quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Padre Simão Azevedo, vouzelense e fundador da Companhia de Jesus....

Gente de Vouzela que pertence à grande História Padre Simão Rodrigues de Azevedo, fundador da Companhia de Jesus CR Homem da corte real, o vouzelense Simão Rodrigues de Azevedo (1510/1579) cedo evidenciou fortes dotes intelectuais e tanto assim aconteceu que, com uma bolsa da coroa portuguesa, foi estudar para o prestigiado Colégio de Santa Bárbara em Paris (1527), onde estabeleceu contactos com Santo Inácio de Loyola e com quem veio a fundar, com outros colegas, a célebre Companhia de Jesus. Esse feito colocá-lo-ia, de imediato, no pedestal da história a nível mundial. Pelo meio, teve algumas manchas, mas o seu nome não pode, nunca, desviar-se da importância que teve no percurso inicial desse poderoso esteio da Igreja a partir do século XVI. No estabelecimento escolar francês que foi frequentar pontificava o grande mestre, Diogo de Gouveia, o Velho, que dirigia o citado Colégio. Frequentando as Artes, obteve o grau de mestre, em 1536. Estudou também Teologia e foi ordenado sacerdote, com seus colegas de caminhada em Veneza, no ano de 1537, para mais facilmente virem a ser aceites como obreiros iniciais da Companhia, que fora então fundada, em 1534, por Inácio de Loyola, o francês Pedro Fabro, os espanhóis Francisco Xavier, Alfonso Salmerón, Diego Laynez, Nicolau de Bobadilla e o nosso conterrâneo Simão Rodrigues de Azevedo. Vivendo-se um agitado período na Igreja Católica, com a cisão Protestante, o Concílio de Trento impusera medidas duras de combate àquelas novas doutrinas e a Companhia de Jesus constituiu um seu poderoso braço forte em evangelização pura e no campo do ensino e da pedagogia, na fase da chamada Contra-Reforma. Depois de algumas hesitações, o Papa Paulo III, no ano de 1540, confirmou esta nova Ordem religiosa pela bula “Regimini Militantis Ecclesiae”. Estava assim dado o passo decisivo em que interveio, como sua pessoa forte, Simão Rodrigues de Azevedo, que se veio a notabilizar, como veremos adiante, pelas funções directivas que veio a abraçar. Antes, porém, entendemos que é hora de recuarmos até aos séculos XII e XIII para recordarmos um outro grande vulto da ciência (medicina) e da religião, também natural de Vouzela, S. Frei Gil. Tal como aconteceu no século XVI, também este Beato/Santo frequentara a alta roda do poder régio, vindo a obter o mesmo tipo de distinção, uma bolsa para estudar em Paris, depois de ter andado pelas escolas de Santa Cruz em Coimbra. Ligou-se aí aos Dominicanos e nessa Ordem foi elemento altamente destacado. Repetida em parte a história, o Padre Simão seguiu-lhe as pisadas alguns séculos depois, mas foi um pouco mais longe ao ter no seu curriculum o facto de ter sido um dos fundadores da Companhia de Jesus. Nesta Instituição, calcorreou diversos degraus desde o ponto de partida inicial até às viagens por Roma e outros locais, passando, já na fase da consolidação do projecto lançado, pelo seu contributo na fundação da Província em Portugal, de que foi o primeiro responsável, a pedido expresso do Rei D. João III. No nosso país, criou a primeira Casa em 1542, o Colégio de Santo Antão o Velho, um outro em Coimbra (1542) e de novo em Lisboa (1553). Dirigiu ainda o Colégio das Artes, naquela cidade (1555) e a Universidade de Évora (1559). Atendendo a estas datas e à futura ligação da Companhia ao Brasil, tendo esta cruzado com o nosso João Ramalho, em S. Vicente e em S. Paulo, de que foi um dos fundadores, é muito natural que as cartas enviadas pelo Padre Manuel da Nóbrega, jesuíta naquelas paragens e em choque, inicialmente, com o grande JR, tivessem alertado o Padre Simão, enquanto responsável em Portugal da nova Instituição, para essa figura vouzelense, seu conterrâneo, que tanto se notabilizava no Brasil e que tantos problemas suscitava à nova Ordem. Deve dizer-se que as queixas apresentadas tinham a ver com a sua vida pessoal e com o facto de viver com Bartira, o que era visto como algo que colidia com os princípios da Igreja, uma vez que se não sabia se sua esposa já teria morrido, ela que ficara por Vouzela quando ele partiu para o lado de lá do Atlântico. De preceptor de D. João III aos problemas diversos Subindo a nível muito alto na Companhia de Jesus, tendo sido seu primeiro Provincial em Portugal, em 1552, quando aqui se verificaram divisões internas, o Padre Simão foi nomeado Provincial de Aragão, Valência e Catalunha, o que enfureceu alguns de seus compatriotas. Seguiu-se uma fase negra na sua vida. Fruto de acusações de desobediência, viu-se condenado a não regessar ao seu país, penas que, em parte, Santo Inácio de Loyola vem a perdoar. Preceptor do Rei D. João III, assim como Damião de Góis, uma outra das questões de que é objecto, em condenação pública, prende-se com o facto de ter testemunhado contra este seu amigo, quando Damião de Góis foi julgado pelo Tribunal da Inquisição. Dizem as cópias do respectivo processo que o Padre Simão, em vez de o defender, ainda o ajudou, com seus argumentos, a condenar. Sendo este um peso que nunca mais deixou de carregar, para a História ficaram os seus muitos feitos notáveis, mas também esta nódoa negra. Importa que se diga que os pratos da sua balança de vida pendem muito mais para o lado das boas obras que para o das fraquezas que teve. Por tudo, Vouzela tem razões para se orgulhar deste seu Filho, que está sepultado na Igreja de S. Roque, em Lisboa, porque se instalou na Casa Professa da Companhia, em 1574, por alturas do seu retorno à pátria-mãe. Quanto à Companhia que ajudou a fundar, o seu papel é sobejamente conhecido até aos tempos em que o Marquês de Pombal a condenou e nos anos, mais tarde, em que voltou a ressurgir. Nos campos da evangelização, da ciência e da educação foi um grande expoente, ainda que com muitos erros pelo meio. O Padre Simão Rodrigues de Azevedo deixou nela páginas douradas e são essas que não podemos deixar de relevar. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Jan 2021

Presidenciais, a vitória de um homem só, Marcelo Rebelo de Sousa...

A vitória total de um homem só Marcelo venceu em todos os concelhos do país Caminhava-se para o fim da jornada eleitoral presidencial do passado dia 24, alta e chuvosa noite, e, ao volante de seu carro, o que víamos era um homem solitário, vindo de Cascais, de sua casa, para a Faculdade de Direito de Lisboa, onde iria proclamar a sua vitória. Tal como fizera durante a campanha, Marcelo Rebelo de Sousa apresentou-se assim, só, sem bengalas, sem apoios visíveis, e, no entanto, era o próximo Presidente da República, em mandato renovado com mais votos e mais percentagem do que em 2016, quando alcançou, pela primeira vez, o elevado cargo do mais alto magistrado da nossa nação. Eram sinais novos, ou nem por isso, que seguiam naquela viatura. Sozinho, carregava os destinos de um país em dor e feridas sangrentas, como bem frisou nas suas primeiras palavras após a sua significativa vitória. Como que a abrir as portas a um domingo de votação, contestado em muitos sectores por não ter sido adiado este acto eleitoral, que a Constituição (a precisar de ser revista e arejada) acabou por não permitir, o céu apresentou-se mais ou menos limpo e a chuva da véspera, forte e dura, deu lugar a um tempo mais ameno. Contrariamente ao muito que por aí se disse a respeito da possibilidade de uma abstenção monstruosa, tal, felizmente, se não veio a verificar. A afluência às urnas, sendo baixa e lastimável, não foi, no entanto, o desastre que muitos vaticinaram. Nem as trapalhadas surgidas, por exemplo, com os boletins de voto que traziam oito nomes para sete candidatos, uma falha que cheira a desleixo e má programação, impediram que os portugueses fossem votar, no cumprimento de um dever e de um direito cívico e de cidadania. Infelizmente, no entanto, muita gente ficou impedida do exercício deste acto, porque o quadro constitucional em que vivemos, obsoleto,como dissemos, impediu a votação electrónica ou por correspondência, o que fez com que muita gente, em tempos de pandemia e confinamento, não tivesse ido às urnas. Mais grave é ainda o facto de se dar hipótese de mais de um milhão e meio de compatriotas nossos, na diáspora, se terem inscrito nos cadernos eleitorais e, depois, se lhes tivesse praticamente negado a possibilidade de irem votar. Desta forma, até a abstenção, que reflecte toda esta gente como inscrita, fica bastante “aldrabada”, e é o termo meigo que escrevemos para não dizermos outras coisas bem piores. Saudamos, apesar de tudo, o voto em mobilidade antecipada que foi já, no meio de tudo isto, um bom passo em frente, Mas outros bem mais arrojados se impõem. Uma análise a estas eleições presidenciais Após este longo intróito e considerações, vamos agora, e em concreto, para uma observação mais cuidadosa e detalhada do que se passou, em votação, neste dia 24 de Janeiro de 2021. Se já dissemos que Marcelo Rebelo de Sousa ganhou em toda a linha, importa adiantar que, caso inédito, obteve a vitória em todos os concelhos do país, o que é obra e mostra quanto é aceite e estimado o candidato/Presidente. Mesmo em zonas de tradições bem diferentes, ninguém lhe levou a palma. Com algum grau de certeza, a sua pressagiada vitória não oferecia grande constestação e essas projecções consolidaram-se, reforçando-se até. Num quadro com sete candidaturas, três delas repetentes, Marcelo Rebelo de Sousa, Marisa Matias e Vitorino Silva (Tino das Rans), quatro eram uma novidade. Se o primeiro lugar não esteve, então, em grande discussão, outras disputas eram esperadas. Desde logo, a incógnita do segundo lugar manteve-se acesa quase até aos útimos momentos das contagens, com um forte taco a taco entre Ana Gomes (2ª) e André Ventura (3º). Como que se possa dizer, as candidaturas de João Ferreira (CDU) e Marisa Matias (BE) acabaram por desiludirem, mais estrondosamente MM. No pólo oposto, a irem para além do esperado, Tiago Mayan Gonçalves (IL) alcançou um patamar que, talvez, nem ele esperaria. Também Vitorino da Silva, um dos repetentes nestas andanças, apesar do seu último lugar, teve votações muito engraçadas em vários distritos. Como se poderá ver parcialmente, a partir dos quadros apresentados, André Ventura veio trazer factos novos para cima da mesa. Alcançando o segundo lugar em locais impensáveis, como, por exemplo, o Alentejo, os seus resultados ficaram muito longe, para cima, daqueles que obtivera nas Legislativas de 2019. Em Lafões, essa evidência é bem notória, como se pode ver neste exercício comparativo: Oiveira de Frades – O.69 % - 2019, 14.5 – 2021; S. Pedro do Sul – 0.62/11.1; Vouzela – 0.79/13.54. Extrapolando para a generalidade do país, talvez se possa adiantar que, em muitos outros municípios, tal acontece da mesma maneira. E este fenómeno requer uma atenção muito especial, daqui para diante. Para melhor se comprenderem estas linhas, convém que se atente aos quadros que se seguem. Nestas nossas terras, a nível concelhio, a votação mostrou este padrão comum: 1º - Marcelo Rebelo de Sousa; 2º - André Ventura; 3ª – Ana Gomes; 4º - Vitorino Silva (Tino das Rans); 5ª- Marisa Matias; 6º - João Ferreira; 7º- Tiago Mayan Gonçalves. Com 2533799 (99.91% dos eleitores) votos obtidos, mais que nas eleições de 2016, e ainda faltam apurar os resultados dos consulados espalhados por todo o mundo, Marcelo Rebelo de Sousa é o próximo Presidente da República para um mandato de 5 cinco anos. De seu discurso de posse, registamos estas palavras: .... “ Refazer laços desfeitos, quebrar barreiras erguidas, ultrapassar solidões multiplicadas, fazer esquecer as xenofobias, as exclusões, os medos instalados. Temos de recuperar e valorizar todos os dias as inclusões, as partilhas, os afectos, as cidadanias esvaziadas pela pobreza, pela dependência, pela distância... “ Disse. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan 2021

sábado, 23 de janeiro de 2021

Professor Martim Portugal, da nascimento em Oliveira de Frades à morte em Coimbra...

A morte do Professor Martim Portugal Natural de Oliveira de Frades, faleceu em Coimbra Com 85 anos, acabou de nos deixar, na cidade de Coimbra, o Professor Martim Ramiro Portugal Ferreira, casado com Maria Avelina Moreira e Silva Vasconcelos Ferreira e pai de Diogo, Luísa, Cláudia, Benedita, Manuel, Teresa e Mariana Ferreira. Natural da vila de Oliveira de Frades, com residência na Quinta do Couto, fez grande parte da sua vida e carreira académica naquela cidade. Doutorado em Geologia, foi nesta área que se notabilizou em Portugal e no estrangeiro, tendo sido docente de várias cadeiras, orientador de dezenas de teses de mestrado e doutoramento, presidente dos Conselhos Directivo, Pedagógico e Científico da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra entre muitas outras e diversificadas funções. Com uma grande dedicação à sua terra natal, passou os últimos tempos a estudar o Couto de Ulveira que tanto lhe dizia pessoal e familiarmente. Logrou conhecer esse passado, ainda anterior à nacionalidade portuguesa, e várias personagens e famílias importantes desses tempos medievais e destas terras de Lafões. Se esta era uma de suas actividades como que de lazer, aqui desenvolveu ainda alguns estudos nas suas áreas da geologia e águas, nomeadamente averiguando focos e pólos de poluição mais prejudiciais ao ambiente. Filho do Dr. Manuel Ferrreira Diogo e de Benedita Portugal e Melo, veio seu pai do Covelo de Valadares para a vizinha vila de Oliveira de Frades como Conservador do Registo Civil e Predial. Neste concelho foi Presidente da Câmara Municipal nos anos de 1908, 1911 e 1926/1928. Retomando a vida e obra do Professor Martim Portugal, é curioso verificar-se que, em jeito de graça e brincadeira, confessou à Newsletter de 2012, publicada pelo Município de Oliveira de Frades, que a sua carreira académica nasceu ainda na escola primária em Espinho e com uma moeda de $50, cinquenta centavos, que então ali recebeu como prémio e que o veio a acompanhar pela vida fora.Um dia, ao ter de escolher entre os cursos de medicina e engenharia, atirou a moeda ao ar e lá lhe calhou este último ramo científico, tendo começado pelo curso de Engenharia de Minas antes de enveredar pela Geoologia. Em constantes viagens pela ciência, andou pelos Estados Unidos da América, onde foi bolseiro, aluno e professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, pela Espanha, México, desenvolvendo trabalhos vários em S. Tomé e Príncipe, Angola, Arquipélago da Madeira e vários outros locais por esse mundo fora. Cidadão activo, foi deputado municipal em Coimbra e Presidente da respectiva Assembleia Municipal durante vários anos. Actualmente, era ainda Presidente da Assembleia Geral das Àguas de Coimbra, entidade que mostrou forte consternação com sua morte, igual atitude tomada, por exemplo, pela Associação Portuguesa de Geólogos. Se iniciou a sua caminhada universitária no Porto, foi em Coimbra que se fixou e onde acabou a sua licenciatura, bem como o doutoramento em Geologia, com 19 valores, no ano de 1967. Seria nesta cidade que encontraria o fim de sua vida, mas com uma importante obra a fazer perpetuar o seu legado e o seu espírito de cientista de alto valor e um notável gabarito a todos os níveis. Oliveira de Frades teve nele um de seus filhos ilustres. Coube-nos a felicidade de o termos tido como bom amigo e companheiro de acções várias, nos campos do seus saberes geológicos e, sobretudo, no seu grande apetite pela cultura e história de nossas terras. Curvando-nos perante sua memória, recordá-lo-emos para sempre. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Jan 2021

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Rocha e Melo, Oliveira de Frades, Vouzela e a CUF...

Rocha e Melo, uma família em muitas terras Da Casa da Cavalaria às Quintas de Torneiros e das Lamas CR Numa série de eixos regionais, a família Rocha e Melo cruza os seus caminhos e o seu destino por vários horizontes e altos voos. Entre os seus diversos elementos, um deles, o João Osório da Rocha e Melo, chegou a ser um pilar essencial de Alfredo da Silva, o homem e o empresário todo poderoso da CUF e outras unidades industriais. De um livro, intitulado “ Industrialização em Portugal no século XX.... “, mostra-se logo a sua ligação a Oliveira de Frades, quando aí se escreveu que por aqui passou “ em passagem... a fim de se reunir com seu pai e seu avô... “. Vem, porém, de longe, de muito longe, esta história familiar, como nos indica Luís Alberto Castanheira Fernandes Gouveia, na sua muito recente obra “ Oliveira de Frades – A terra ... e suas gentes, 2020”. Reporta as origens da Quinta de Torneiros, berço-mor destes cidadãos, à Quinta da Cavalaria, Vouzela, uma vez que aquela Quinta e aindas as da Devesa e do Couto tinham pertencido aos Almeida daquela nobre e senhorial Casa. Por outro lado, a certa altura, José Bento da Rocha e Melo, com o mesmo nome de seu avô, e filho de Manuel da Costa Pinto de Melo, além de ter construído a Casa dos Arcos (hoje propriedade de Armênio da Silva Florindo e que chegou a ser sede do Externato Lafonense) e uma outra, veio a adquirir a Quinta das Lamas, em Vouzela, casa onde viveu durante algum tempo de sua vida e terra em que foi Advogado. Tendo sido também Governador Civil de Santarém, foi ainda Conservador em Lisboa e Deputado por Viseu nos anos de 1906/1907. Há registos também, como o NV de 16 de Julho de 1959, que indicam que foi Deputado pelo Círculo Eleitoral de Lafões, de 1903 a 1908, o que faz alguma confusão em termos de acumulação de datas, sendo este um tema a rever. Na sua vasta carreira pública e privada, aparece em 1885 como 1º sócio fundador dos Bombeiros Voluntários de Vouzela, de que foi também o primeiro Presidente da Direcção e Comandante. Nascido em Oliveira de Frades a 17 de Julho de 1859, faleceu no ano de 1938. Numa ligação profunda entre os dois concelhos, Oliveira de Frades e Vouzela, esta família Rocha e Melo ramificou-se também para Arouca e, acrescenta Luís Gouveia, a própria pedra de armas da Quinta de Torneiros ali está na posse da Família Vaz Pinto. Regressando, de novo, à Quinta de Torneiros, sabe-se que, em 1824, vindo do Brasil, José Bento da Rocha e Melo, casado com Ana Joaquina Cronwell de Guilhon e Melo, aí se fixou como seu herdeiro, depois de ter sido Juíz de Direito e de Fora, em S. Luís de Maranhão no país-irmão. Nessa propriedade notável da vila de Oliveira de Frades, nasceu seu filho, já citado, Manuel da Costa Pinto de Melo (1824-1902), que casou com Inês Armênia de Portugal e Vasconcelos, apelidos que, desde logo, fazem sobressair fortes ligações a casas importantes do nosso país desses tempos e mesmo da actualidade. Mais tarde, José Osório da Rocha e Melo, filho de José Bento da Rocha e Melo (neto), acaba por herdar as referidas Casa dos Arcos e Quinta das Lamas, aqui tido também vivido durante algum tempo. Com Henrique Sommer, fundou a fábrica de cimentos Macieira-Liz. Falando na Família Sommer, ficou famoso o processo que nas últimas décadas do século XX a opôs a António Champalimaud, num assunto que ficou para a história como o “caso da herança Sommer”, objecto de enormes folhetins nos jornais e meios de comunicação social de então. A tentacular CUF e os Mellos Coube a João, casado com Maria Antónia Ottolino, outro dos filhos daquele José Bento, ficar com a Quinta de Torneiros, constituindo-se, ao mesmo tempo, “braço direito de Alfredo da Silva”, o todo poderoso fundador do Império CUF, tendo passado a integrar o seu Conselho de Administração, facto que se projectou nos seus familiares mais próximos pelos tempos fora. Recorde-se que os tentáculos da CUF, com sede no Barreiro, abrangiam o diversificado mundo dos adubos, sulfatos, gessos, cerâmicas, sabões, azeites, tecidos de juta, enxofres, moagens, óleos, tanoaria, serração, fiação, cordoaria, ácidos, metalúrgica, transportes, seguros, tabacos, estaleiros navais, etc, etc, num universo empresarial que muito contou com o contributo do genro de Alfredo Silva, Manuel Augusto José de Melo. Se a Quinta das Lamas é, hoje e em parte, um bom projecto turístico, a Quinta de Torneiros não passa, quanto ao edifício central e nuclear, dum monte de ruínas a ser referenciado como um “monumento desaparecido” no blogue que se tem dedicado a inventariar o património que vamos perdendo ao longo dos tempos. Note-se ainda que uma grande parte daquele espaço acabou por ser dividido em vários blocos e em lotes para construção, processo em curso mas que tem custado a ser concretizado. A finalizar, como salienta Luís Gouveia, cabe aqui uma palavra especial para o último Feitor desta Quinta, José Moitas, que tivemos o prazer de conhecer e com ele conviver, que foi peça importante na gestão desse vasto património, em Oliveira de Frades e mesmo em Vouzela. Desta forma, em destinos cruzados, assim se fez parte da história de umas casas que deixaram memórias e alguns amargos de boca, porque a perda desse património é algo que dói e rói cá por dentro de todos nós... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Jan 2021

David d'Almeida, de S. Pedro do Sul, doa espólio à FCG

David d´Almeida perpetuado em Lisboa Família de sampedrense doa seu espólio à FCG Carlos Rodrigues É vastíssima e reconhecida internacionalmente a faceta artística do saudoso cidadão de S. Pedro do Sul, onde nasceu em 1945, David d’Almeida, nos domínios da gravação e litografia. Durante anos, correu mundo, levando na mala a sua arte e o seu empenho em deixar obra feita. Um dos seus pontos altos, com significado amplamente local, foi a atenção que dedicou à Pedra Escrita de Serrazes que imortalizou à sua maneira. Com uma criação notável, morrendo prematuramente aos 65 anos, o seu espólio tornou-se algo de muito apreciado e bem digno de ser mostrado e preservado pelos tempos fora. Como herdeira desse valioso património foi a Fundação Calouste Gulbenkian, instituição que lhe deu a mão, como Bolseiro, numa fase determinante da sua vida, a quem sua família doou a documentação valiosa que deixou. Formado na Escola António Arroio, em Lisboa, estudou ainda no Atelier 17, em Paris, e na Goldsmiths University of London, Inglaterra, porque nunca quis deixar de aperfeiçoar os dons naturais com que foi dotado, pondo-os a render amplamente, como se comprova pelo legado que foi espalhando por toda a parte. Com colecções públicas e privadas a mostrarem-se em Portugal, França, Espanha, Suécia, Alemanha, Brasil, Macedónia, Iraque, Marrocos e outros territórios, podem ainda apreciar-se os seus trabalhos no Hotel Ritz, Lisboa, Centro de Saúde, Calheta, S. Jorge – Açores, Estação Conceição do Metro, S. Paulo – Brasil, Estação do Metro de Cabo Ruivo, Lisboa, diversos locais de Macau, Cabo Verde, Escolas Secundárias de S. Pedro do Sul, Vouzela e Oliveira de Frades, Madre da Fonte Termal, S. Pedro do Sul, Pedra Escrita de Serrazes, nesta mesma cidade, a par das suas obras na Vista Alegre e tantas mais que se podem encontrar noutros sítios e plataformas. Galardoado com várias distinções, destaca-se o Prémio Nacional de Gravura (1980), a Comenda da Ordem de D. Henrique, 1997, e a Homenagem Pública prestada pela Câmara Municipal de S. Pedro do Sul, no ano de 2015. Do espólio doado à FCG, são de evidenciar, por exemplo, as obras de arte, os manuscritos e anotações, desenhos e colagens, fotografias e negativos, maquetas diversas, segundo o que vem relatado por estes dias na comunicação social. Em complemento desta notícia, queremos dizer que, há anos, este mesmo jornal pôs em evidência a figura de David d’Almeida, entre um conjunto de personalidades que se pretenderam retratar para memória futura. Numa altura em que na cidade de Lisboa passa a ficar o seu tributo à arte, importa agora que as entidades locais estabeleçam a necessária ponte e parcerias, de modo a que a sua terra possa aceder à obra de um de seus mais notáveis criadores. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan 2021

Um poeta nascido em Manhouce, Gomes Beato

Um poeta das Beiras António Gomes Beato cantou e bem as nossas terras e gentes Carlos Rodrigues Saído da sua Manhouce, chão de tantos encantos e músicas, António Gomes Beato, professor e inspector do então ensino primário, hoje pomposamente chamado de primeiro ciclo, levou daquela terra serrana o gosto pela criação poética literária e nunca mais o deixou. Com as letras na ponta da caneta e na sua voz timbrada, em cada canto e em cada acontecimento ou personalidade via um motivo para mais uma criação. Pensamento e acção andavam, com ele, par a par. Com uma obra dispersa por muitos jornais e outras publicações, hoje pegámos em dois dos seus livros e com eles partimos à descoberta da nossa própria identidade: “Canções do Vouga”, 1990, e “ Lafões, a tradição e a lenda”, 1993. No primeiro, encontramos alusões poéticas à Madre Terra de Lafões, à Beira Alta, Lisboa, S. Pedro do Sul, Vouzela, a sua Manhouce, Oliveira de Frades, Termas, Rio de Janeiro, Serra da Gralheira, Tondela, Vilarinho, Santa Cruz da Trapa, Cambra, Valadares, Viseu e, entre outros, os seguintes temas: águas sussurrantes, bailado da neve, alegria e saudade, bodas de prata do orfeão português, serra agreste, boas festas e tocata dos Reis, amar os outros e fazer o bem, moinhos da minha terra, noite de Natal, Páscoa, Nossa Senhora de Fátima Peregrina, Rainha D. Amélia, centenário do poeta A. Correia de Oliveira, canto da despedida. Com um prefácio escrito pelo Engenheiro Mário Rodrigues do Cruzeiro, aí se podem ver partes do seu vasto curriculum, como a frequência do Liceu Alexandre Herculano do Porto, Colégio da Via Sacra, Viseu, Colégio João de Deus, também no Porto, e nesta cidade o curso do Magistério Primário (1944). Na sua carreira pedagógica, passou por funções docentes na sua aldeia, na Escola do Magistério Primário de Lisboa, pela Campanha Nacional de Educação de Adultos, avançando depois para Moçambique, para prestar serviço no Ensino das Missões na Diocese da Beira, como inspector e orientador pedagógico. Coube-lhe ainda a incumbência de fazer parte do Grupo de Estudos e Trabalhos para o Aperfeiçoamento do Ensino e na área dos Cursos de Formação de Professores. Passou também por Cabo Verde como Inspector Escolar da zona do Barlavento. A sua pessoa ficou associada à escolha de Manhouce para o concurso das Aldeias Mais Portuguesas (1938) e ao Rancho Folclórico nascido por ocasião desse evento, bem como a Tunas e Orquestras, vindo a ser também fundador do notável Grupo de Cantares de Manhouce (1977). Tornou-se sócio efectivo da Associação de Escritores de Gaia, Director da Casa da Beira Alta, Porto, cidade em que secretariou o Grupo de Estudos Brasileiros. Em “Lafões – a tradição e a lenda”, lemos os seguintes poemas e textos, além de outros: vamos à descoberta dos nossos valores, minhas Avós, orações, superstição, costumes do passado, cantares das nossas avós, canções de ninar, cantares das Romarias, cantares de Manhouce e Cambra, linguagem popular, adágios, adivinhas, parlengas, omomatopeias, usos e costumes tradicionais, contos e rimances, as lendas e Hino de Lafões. Ao estilo de jeito de apresentação, diz-nos que “ Cada povo guarda o seu próprio sinal, próprio e inalienável... São maravilhosas canções e poesias e tantas outras expressões de alma... São pias rezas e ensalmos,adágios e antifiguris, facécias e zombarias... São costumes e usos, artesanatos e trabalhos do campo, trajes e utensílios... São também as riquezas arqueológicas... (porque)... Ninguém pode amar sem conhecer... “ Por serem estes ricos espólios cheios de uma carga cultural transversal ao tempo e às nossas terras, anotemos meia dúzia de tópicos retirados dessas obras, como se segue. Em “Canções do Vouga” - “ Eis-nos aqui agora mesmo em frente/De Lafões, o torrão de mor encanto/Da nossa amada Pátria adonde, ó Anto/Queríamos ficar eternamente” - “ Da terra é que me veio quanto eu sou/O meu sangue, o meu corpo e condição:/Seiva que vem de longe em mutação/Sempre a ser renovada e me formou” - “ Minha Beira, meu altar/Minha chama de lareira/E meu berço de embalar/Minha carícia primeira” - “ Ó Casa de Lafões, nobre solar/ Da nossa gente. Ó ninho, ó lareira/Chama a aquecer a asa a acarinhar/Quem se achegar com frio à sua beira” Em “Lafões – a tradição e a lenda” - “ Daqui para minha terra/Tudo é caminho chão/Tudo são cravos e rosas/Dispostos por minha mão” - “ Quem tem filhos pequeninos/Sempre lhes há-de cantar/Quantas vezes as mães cantam/Com vontade de chorar” - “ A carta que me escreveste/Inda cá não chegou/Se me queres alguma coisa/ Fala-me qu’eu aqui estou” - “ Se choras por me aqui veres/Daqui me vou retirar/Se choras por eu te dever/Aqui estou p’ ra te pagar” Tanto, tanto mais há para por aqui ler. Isto foi apenas uma espécie de chamariz. A nossa cultura popular muito ficou a dever a António Gomes Beato, o poeta de Manhouce. Lê-lo faz-nos bem. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan 2021

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

As Casas do Povo nos anos 50 e 60: Pinheiro de Lafões

Casas do Povo e acção social Pinheiro de Lafões na linha da frente Nos primeiros dias do ano de 1958, em Pinheiro de Lafões dava-se um passo de gigante nos caminhos da acção social, saúde, cultura, recreio e desporto, ao entrar em funções a sua Casa do Povo, ainda que em instalações provisórias, na Casa Social Católica. Aos comandos desta instituição estava (e assim continuou por muito tempo) o notável empreendedor Celestino Ferreira Martins, apoiado pelo Padre Alberto Poças de Figueiredo e António Pinheiro de Almeida. No dia 1 de Janeiro desse mesmo ano, este jornal “Notícias de Vouzela” dava nota desse acontecimento, destacando o facto de, partir de tal momento, se poder contar com assistência médica, subsídios diversos e uma série de actividades colaterais nas áreas da cultura, desporto e artes. Num universo de 350 sócios efectivos logo à partida, abrangiam-se cerca de 1000 pessoas, com um orçamento anual de 28588$00, a permitir, entre outros pontos, apoiar 16 sócios inválidos com 50$00 por cada um, distribuir 6200$00 em medicamentos e 6700$00 noutro tipo de subsídios. Tanto mais é de relevar-se este novo equipamento quanto, por essa altura, a segurança social era uma espécie de miragem e algo de absolutamente extraordinário. Avulta, por isso, aqui a figura de Celestino Ferreira Martins, que, ao leme de uma intensa vida empresarial, tinha tempo, vontade e arrojo em aventurar-se por estas andanças, vindo a ser, de 1972 a 1974, Presidente da Federação das Casas do Povo no distrito de Viseu. Homem de larga visão estratégica, fez avançar na sua terra uma série de firmas, como a Abastecedora de Mercearias Central do Vouga, a loja comercial, o café e as bombas ( com a atracção especial de um macaco que ali viveu durante uns anos), a moagem, as oficinas, o abastecimento de sal com base nas salinas de Aveiro, entre outras variadíssimas iniciativas. Não se ficou por estes interesses próprios a sua esfera de acção. A par de encarar a sério a gestão empresarial plural, diversificada e multifacetada, lançou, como vimos, uma vasta e meritória acção social, com destaque para a citada Casa do Povo, sendo pioneira por estas bandas. De notar que as que apareceram depois neste concelho de Oliveira de Frades vieram muito mais tarde, nomeadamente as de Arcozelo das Maias, Ribeiradio, Arca e Oliveira de Frades, estas duas apenas desde o ano de 1973. Um outro ponto alto da sua vida associativa teve a ver com a inauguração, em 1965, da nova sede e do Bairro das Moradias, outra inovação para a época. A presidir a este acto esteve o Presidente da República, Almirante Américo Tomás, no dia 27 de Abril, como relatou o então Correspondente deste NV, Fernando Dias. Recebido oficialmente nos Paços do Concelho pelo Presidente da Câmara Municipal, Dr. António Lopes Ferreira, e pela Banda de Música dos Bombeiros locais, chegou a Pinheiro de Lafões, onde antes tinha havido um jogo de futebol entre a equipa local e uma de Molelos, numa partida arbitrada pelo Dr. José Figueirinhas, que teve um empate a duas bolas como resultado final. As cerimónias oficiais iniciaram-se por volta das 19 horas, contando-se ainda com a presença do Ministro das Corporações e várias outras entidades oficais, assim como a Banda Marcial Ribeiradiense e a sua congénere já citada e ainda os Ranchos Folclóricos da terra em festa e o da Casa do Povo de Castelo de Paiva. Anos mais tarde, esta instituição social estendeu a sua influência às freguesias de Reigoso e Destriz, abrangendo assim esta parte ocidental do concelho de Oliveira de Frades, a fazer fronteira com Águeda e Sever do Vouga, já no distrito de Aveiro, facto que se veio a prolongar pelos anos fora. Num percurso intenso, Celestino Ferreira Martins foi ainda um dos fundadores do GDOF em 1945, presidindo ao respectivo Conselho Fiscal. Dinamizador nato, o seu nome está perpetuado no Parque Desportivo de Pinheiro de Lafões e na toponímia da sede do concelho, para que a sua memória se não esqueça. Em 2016, foi homenageado, no dia do Feriado Municipal, 7 de Outubro, a título póstumo. Com um passado em que esta freguesia pontificou nos domínios da cultura e do desporto, estão na nossa memória os jogos de futebol, as sessões de cinema, os espectáculos de teatro e outros, na altura algo de altamente importante nesta nossa região. Fruto em grande dose dessa sua meritória acção, a freguesia de Pinheiro de Lafões foi, assim, durante anos, um dos pólos mais dinâmicos a nível cultural, social, desportivo e recreativo do seu município, distando da sede poucos quilómetros. Chegou mesmo a ter energia eléctrica muito antes da povoação de Travanca, que pertencia à sede concelhia, e que constituía uma espécie de sombra negra entre a vila e Pinheiro, triste situação que manteve até aos anos setenta. Criando emprego, dando vida à sua comunidade, Celestino Ferreira Martins bem merece que se continue a recordar como bom exemplo de criatividade e cidadania, usando da sua influência para valorizar a sua terra e região. Erros e falhas também os teve. Mas a balança pende, a nosso ver e sem grandes dúvidas, para o lado mais positivo da sua vida, que deixou obra, feitos e um bom exemplo para quem veio a seguir. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Dez 2020