uma receita de de 13957$50 e uma despesa de 8599$70, foi aqui realizada uma festa escolar com a atribuição do Prémio Benjamim Costa, constituído em memória de seu filho, Serafim Costa, no valor de 100$00 para dois rapazes e duas meninas pobres e, vindo de um anónimo, o montante de 50$00 para o melhor aluno da 3ª classe (de recordar que, nesta época, era essa a escolaridade obrigatória para as meninas). Em matéria de ensino, o concelho de Vouzela viu serem aprovados 215 alunos nos exames do 1ºgrau e 88 no segundo grau, sendo, destes, 33 com distinção. Hoje, da educação as notícias seriam seguramente outras, mas não podemos deixar de relevar a mobilização da sociedade civil de então que à causa das escolas e dos alunos dedicava particular atenção em muitos dos seus sectores. Um exemplo a ter em conta… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2023

As profissões que estão a morrer em Lafões...

Profissões em morte anunciada e outras que aparecem Carlos Rodrigues Neste mundo que não deixa de girar sempre à volta e de nos surpreender, basta olharmos para trás para logo vermos que muitas profissões de antigamente, e algumas nem tão velhas como parecem, se despediram de nós e, talvez, nunca mais voltem. Morreram. Nesta infernal lista de partidas sem retorno, lá vemos despedirem-se de nós os ferradores, os capadores, os ardinas, as lavadeiras, os aguadeiros, as varinas e quase vão no mesmo sentido os engraxadores, as telefonistas, os portageiros (que nem sequer foram criados há muito tempo, sendo fruto dos autoestradas bem recentes), os velhos resineiros, os alfaiates tradicionais, os barqueiros da chamada de margem para margem e até os merceeiros de esquina e bairro, que, de livro na mão, atendiam as clientes e já adivinhavam que era para apontar, os amoladores e até os fotógrafos de velha guarda. Nascem os programadores e afins, mas a mão de obra dos tempos de outrora em muitos dos ofícios que muitos de nós ainda conhecemos, os de calos na mão, esses, talvez nunca mais voltem… Por estas nossas bandas, em missões que já, praticamente, se finaram, recordam-se o ferrador do Bairro da Ponte, S. Pedro do Sul, pertencente à conhecida família Portelo, que tanta fama alcançou, os capadores das Termas, Manuel de seu nome, o Luís e seu filho António de Cambarinho, o Adriano Baptista, de Arcozelo das Maias, entidades essas que não se limitavam apenas ao seu trabalho específico, mas ajudavam os produtores de gado( vacas e outros animais), em questões de saúde e nos seus casos mais ligeiros. Também nos deixaram o Aires Sapateiro, da Feira, Reigoso, o Adelino Cesteiro, da Sobreira, o Mário Alfaiate, o Valdemar Barbeiro, do mesmo lugar, o António Ferreiro, da Ponte, o comerciante Amadeuzinho, de Oliveira de Frades, aquele que tinha pregos misturados com arroz, salvo seja, mas que, a nosso pedido, logo nos trazia o produto desejado, o Barbeiro Celso Giestas, de Vouzela, sendo que, neste último caso, honra nos seja, estão a despontar novas e modernas casas que primam pela qualidade e pelo bom gosto, diga-se a propósito, porque é justo que estes elogios se teçam. Uma a uma, assistimos à morte de velhas e tradicionais casas comerciais e até as ancestrais tascas se vêm evaporando e que eram, à sua maneira, centros culturais e agências noticiosas de se lhes tirar o chapéu… Enfim, tudo muda e o mundo não é mais o que era. Com isto não queremos formular qualquer juízo de valor quanto a ser melhor ou pior, apenas pretendemos dizer que tudo é diferente e nada mais. Por exigências e contingências várias, finaram-se os lagares de azeite de Ribeiradio, o alambique de Entráguas/Reigoso, os foguetes de Santa Cruz, Arcozelo das Maias e quantas instituições de “autêntico serviço” público deixámos, irremediavelmente, para trás. Ganhámos uns tantos centros comerciais, mas as nossas terras e suas ruas perderam o brilho e a vida de outrora. Estes nossos lugares estão muito mais tristes, ainda que o brilho das luzes esteja agora nos citados grandes, gigantescos centros comerciais. Mas não é, nunca, a mesma coisa. Nunca. Estas ideias abeiraram-se de nós quando nos lembrámos do velho ferra dor do referido Bairro da Ponte. Passámos, depois, a trazer mais uns exemplos e o quadro ficou cada vez mais negro. Olhámos, então, para os sistemas de transportes desses recuadas épocas e logo descobrimos um mundo equestre em movimento, aí entrando a necessidade de reforçar e proteger os cascos dos cavalos e mulas, dotando-se esses animais das necessárias ferraduras. Tão importante elas são (foram) que originaram até um ditado popular ainda tão em voga: dar uma no cravo e outra na ferradura, atitudes que sempre nos têm vindo a “perseguir”… Com a procissão das mudanças sociais a ainda não ter saído do adro, diz quem sabe que a chegada da inteligência artificial, aquela que tenta copiar mesmo a mente e as emoções humanas, vai devastar mais o tecido social e económico que, por ora, ainda vivemos. Amanhã, repetimos, diz quem sabe que outro mundo aí virá. Cá estamos à sua espera, expectantes, mas com a esperança de que “isto” não vai desabar de todo. Desde a Revolução Industrial para cá foram tantas as mudanças e, afinal, por cá vamos andando. Agora, partimos para esse “novo mundo” e logo se verá, mas que temos de nos irmos preparando, a fundo, lá isso temos. Sem apelo, nem agravo… In “ Notícias de Lafões”, Março 2023