quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

É bom recordarmos sempre Amorim Girão...

2022, um bom ano para recordar o Professor Amorim Girão Carlos Rodrigues Falar-se do Professor Amorim Girão é sempre uma forma de melhor conhecermos as nossas terras tal foi o contributo, em modo científico, que delas nos legou. Pedra a pedra, monte a monte, rio a rio, em passeios bem programados e melhor executados, este nosso conterrâneo de Fataunços, nascido em 1895, tudo fez para colocar a zona de Lafões, a sua e a nossa, nos trilhos da ciência histórico-geográfica, a área em que se formou na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Sem internet, sem as novas tecnologias que hoje nos fazem entrar todo o mundo pelos olhos dentro, de lápis ou caneta em punho, anotava com pormenor e precisão tudo quanto lhe parecesse relevante para registar em termos de memória futura. Como bom exemplo no que se refere a esta nossa zona, duas de suas obras, entre as muitas que publicou, tiveram como pano de fundo o território que habitamos: em 1921, lançou o livro “ Antiguidades pré-históricas de Lafões” e, um ano depois, em 1922, avança com a sua tese de doutoramento “ A Bacia do Vouga…. “. Para assinalar esta efeméride, na Universidade de Coimbra, a sua casa e o seu ninho de investigação por excelência, foi-lhe prestada uma homenagem no passado dia 29 de Novembro, versando o tema “ Os mapas e o mundo de Amorim Girão” para assim recordar os cem anos da tese que então escreveu e defendeu com muito brio, numa evocação do homem e do académico destacado que foi no seu tempo. Precursor das ciências geográficas em Portugal, a sua “escola” veio a ter inúmeros seguidores e também vários detractores, que, como em tudo, nunca se agrada a toda a gente. Fica a consolação de sabermos que o nosso conterrâneo lafonense, que nunca enjeitou as suas raízes, muito pelo contrário, deixou um espólio de verdadeira dimensão nacional e até internacional na carreira científica que abraçou. Hoje, tal como ontem, é impossível fazer-se qualquer trabalho em que se pretenda caracterizar esta nossa zona sem se agarrar nos escritos de Amorim Girão, quer nos seus livros, quer até nos múltiplos apontamentos, desenhos e mapas que foi criando ao longo de toda a sua vida até falecer no ano de 1960. Se, em 2022, é a sua tese que motiva uma série de sessões que o têm por base, já em 2021, aqui se realizou a 2ª Edição das Jornadas de Arqueologia de Lafões, quase apenas para se retomarem as “ Antiguidades” que nesse ano de 1921 trouxe a público e que constituem, na actualidade, uma ferramenta essencial para quem se debruça sobre o estudo deste mesmo território, assim como, deve dizer-se, a “Bacia do Vouga”. Quanto à cidade capital do nosso distrito, também não quis ficar atrás e dela escreveu “ Viseu, estudo de uma aglomeração urbana, 1925”. Incluiu ainda o “Montemuro, a Serra mais Desconhecida de Portugal, 1940”. Ou seja, num curto espaço de mais ou menos 5 anos, “fotografou”, com o seu bisturi de cientista da história e da geografia, todo este espaço beirão. Com uma vastíssima obra, que versou muitas temáticas, incluindo propostas de divisão administrativa do próprio País, também a pedagogia da ciência a que devotou grande parte de sua vida foi objecto das suas preocupações, como se pode deduzir da obra “ Compêndio de Geografia para o Ensino Primário, 1934” e “ O Ensino da Geografia nos Liceus e Universidades, 1928”. Anos antes, logo em 1915, tinha editado “ Geografia Física de Portugal”, avançando pelos tempos fora a sua marcha por outros horizontes, mais de feição nacional. O lafonense e viseense de cepa quis assim mostrar a sua costela de cidadão universal. Dessa forma, pôs a circular o “Esboço de uma Carta Regional de Portugal, 1930”, a “Divisão Regional, Agrícola e a Divisão Administrativa, 1932”, as “Condições Geográficas e Históricas da Autonomia Política de Portugal, 1935”, o “Formulário Anotado do Registo Predial, 1937” e o “ Desenvolvimento do Estudo Geográfico em Portugal, 1870/1940”. Como professor e pedagogo que sempre foi, uma outra área da sua intensa laboração científica foi a da pedagogia, deixando-nos o “ Compêndio da Geografia para o Ensino Primário, 1934”, as “Lições de Geografia Humana, 1936” e, antes, em 1928, “ O Ensino da Geografia nos Liceus e nas Universidades” e o “Atlas de Portugal, 1940”, entre uma enorme amálgama de artigos e outras publicações diversas. Com uma carreira multifacetada, fruto de um intenso labor de pesquisa e investigação, nada lhe escapava e pouco ficava para trás. Num tempo em que o acesso às fontes tinha muito de labor e suor, andando de biblioteca em biblioteca e de arquivo em arquivo, e pouco vinha a ter às pessoas de mão beijada, a Amorim Girão se deve também algo da descrição da metodologia que adoptou para chegar ao relato dos temas e pontos que tinha em vista apresentar ao público leitor, que outro não existia por aquelas alturas, com uma imprensa incipiente, uma rádio sem ondas e uma televisão que ainda não tinha saído praticamente do berço da sua gestação. Na sua obra “ Antiguidades pré-Históricas de Lafões, 1921”, recorreu mesmo ao pormenor pitoresco no relato do modo como conseguiu partir para o campo, o chão privilegiado que Amorim Girão tinha para contactar com o objecto de sua análise. Um dia, estando numa adega com um grupo de amigos e conhecidos, tudo se veio a compor, para poucos tempos depois, partir para o terreno. São suas estas palavras: … “ E, entretanto, decorria Janeiro de 1917. Estávamos a 12 do mês, na festa de anos de meu querido conterrâneo e amigo Aurélio de Sousa Melo, e essa festa proporcionou-me ocaso feliz de, momentos antes do jantar, na adega, com a primeira denunciação de dois copos de óptimo Falerno, abordar o então professor primário de Ventosa, José Manuel da Silva, que conhecia bem a Serra do Caramulo e suas dependências…”. Disse ter aproveitado esse momento para lhe falar no único monumento reconhecido em terras de Lafões – o dólmen do Espírito Santo de Arca (Oliveira de Frades) – “explicando ao mesmo tempo o que eram esses monumentos, formas de facilmente se reconhecerem no campo e designações toponímicas que a eles se ligam… Falei-lhe de uma exploração que, havia pouco, tinha levado a efeito em duas mamoas junto do Crasto de Campia… “ A resposta vinda de seu interlocutor, o Professor José Manuel da Silva ( um amigo e companheiro que o haveria de apoiar sempre e em todas as circunstâncias, sobretudo quanto a passeios e deambulações pelas nossas serras), veio de imediato: “ … Anunciou-nos que um monumento da mesma natureza existia na Malhada de Cambarinho (Vouzela), outro no Ventoso, junto da sua Póvoa Pequena (Fornelo do Monte), acrescentando a esse já grande espólio arqueológico os restos despedaçados dum cavalo de pedra, no Monte Crasto (Covas), onde fora em tempos um padre fazer umas rezas para descobrir o tesouro encantado… “ Estava dado o mote para se perceber como é que o Professor Amorim Girão, o catedrático da Universidade de Coimbra, chegava a tantos e tão inóspitos sítios. A solo ou bem acompanhado, tantas vezes mais parecendo “um foragido político”, acrescenta que “ continuámos febrilmente na ânsia de descobrir novos restos dos tempos pré-históricos e de dar a conhecer, fazendo a sua publicação, que planeávamos para breve… “ Uma outra forma de chegar às fontes é-nos relatada por J. M. Pereira de Oliveira, seu ilustre a confesso seguidor na mesma Universidade de Coimbra, em “Lições de Geografia Humana”, em reedição da Câmara Municipal de Vouzela, no ano 2000. Diz-nos a certa altura: “ … Amorim Girão (…) lia muitos jornais e tudo o mais que lhe chegasse às mãos; anotava em verbetes de ocasião ou fazia os respectivos recortes do que achava curioso e, sobretudo, do que lhe parecia importante para a sua actividade de Professor de Geografia”… Dito tudo isto, concluamos: quem não tinha cão (internet ou afim) caçava com gato. E o certo é que o nosso conterrâneo de Fataunços, Professor Amorim Girão, saiu-se extremamente bem nas tarefas em que se meteu. A homenagem que lhe foi prestada em 1960, por ocasião da sua morte e funeral, em Coimbra, em Vouzela e Fataunços, em cujo cemitério repousa, mostra quanta consideração lhe devotava toda a gente que o conheceu ou que com ele conviveu. Cidadão e académico exemplar, dele Lafões se pode bem orgulhar e nunca o esquecer pelos tempos fora… In “ Ecos da Gravia”, Dezembro, 2022

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