sábado, 28 de janeiro de 2023

Ramalho Ortigão andou pelas Termas de S. Pedro do Sul

Ramalho Ortigão destacou a importância das águas termais Carlos Rodrigues Já lá vão mais de cem anos desde que o notável escritor Ramalho Ortigão (1836-1915) nos deixou. Porém, partiu com uma vasta obra escrita e muito pensamento e conhecimento oferecido aos seus contemporâneos e às gerações vindouras como as nossas. Um de seus importantes trabalhos tem por título “ Banhos de Caldas e Águas Minerais” e uma introdução de Júlio César Machado, onde se incluíram as “Caldas de S. Pedro do Sul”, sendo a primeira edição datada de 1875. Com uma intensa criatividade e participação cívica, a certa altura, por exemplo, em parceria com Eça de Queirós, dessa dupla saíram as Farpas, cheias de humor e crítica dura à sociedade de então. Para não divagarmos muito e irmos de encontro ao que hoje nos interessa, que é o mundo das águas termais, tão ricos delas somos aqui em Lafões, partamos para essa salutar viagem. Começa logo por nos dizer Júlio César Machado que “ Dantes o costume em Portugal, nos meses de Verão, era tomar ares. Quem fosse gente, tinha casa de campo e em Maio emigrava para a quinta, que era como se chamava a isso e ia espantar com as modas novas os habitantes tranquilos das circunvizinhanças… A vida moderna faz doenças novas, que encontram alívio no descanso e na distracção; distrair-se alguém em Lisboa de Abril a Outubro é difícil: as caldas conciliam tudo: mudança de ares, exercício ameno, banhos, copinho, peregrinação, entretenimento, “vita nuova”. Era indispensável adoptar este regime e o entusiasmo por ele está sendo sincero… As descrições estão escritas com uma elegância que faz crescer o desejo de visitar as localidades… Trata agradavelmente das nossas águas nacionais, águas portuguesas, e das paisagens, dos montes, das cascatas, dos rios, dos vales, de tudo o pode atrair, para ver se acabamos com a mania de termos maravilhas para não as , explorar, desdenhando o que é nosso… “ Declara então Ramalho Ortigão que “ Todo o banho tem sobre o organismo uma acção calmante, tónica ou sedativa… Portanto, a primeira coisa que importa fazer ao ir para as Caldas é consultar um bom médico… A obrigação do doente é aprender com o médico não só o que deve fazer, mas – principalmente – o que é preciso que não faça…“. Não esquecer que estes conselhos e considerações aqui descritos são do século XIX e revelam-se duma acuidade e pertinência actuais que chegam a espantar-nos. E continua: “ A mudança de alimentos, o exercício, a distracção são agentes poderosos para auxiliar em muitos casos o tratamento terapêutico. Por essa razão em todos os estabelecimentos de banhos se tem em vista distrair alegremente o doente… O tratamento termal compõe-se de três elementos igualmente importantes para a cura: as propriedades medicamentosas das águas minerais, os processos balneoterápicos e as condições higiénicas… “ Nesta sua análise, salta de Província em Província indicando, a seu ver, as caldas que pretende destacar. Na Beira, começa logo com as Caldas de S. Pedro do Sul e de uma forma deslumbrante, esfuziante mesmo, deste modo: “… S. Pedro do Sul, quando eu o vi, pareceu-me um verdadeiro paraíso. Foi há catorze anos. A Linha do Norte ainda não passava do Carregado para cima. Quem vinha do Porto a Viseu, ou deixava a estrada real de Lisboa em Albergaria e atravessava a Serra das Talhadas, ou cortava, em Oliveira de Azeméis pouco mais ou menos pelo Rego de Chave. Era este último caminho que eu tinha seguido… Ao chegar a S. Pedro do Sul eu descia, pois, de Manhouce. Tinha atravessado a Gralheira, a Farrapa, a Albergaria das Cabras e a Trapa, onde S. Bernardo fundara um convento de beneditinos. Dormia-se normalmente nos palheiros sobre um feixe de colmo, ou nas mesmas estrebarias, enrolado num cobrejão a um canto da manjedoura… Era em Setembro… Trazia a pele da cara dorida e os beiços gretados, quando ao cair da tarde cheguei a S. Pedro do Sul. Que refrigério! Que grande amenidade! Que brandura!... A povoação tem casas muito agradáveis e uma hospedaria, onde dormi em boa cama e em que me serviram um delicioso prato de pimentos com batatas e tomate, excelente vinho e uvas incomparáveis, as uvas de Viseu, que – para comer – são preferíveis às melhores do Douro… A água mineral rompe em grande jorro no sítio chamado o Banho… “ Fala depois na temperatura da água, nas nascentes, no sistema de resfriamento das águas, no antigo hospício militar e nas duas piscinas para enfermos abandonadas, aludindo aos banhos que ali tomou D. Afonso Henriques… Daqui partiu para o Luso, por certo, com óptimas recordações das Caldas de S. Pedro do Sul. Seja como for, as memórias que nos legou ainda hoje perduram e não mais se esquecerão… In “ Notícias de Lafões”, Janeiro 2023

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