sábado, 28 de janeiro de 2023

Dizem que Viseu vai ter comboio de alta velocidade, mas não se sabe quando...

Comboio em Viseu talvez daqui a décadas CR Se tudo correr como foi ventilado pelas últimas promessas dos finais do ano de 2022, aqui há uns dias, a nossa capital do distrito, Viseu, vai voltar a ter a vinda e a passagem de comboios até ao ano de 2050, em meados do século que estamos a viver. Que eternidade, meus Senhores! No entanto, é isso que temos em cima da mesa. Falamos, hoje, para daqui a duas gerações mais coisa, menos coisa. Dito de outro modo, registamos estas reflexões com a noção clara (Deus queira que nos enganemos!) de que não vemos ter contacto com essa realidade. Uma tristeza, meus Senhores!... No entanto, desde 1890, esta nossa cidade andou de mãos dadas com os vagões e as máquinas ferroviárias , quando a Linha do Dão, vinda de Santa Comba Dão, ali trouxe esses trambolhos dos carris de ferro. Décadas depois, no dia 5 de Setembro de 1913, uma outra via, a nossa do Vouga, ali chegou para, juntas, se unirem, anos a fio, em partidas e chegadas sem fim. Pelo meio, por ali se viveram viagens em malas de cartão para quatro guerras, duas delas mundiais, as de 1914-1918 e 1939/1945, a que temos de acrescentar a Guerra Civil Espanhola e a nossa bem portuguesa Guerra do Ultramar. Junta-se a todos estes fenómenos bélicos a triste sina do nosso êxodo para a Europa aí pelos anos 50, 60 e 70 do milénio anterior. Estação a estação, apeadeiro a apeadeiro quantas lágrimas salgadas do nosso Portugal por aqueles troços se derramaram!... Um dia, sem respeito por esta nossa história colectiva, em 1990, todos estes ciclos se fecharam. Morreram os comboios a vapor, faleceram as automotoras, quedaram-se os autocarros “ferroviários”entre as cidades de Viseu/Porto e Aveiro e tudo partiu para sempre. Das Linhas do Vouga e do Dão, apenas restam uma parte dos seus troços, agora convertidos, valha-nos isso, em ecopistas, uma nova moda de fazer turismo enquanto as vacas gordas connosco viverem. E quem dera que por muitos anos!... Com o Plano Ferroviário Nacional a contemplar uma série de melhoria das antigas vias e a construção de novas, ali se fala numa ligação em alta velocidade entre Aveiro e a Espanha, com passagens por Viseu e pela Guarda, a ponto de a distância entre as cidades de Lisboa a Madrid e Porto a essa mesma cidade ser vencida em três horas, um enorme ganho em tempo e em comodidade. Acrescenta-se que este tipo de projectos visa concorrer com a aviação e com as circulações rodoviárias. Em termos de panorama global, a dita alta velocidade vai atingir as dez maiores cidades do país com ligação ao país vizinho, o que para Fernando Ruas, Presidente da Câmara Municipal de Viseu e da nossa CIM, é um bom prenúncio porque a capital do nosso distrito está englobada nesse pacote de localidades. Daí que, quanto a este ponto, tenha manifestado a sua concordância e até um certo regozijo. Contesta é o prazo apontado para 2050. Considera – disse-nos – que podiam e deviam dar-lhe outra oportunidade mais próxima da actualidade. Se for aquele o limite estabelecido e esticado até ao fim, o comboio chegará tarde demais a Viseu, só lá para as calendas gregas. Tendo vindo a levantar a sua voz em diversas situações e contextos, pede mesmo à sociedade civil e política que se mobilize em torno desta causa fundamental para o futuro colectivo de todos nós e das gerações vindouras. A Câmara a que preside vai tomar posição pública nesse sentido e porá na CIM esse mesmo tema para uma acção em conjunto dos municípios que a constituem. Lança uma farpa a quem nos governa e a quem, no distrito, representa, de certa forma, parte da maioria que sustenta o poder executivo. Aliás – acrescentou – em diversas ocasiões ouviu das entidades governamentais que esta é uma promessa para cumprir. Como no Plano em causa há outras hipóteses, Fernando Ruas considera totalmente legítimo que, por exemplo, Trás-os- Montes se esteja a movimentar no sentido de lutar pela passagem de uma via pelo seu território. Aceita, de bom grado, que isso venha a acontecer, mas nunca à custa da solução Aveiro/Viseu/Guarda/Espanha. Isso, categoricamente, nunca. Constituindo nós um vasto território em zona desfavorecida, é mais do que justo que o comboio de alta velocidade nos venha a atingir favoravelmente e quando antes, frisou. Para mostrar quanto Viseu reclama este investimento, o PDM já lhe consagrou um espaço para estação (Repeses) e o respectivo corredor ferroviário. Com este instrumento legislativo local e outros de nível mais elevado, em termos de gestão do território, como o PNPOT, não será por falta de visão estratégica que ficaremos sem carris e sem comboio. Falta, no entanto, o melhor: ver a obra a andar… Como não podemos passar mais de 10 000 e duzentas noites a sonharmos com este meio de transporte, deseja-se que ele apareça já num amanhã bem mais próximo. Sendo um acto de justiça, é um direito das nossas gentes e uma espécie de compensação por tanto que temos perdido ao longo dos tempos… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Janeiro 2023

Lutar contra o cancro, sempre...

Dia Mundial da Luta Contra o Cancro sempre pertinente Carlos Rodrigues No ano de 2000, no dia 4 de Fevereiro, em Paris, decorreu uma importante reunião , a World Summit Against Cancer for the New Millenium, com o objectivo de alertar a humanidade para a sensibilização do combate ao cancro por todos os meios. Com 10 milhões de mortes anuais em todo o mundo, esta é uma luta que merece e tem de ser travada em todas as frentes e tudo o que se faça nesse sentido é sempre pouco. Para assinalar essa data, nasceu o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro, a 4 de Fevereiro. Com a Comunidade Europeia e a Liga Portuguesa Contra o Cancro a tentarem agir sobre quatro pilares (prevenção, diagnóstico precoce, tratamentos e cuidados continuados), em sucessivas campanhas em todos os locais e a muitos níveis, é notória a mobilização das diversas comunidades e agentes locais, com destaque para as organizações concelhias, em acções diversas, nomeadamente peditórios. No panorama destas decisivas batalhas, importa que se fale nos Institutos e Serviços de Oncologia, onde a medicina e o humanismo, de mãos dadas, são um poderoso antídoto contra esta terrível doença que, no entanto, tantas vidas ceifa em todos os espaços do globo. Mas não são capazes de erradicar, para já, este flagelo. Porém, as notícias recentes dão conta de que mais de 1/3 dos casos de cancro pode ser evitado e outro terço até curado, se for detectado a tempo. Eis aqui um sinal de esperança, que se saúda, mas é pouco, muito pouco ainda, apesar de se poderem salvar 3.7 milhões de vidas por ano. União, trabalho colectivo, evolução dos cuidados médicos e farmacêuticos têm prosseguido um forte caminho no sentido de, quando se não pôde evitar esse mesmo cancro, se atenuar o sofrimento dos doentes e de lhes prolongar a vida com dignidade, respeito e um sentido de vida útil. Graças a todos esses factores, ter cancro, hoje, já não tem a carga destrutiva, física e psicológica, de há anos atrás. Mas, tem de ser dito, até para se não pararem as actividades em curso, que se continua a morrer e muito, infelizmente. 4 de Fevereiro, Dia Mundial da Luta Contra o Cancro. Cuidemos de nós, cuidemos dos outros e honremos a memória de quem o cancro nos levou, gente nova e mais idosa, dia a dia. Olhemos para o passado, mas, sobretudo, encaremos o futuro com a esperança possível… Para os anos de 2022 a 2024, está em vigor mais uma campanha, “ Por cuidados mais justos”, de modo a inspirar a mudança e a mobilização de todos nós. Colaboremos, então… In “ Notícias de Lafões”, Janeiro 2023

Ramalho Ortigão andou pelas Termas de S. Pedro do Sul

Ramalho Ortigão destacou a importância das águas termais Carlos Rodrigues Já lá vão mais de cem anos desde que o notável escritor Ramalho Ortigão (1836-1915) nos deixou. Porém, partiu com uma vasta obra escrita e muito pensamento e conhecimento oferecido aos seus contemporâneos e às gerações vindouras como as nossas. Um de seus importantes trabalhos tem por título “ Banhos de Caldas e Águas Minerais” e uma introdução de Júlio César Machado, onde se incluíram as “Caldas de S. Pedro do Sul”, sendo a primeira edição datada de 1875. Com uma intensa criatividade e participação cívica, a certa altura, por exemplo, em parceria com Eça de Queirós, dessa dupla saíram as Farpas, cheias de humor e crítica dura à sociedade de então. Para não divagarmos muito e irmos de encontro ao que hoje nos interessa, que é o mundo das águas termais, tão ricos delas somos aqui em Lafões, partamos para essa salutar viagem. Começa logo por nos dizer Júlio César Machado que “ Dantes o costume em Portugal, nos meses de Verão, era tomar ares. Quem fosse gente, tinha casa de campo e em Maio emigrava para a quinta, que era como se chamava a isso e ia espantar com as modas novas os habitantes tranquilos das circunvizinhanças… A vida moderna faz doenças novas, que encontram alívio no descanso e na distracção; distrair-se alguém em Lisboa de Abril a Outubro é difícil: as caldas conciliam tudo: mudança de ares, exercício ameno, banhos, copinho, peregrinação, entretenimento, “vita nuova”. Era indispensável adoptar este regime e o entusiasmo por ele está sendo sincero… As descrições estão escritas com uma elegância que faz crescer o desejo de visitar as localidades… Trata agradavelmente das nossas águas nacionais, águas portuguesas, e das paisagens, dos montes, das cascatas, dos rios, dos vales, de tudo o pode atrair, para ver se acabamos com a mania de termos maravilhas para não as , explorar, desdenhando o que é nosso… “ Declara então Ramalho Ortigão que “ Todo o banho tem sobre o organismo uma acção calmante, tónica ou sedativa… Portanto, a primeira coisa que importa fazer ao ir para as Caldas é consultar um bom médico… A obrigação do doente é aprender com o médico não só o que deve fazer, mas – principalmente – o que é preciso que não faça…“. Não esquecer que estes conselhos e considerações aqui descritos são do século XIX e revelam-se duma acuidade e pertinência actuais que chegam a espantar-nos. E continua: “ A mudança de alimentos, o exercício, a distracção são agentes poderosos para auxiliar em muitos casos o tratamento terapêutico. Por essa razão em todos os estabelecimentos de banhos se tem em vista distrair alegremente o doente… O tratamento termal compõe-se de três elementos igualmente importantes para a cura: as propriedades medicamentosas das águas minerais, os processos balneoterápicos e as condições higiénicas… “ Nesta sua análise, salta de Província em Província indicando, a seu ver, as caldas que pretende destacar. Na Beira, começa logo com as Caldas de S. Pedro do Sul e de uma forma deslumbrante, esfuziante mesmo, deste modo: “… S. Pedro do Sul, quando eu o vi, pareceu-me um verdadeiro paraíso. Foi há catorze anos. A Linha do Norte ainda não passava do Carregado para cima. Quem vinha do Porto a Viseu, ou deixava a estrada real de Lisboa em Albergaria e atravessava a Serra das Talhadas, ou cortava, em Oliveira de Azeméis pouco mais ou menos pelo Rego de Chave. Era este último caminho que eu tinha seguido… Ao chegar a S. Pedro do Sul eu descia, pois, de Manhouce. Tinha atravessado a Gralheira, a Farrapa, a Albergaria das Cabras e a Trapa, onde S. Bernardo fundara um convento de beneditinos. Dormia-se normalmente nos palheiros sobre um feixe de colmo, ou nas mesmas estrebarias, enrolado num cobrejão a um canto da manjedoura… Era em Setembro… Trazia a pele da cara dorida e os beiços gretados, quando ao cair da tarde cheguei a S. Pedro do Sul. Que refrigério! Que grande amenidade! Que brandura!... A povoação tem casas muito agradáveis e uma hospedaria, onde dormi em boa cama e em que me serviram um delicioso prato de pimentos com batatas e tomate, excelente vinho e uvas incomparáveis, as uvas de Viseu, que – para comer – são preferíveis às melhores do Douro… A água mineral rompe em grande jorro no sítio chamado o Banho… “ Fala depois na temperatura da água, nas nascentes, no sistema de resfriamento das águas, no antigo hospício militar e nas duas piscinas para enfermos abandonadas, aludindo aos banhos que ali tomou D. Afonso Henriques… Daqui partiu para o Luso, por certo, com óptimas recordações das Caldas de S. Pedro do Sul. Seja como for, as memórias que nos legou ainda hoje perduram e não mais se esquecerão… In “ Notícias de Lafões”, Janeiro 2023

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

De um Papa português à morte do Papa Bento XVI...

Falar de um Papa português na morte de Bento XVI CR Nos tempos em que viveu S. Frei Gil, o santo vouzelense que morreu em Santarém no ano de 1265, Portugal viu ser eleito um Papa português ( com o nome deJoão XXI), o cardeal e arcebispo Pedro Julião, mais conhecido como Pedro Hispano, natural de Lisboa, onde terá nascido nos primeiros anos de 1200 (?). Acabou por morrer tragicamente a 20 de Maio de 1277, após ter sido atingido, no Vaticano, pela queda de um tecto. Nestes dias, assistimos à morte do Papa Bento XVI, pelo que aqui estamos a fazer estas associações entre estes diversos factos. Ao começarmos pelas referências ao Papa João XXI, fazemo-lo por acharmos interessante para a nossa história local esta ligação a S. Frei Gil. Um e outro, foram médicos, padres, filósofos e até alquimistas e os dois frequentaram, em diferentes anos, a Universidade de Paris e a a sua área das artes. Começaram ainda os dois pelas escolas episcopais, a de Lisboa, Pedro Hispano, e a de Coimbra, S. Frei Gil, onde também passou pelo famoso Mosteiro de Santa Cruz. Qualquer um deles se relacionou com o Rei Afonso III, ainda que motivos algo diferentes. Se S. Frei Gil foi um notável Dominicano e seu grande responsável na Península Ibérica, Pedro Julião andou mais por outras altas esferas da Igreja, o que, um dia, o levou a ascender ao Papado em conclave fortemente conturbado e cheio de polémicas. Com efeito, de 19 de Agosto de 1276 a 20 de Setembro desse mesmo ano, foram acesas as discussões e contendas em Viterbo com a disputa entre dois pólos: por um lado as facções ligadas a Orsini e ao partido de Colloni e outras ao nosso Pedro Hispano, que veio a ser eleito nesse mesmo dia 20 de Setembro, adoptando o nome de Papa João XXI. Pelo meio, sucederam-se as ameaças e agressões fazendo com que o novo Papa tenha criado um tribunal especial para julgar quem assim se comportou. È de notar-se que, durante séculos, o Papado foi objecto desse tipo de contendas a envolverem interesses que iam muito para lá do mundo religioso, como aconteceu, por exemplo, na época dos Médicis, muitos e muitos anos depois de Viterbo. Se a eleição de Pedro Hispano foi atribulada, o seu curto pontificado de apenas cerca de oito meses não o foi menos. Com uma personalidade muito própria e vincada, dizem as fontes desses dias que acabava por receber, em audiência, tanto ricos como pobres, o que não agradava muito à gente que o rodeava. Dedicou-se ainda, para agravar os problemas, à diplomacia em favor da paz na França, na Germânia e em Castela, ao mesmo tempo que tentava promover a reunião, num espírito de conciliação, entre as igrejas ocidentais e orientais. Num curtíssimo período de exercício de suas funções pontifícias, quase sempre, pode adiantar-se, lhe fizeram a vida negra e os motivos para isso também não deixavam de aparecer em cada decisão que tomava: em terreno fortemente minado, até o facto de ter entrado em conflito com os Dominicanos (curiosamente, a Ordem de S. Frei Gil) teve iguais consequências. Em vida, lá por Roma, foram assim tumultuosos os seus dias, a ponto de se dizer que o tecto que sobre ele caiu e o conduziu à morte foi um acto provocado, talvez mesmo um frio assassinato, como, mais tarde, se veio a especular. Depois da morte, também o “sossego” não foi o seu forte, como nos diz J. Boléo-Tomé,andando de um lado para outros em sucessivos túmulos até que, em 2000, por acção da Câmara Municipal de Lisboa (João Soares) e do Episcopado, foi recuperada a pedra tumular com jacente antigo e colocada, finalmente, em repouso definitivo, em Viterbo, perto de Roma. Dante, o célebre poeta da Divina Comédia, o não esqueceu, colocando a sua alma no Paraíso, o que atesta a importância que o Papa João XXI, autor, entre outras obras, do “ Thesaurus Pauperum” (Tesouro dos Pobres), veio a conseguir por entre obstáculos e sucessos que foi tendo no seu pontificado. A terminar, aludamos ao Papa Bento XVI, o célebre Cardeal Ratzinger, nascido na Alemanha em 1927, e que faleceu no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano, em 31 de Dezembro de 2022. Tendo exercido o seu múnus papal entre Abril de 2005 e Fevereiro de 2013, tomou a iniciativa inédita na Igreja de ter abdicado. Passando por uma vida juvenil altamente complicada, tendo sido mesmo obrigado a inscrever-se no exército alemão, foi notável, muito mais tarde, o seu papel, como Cardeal e Professor, em termos teológicos e doutrinais. Viveu, em Roma, uma fase de transição entre dois Papas bem distintos: S. João Paulo II e o actual Papa Francisco. Finou-se agora de morte natural, ao contrário do português Papa João XXI, cuja causa apareceu de surpresa e envolta em mistérios sem fim… Um e outro merecem a nossa consideração e profundo respeito. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Vouzela” Janeiro 2023

Assistência social em Lafões e noutras paragens

Até a assistência social tem um tempo para renascer sempre CR Nesta quadra de evocações sociais mais acentuadas, que o Natal faz despontar em cada ano que passa, e quando a chuva nos convida a ficar em casa à lareira ou no remanso do lar familiar, deu-nos para vasculhar o montão de livros que por aqui andam, não se podendo falar (onde) aos tombos, mas algo colocados anarquicamente, descobrindo então um pequeno exemplar de “ A Santa Casa da Misericórdia de Viseu nos 500 anos das Misericórdias Portuguesas”, um trabalho coordenado pelo nosso saudoso Amigo, Júlio Cruz. Logo tomámos a decisão de nele pegarmos para escrevinhar umas notas para o jornal “Notícias de Vouzela”. Dito e feito. Sem quaisquer assomos de vaidade, temos de confessar, no entanto, que, neste campo, esta vila lafonense ganhou um lugar no pódio dessas Instituições centenárias bem acima da sede do nosso distrito. Deste modo, mal a Rainha D. Leonor criou a Misericórdia de Lisboa, em 1498, de imediato Vouzela, a 15 de Agosto desse mesmo ano, na respectiva Sé Catedral da capital do reino, vê ser-lhe atribuída tal distinção. Com esse passo, tornou-se uma das catorze primeiras Pias Instituições a nascerem em Portugal. Por sua vez, Viseu alcança este tipo de apoio assistencial e hospitalar vários anos depois, em 1516, iniciando as suas funções, em primeiro lugar, na área da assistência na saúde, com o Hospital das Chagas. Com efeito, rezam as crónicas que o primeiro Compromisso foi enviado para Viseu pelo próprio Rei D. Manuel I em 20 de Dezembro de 1516. Para cimentar a sua importância e vontade de se pôr em acção em favor dos mais fracos e desprotegidos, assim cumprindo as determinações das obras de Misericórdia, vem Viseu a escolher como sua sede uma casa com a designação da Capela no Soar, talvez em 1520, ali permanecendo por muitos e bons anos. De avanço em avanço, em 1842, entra em funcionamento o Hospital da Misericórdia, com o nome de S. Teotónio, que viria a durar como tal até ao ano de 1975, quando passou para a esfera do Estado, dando lugar, décadas depois, ao moderno e actual edifício com essas mesmas funções. Deve realçar-se que este pequeno livrinho não se fica por estes exemplos de assistência em tempos idos. A certa altura, elenca uma série de albergarias, onde se “acolhiam pobres, doentes, estropiados ou simplesmente viajantes”, que passamos a citar: Reigoso, 1195, Oliveira de Frades; Regueira (Viseu); Banho (Lafões); Moledo (Lamego); Aregos (Resende); Lamego; Ucanha (Tarouca); Manhouce (S. Pedro do Sul); Corga (Penalva do Castelo); Fagilde; Oliveira do Conde (Carregal do Sal); Lavradio (Lamego); Alcafache. Em termos de apoio na doença e na carência, existiam ainda as gafarias, para tratar dos leprosos, como a do Banho (Lafões), a de Viseu, a de Lamego, a de Aregos, a de Gafanhão e a da Gafanhoeira (Resende). Com fins religiosos e caritativos, tivemos ainda nesses tempos, as mercearias – não confundir com as da actualidade, que também estão em vias de desaparecimento – como a de Viseu e a da Corga atrás citada. Em hospitais, no ano de 1511, em Viseu existiam o da Rigueira e o de Cimo de Vila, desempenhando ainda essas funções a Albergaria de Reigoso, o Hospital do Moledo, o de Ucanha e o da Corga, sem esquecer o Hospital Real das Caldas de Lafões e aqueles que acabámos, em alusões anteriores, de citar. NOTA ESPECIAL – Ao falarmos destas associações de índole assistencial religiosa, apraz-nos referir que, dentro de dias, vai assinalar o seu terceiro centenário a Irmandade de PAÇOS de VILHARIGUES, em cerimónia oficial a seu tempo divulgada…. Porque isto da assistência tem sempre muito que se lhe diga, até chegarmos aos actuais sistemas, que não deixam de dar profundas inquietações e dores de cabeça, quanto à sua sustentabilidade e melhor uso possível, sabe sempre bem olharmos para aquilo que tivemos no passado e os exemplos aqui trazidos merecem-nos todo o respeito e consideração e para quem nasceu em Reigoso, onde a Albergaria reinou até aos anos de 1900, muito mais ainda. Muito mais mesmo, que isto das origens sanguíneas não se explica, sente-se e pronto… In “ Notícias de Vouzela”, 2022

É bom recordarmos sempre Amorim Girão...

2022, um bom ano para recordar o Professor Amorim Girão Carlos Rodrigues Falar-se do Professor Amorim Girão é sempre uma forma de melhor conhecermos as nossas terras tal foi o contributo, em modo científico, que delas nos legou. Pedra a pedra, monte a monte, rio a rio, em passeios bem programados e melhor executados, este nosso conterrâneo de Fataunços, nascido em 1895, tudo fez para colocar a zona de Lafões, a sua e a nossa, nos trilhos da ciência histórico-geográfica, a área em que se formou na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Sem internet, sem as novas tecnologias que hoje nos fazem entrar todo o mundo pelos olhos dentro, de lápis ou caneta em punho, anotava com pormenor e precisão tudo quanto lhe parecesse relevante para registar em termos de memória futura. Como bom exemplo no que se refere a esta nossa zona, duas de suas obras, entre as muitas que publicou, tiveram como pano de fundo o território que habitamos: em 1921, lançou o livro “ Antiguidades pré-históricas de Lafões” e, um ano depois, em 1922, avança com a sua tese de doutoramento “ A Bacia do Vouga…. “. Para assinalar esta efeméride, na Universidade de Coimbra, a sua casa e o seu ninho de investigação por excelência, foi-lhe prestada uma homenagem no passado dia 29 de Novembro, versando o tema “ Os mapas e o mundo de Amorim Girão” para assim recordar os cem anos da tese que então escreveu e defendeu com muito brio, numa evocação do homem e do académico destacado que foi no seu tempo. Precursor das ciências geográficas em Portugal, a sua “escola” veio a ter inúmeros seguidores e também vários detractores, que, como em tudo, nunca se agrada a toda a gente. Fica a consolação de sabermos que o nosso conterrâneo lafonense, que nunca enjeitou as suas raízes, muito pelo contrário, deixou um espólio de verdadeira dimensão nacional e até internacional na carreira científica que abraçou. Hoje, tal como ontem, é impossível fazer-se qualquer trabalho em que se pretenda caracterizar esta nossa zona sem se agarrar nos escritos de Amorim Girão, quer nos seus livros, quer até nos múltiplos apontamentos, desenhos e mapas que foi criando ao longo de toda a sua vida até falecer no ano de 1960. Se, em 2022, é a sua tese que motiva uma série de sessões que o têm por base, já em 2021, aqui se realizou a 2ª Edição das Jornadas de Arqueologia de Lafões, quase apenas para se retomarem as “ Antiguidades” que nesse ano de 1921 trouxe a público e que constituem, na actualidade, uma ferramenta essencial para quem se debruça sobre o estudo deste mesmo território, assim como, deve dizer-se, a “Bacia do Vouga”. Quanto à cidade capital do nosso distrito, também não quis ficar atrás e dela escreveu “ Viseu, estudo de uma aglomeração urbana, 1925”. Incluiu ainda o “Montemuro, a Serra mais Desconhecida de Portugal, 1940”. Ou seja, num curto espaço de mais ou menos 5 anos, “fotografou”, com o seu bisturi de cientista da história e da geografia, todo este espaço beirão. Com uma vastíssima obra, que versou muitas temáticas, incluindo propostas de divisão administrativa do próprio País, também a pedagogia da ciência a que devotou grande parte de sua vida foi objecto das suas preocupações, como se pode deduzir da obra “ Compêndio de Geografia para o Ensino Primário, 1934” e “ O Ensino da Geografia nos Liceus e Universidades, 1928”. Anos antes, logo em 1915, tinha editado “ Geografia Física de Portugal”, avançando pelos tempos fora a sua marcha por outros horizontes, mais de feição nacional. O lafonense e viseense de cepa quis assim mostrar a sua costela de cidadão universal. Dessa forma, pôs a circular o “Esboço de uma Carta Regional de Portugal, 1930”, a “Divisão Regional, Agrícola e a Divisão Administrativa, 1932”, as “Condições Geográficas e Históricas da Autonomia Política de Portugal, 1935”, o “Formulário Anotado do Registo Predial, 1937” e o “ Desenvolvimento do Estudo Geográfico em Portugal, 1870/1940”. Como professor e pedagogo que sempre foi, uma outra área da sua intensa laboração científica foi a da pedagogia, deixando-nos o “ Compêndio da Geografia para o Ensino Primário, 1934”, as “Lições de Geografia Humana, 1936” e, antes, em 1928, “ O Ensino da Geografia nos Liceus e nas Universidades” e o “Atlas de Portugal, 1940”, entre uma enorme amálgama de artigos e outras publicações diversas. Com uma carreira multifacetada, fruto de um intenso labor de pesquisa e investigação, nada lhe escapava e pouco ficava para trás. Num tempo em que o acesso às fontes tinha muito de labor e suor, andando de biblioteca em biblioteca e de arquivo em arquivo, e pouco vinha a ter às pessoas de mão beijada, a Amorim Girão se deve também algo da descrição da metodologia que adoptou para chegar ao relato dos temas e pontos que tinha em vista apresentar ao público leitor, que outro não existia por aquelas alturas, com uma imprensa incipiente, uma rádio sem ondas e uma televisão que ainda não tinha saído praticamente do berço da sua gestação. Na sua obra “ Antiguidades pré-Históricas de Lafões, 1921”, recorreu mesmo ao pormenor pitoresco no relato do modo como conseguiu partir para o campo, o chão privilegiado que Amorim Girão tinha para contactar com o objecto de sua análise. Um dia, estando numa adega com um grupo de amigos e conhecidos, tudo se veio a compor, para poucos tempos depois, partir para o terreno. São suas estas palavras: … “ E, entretanto, decorria Janeiro de 1917. Estávamos a 12 do mês, na festa de anos de meu querido conterrâneo e amigo Aurélio de Sousa Melo, e essa festa proporcionou-me ocaso feliz de, momentos antes do jantar, na adega, com a primeira denunciação de dois copos de óptimo Falerno, abordar o então professor primário de Ventosa, José Manuel da Silva, que conhecia bem a Serra do Caramulo e suas dependências…”. Disse ter aproveitado esse momento para lhe falar no único monumento reconhecido em terras de Lafões – o dólmen do Espírito Santo de Arca (Oliveira de Frades) – “explicando ao mesmo tempo o que eram esses monumentos, formas de facilmente se reconhecerem no campo e designações toponímicas que a eles se ligam… Falei-lhe de uma exploração que, havia pouco, tinha levado a efeito em duas mamoas junto do Crasto de Campia… “ A resposta vinda de seu interlocutor, o Professor José Manuel da Silva ( um amigo e companheiro que o haveria de apoiar sempre e em todas as circunstâncias, sobretudo quanto a passeios e deambulações pelas nossas serras), veio de imediato: “ … Anunciou-nos que um monumento da mesma natureza existia na Malhada de Cambarinho (Vouzela), outro no Ventoso, junto da sua Póvoa Pequena (Fornelo do Monte), acrescentando a esse já grande espólio arqueológico os restos despedaçados dum cavalo de pedra, no Monte Crasto (Covas), onde fora em tempos um padre fazer umas rezas para descobrir o tesouro encantado… “ Estava dado o mote para se perceber como é que o Professor Amorim Girão, o catedrático da Universidade de Coimbra, chegava a tantos e tão inóspitos sítios. A solo ou bem acompanhado, tantas vezes mais parecendo “um foragido político”, acrescenta que “ continuámos febrilmente na ânsia de descobrir novos restos dos tempos pré-históricos e de dar a conhecer, fazendo a sua publicação, que planeávamos para breve… “ Uma outra forma de chegar às fontes é-nos relatada por J. M. Pereira de Oliveira, seu ilustre a confesso seguidor na mesma Universidade de Coimbra, em “Lições de Geografia Humana”, em reedição da Câmara Municipal de Vouzela, no ano 2000. Diz-nos a certa altura: “ … Amorim Girão (…) lia muitos jornais e tudo o mais que lhe chegasse às mãos; anotava em verbetes de ocasião ou fazia os respectivos recortes do que achava curioso e, sobretudo, do que lhe parecia importante para a sua actividade de Professor de Geografia”… Dito tudo isto, concluamos: quem não tinha cão (internet ou afim) caçava com gato. E o certo é que o nosso conterrâneo de Fataunços, Professor Amorim Girão, saiu-se extremamente bem nas tarefas em que se meteu. A homenagem que lhe foi prestada em 1960, por ocasião da sua morte e funeral, em Coimbra, em Vouzela e Fataunços, em cujo cemitério repousa, mostra quanta consideração lhe devotava toda a gente que o conheceu ou que com ele conviveu. Cidadão e académico exemplar, dele Lafões se pode bem orgulhar e nunca o esquecer pelos tempos fora… In “ Ecos da Gravia”, Dezembro, 2022