terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Autarquias e liberdade

Andei pelo mundo das autarquias cerca de vinte anos. Vejo-as como o mais fiel espaço de democracia genuína e de liberdade de acção. Sei quanto lhe tem sido difícil firmar o seu espaço. Sei o que valem a Lei das Finanças Locais e a Constituição que lhes conferem autonomia e responsabilidade. Por isso, não gostei - nada - de ouvir o Ministro da Agricultura a dar-lhes conselhos, dizendo para deixarem de gastar dinheiro em festas de modo a poderem aplicá-lo na defesa da floresta. Sendo este um bom fim, quem sabe o que fazer está do lado de cá. De Lisboa, por sinal, em matéria de afectação de verbas não são muito bons os exemplos. Antes pelo contrário...

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Da carne ao peixe

No passado domingo e ontem, terça-feira de Carnaval, a carne, sobretudo a de porco, enfeitou as nossas mesas e aqueceu os estômagos. É a tradição no seu melhor. Umas boas ventas dos animais de vistas baixas, uns ossos para serem depenados até ao tutano, uns pés, uns enchidos, tudo marcha em bom ritmo e a contento de todos. Esses foram os excessos consentidos e mesmo estimulados, que a folia tudo tem o condão de vir a desfazer. O pior é agora, a partir de hoje, com a Quaresma a pedir-nos sacrifícios e a quarta-feira de Cinzas a dizer-nos que será o peixe a matar-nos a fome, ainda que, como dizem na minha terra, com ele não se puxa a carroça. Manda, porém, o correcto nutricionismo, felizmente em voga, que se olhe para esses bons produtos do mar, a bem da nossa própria saúde. Que assim seja!

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Dados de 1527 sobre povoamento em S. Pedro do Sul

S. Pedro do Sul em números Uma espécie de recenseamento com quatrocentos e noventa anos Nesta nação com perto de mil anos de existência soberana (tirando aqueles sessenta anos de 1580 a 1640 em que Castela nos governou), várias foram, em tempos idos, as tentativas para se saber quantos habitantes viviam no espaço português. Até mais de meados do século XIX (1864), esse objectivo nunca foi conseguido. Salvou-se o trabalho feito em 1527, o célebre Numeramento do Reino, mas mesmo este foi muito incompleto e cheio de incertezas e dúvidas. Começa, desde logo, por falar apenas em fogos (moradas), deixando para a interpretação a contagem das pessoas. Para este efeito, usa-se um duplo multiplicador, o 4 ou o 5 e isso pode fazer toda a diferença. Deste modo, há quatrocentos e noventa anos, produziu-se um estudo que, entre outros aspectos, teve, pelo menos, o condão de mostrar ligações administrativas e o nome de nossas terras, indicando ainda a referência aos tais fogos por lugar. Pegando neste documento, constata-se logo que, nessa época, os concelhos eram bem diferentes dos de hoje, sendo que eram muitos mais. Cruzamentos havia-os em abundância, se analisarmos povoação por povoação e verificarmos a que concelho pertenciam cada um desses povoados. Saiu-se de um lado para outro, ao mesmo tempo que muitas dessas divisões administrativas acabaram por cair, sobretudo no já citado século XIX. Adaptando a grafia à actualidade, citemos aqui alguns exemplos, bastantes, acerca dos nossos antepassados que habitavam o território de S. Pedro do Sul, deste século XXI, nas suas divisões internas. Vejamo-las (1527), tendo em conta que, para se ter uma estimativa do número de residentes, se deve multiplicar, como dissemos, por 4 ou 5: - Concelho de Sul – 156 (146?) moradores, assim distribuídos: Sul – 25; Oliveira – 14; Aveloso – 13; Adopisco – 4; Pisões – 9; Corpelha – 11; Amaral – 12; Lageosa e “Sea” – 11; Posmil – 7; Macieira – 12; Santa Maria – 17 e Póvoa de Fojães – 11. - Corpo da Vila de S. Pedro – 48; Negrelos – 14; Figueiredo – 14; Real – 6; Real/Fermil – 5; Monsanto – 3; Comenda de Ansemil – 1; Outeiro da Comenda – 3; Arcozelo – 12; Casal da Ribeira – 1; Taboadelo – 4; Cotos – 4; Cotães – 5; Galifonge – 4; Ranhadinhos – 2; Ranhados – 2; Vila Nova – 3; Travanca – 8; Louredo – 4; Mondelos – 7; Sacados – 10; Pouves – 9; Novais – 5 e Outeiro – 2. NOTA – A actual freguesia de Figueiredo das Donas (Vouzela) estava integrada naquele espaço. - Freguesia de Pinho – Moldes – 8; Pinhosão – 6; Igreja de Pinho – 3; Paços – 2; Pinho – 9; Sobral – 2; Pindelo – 10, Rio de Mel – 7, estes dois últimos povos, hoje, de Pindelo dos Milagres. - Figueiredo de Alva – Figueiredo – 13; Fermontelos – 3; Igreja – 2. - Santa Cruz – Sobrosa – 3; Burgetas – 3; Eiras – 8; Lourosa – 14; Landeira – 4; Vilarinho – 4; Salgueiro – 3; Bondança – 1; Gestosinho – 1; Gestoso – 3; Calçadas – 4; Manhos (?) – 3; Sequeiros – 2; Sernadinha – 4; Bordonhos – 1; Igreja de Bordonhos – 3; Lugar de Bordonhos – 17; Vilar – 3 e Figueirosa – 15. Engloba ainda a freguesia de Bordonhos. - Carvalhais – Germinade – 6; Torre – 6; Casal de Rendo – 3; Lugar das Barbas – 2; Sá – 13; Mourel – 21; Ramalinho – 2; Ramarel – 8; Carvalhais – 15; Vados – 7; Igreja de Carvalhais – 1; Paços – 3; Reguengo – 7; Pendores – 6; Póvoa da Rada – 1; Póvoa do Coro – 1; P. de Roçados – 1; P. das Bouças – 1; P. da Marroca – 1; P. do Pisão – 2; Candal – 8; Póvoa das Leiras – 4; P. da Coelheira – 4; Goja . 11; Gyosim – 5; Nespereira – 30; Quinta do Contador – 1; Lugar de Doude – 6; Vila Meã – 9. Nesta área, há uma boa dose de misturas de freguesias, incluindo-se Candal e, eventualmente, outras mais. - Várzea - Póvoa da Lameira – 1; Quinta de Drizes – 2; Lugar de Drizes – 6; Mais aí – 3; Adro e Carvalhal – 5; Quintela – 2; Lugar de Avocães – 2; Quinta de Canhões – 1; Cónega – 1; Vale das Eiras – 1; No lugar descrito da freguesia de Cavanhão (?) – 5; Mais aí – 1; Rebelo – 3. Referem-se ainda várias quintas dispersas. - S. Martinho das Moitas – Covalinhos(?) – 4; Sete Fontes – 4; Serrim(?) – 10; Nodar – 1; Ameixiosa – 10; Covas do Rio – 10; Pena – 6; Deilão – 5; Bordozedo – 2; Furguselos – 3; Covas – 11. Do concelho de Arouca, tínhamos – Regoufe – 9; Covelo – 8; Drave – 2; Palhais – 1; Póvoa da Légua – 1 e Palença – 1. Ali temos também Covas do Rio. - Baiões – Segadães – 4; Igreja - 1; Lágea – 3; Quinta dos Barões – 2; Outeiro – 2; Bargeta – 2 e Souto – 2 - Serrazes – Ferrreiros – 8; Dondanede – 2; Covelas – 11; Igreja – 6; Serrazes – 26; Freixo – 28 e Penso – 7 No território de S. Pedro do Sul, aparece ainda S. Miguel do Mato, agora a pertencer a Vouzela. Importa dizer-se que a tradução da grafia de 1527 pode não ter sido aqui a mais correcta, pelo que cremos que há lugares já desaparecidos e outros que, nesta página, foram mal assinalados. Por estas falhas, pedimos desculpa aos nossos leitores. Querendo apenas fornecer pistas para um melhor conhecimento do chão que pisamos, esse foi o objectivo que nos motivou a fazer esta resenha. E ela foi pensada como mais uma pista e nunca como um dado absoluto. Por estas informações se deduz que os nossos territórios, há quase 500 anos, já se encontravam povoados. Hoje, em 2017, talvez assim já não aconteça, apesar de todas as condições, infraestruturas e equipamentos que se foram alcançando. Afinal, que falta fazer-se para fixar as nossas gentes? Esta é uma magna questão que ainda não tem resposta conveniente, nem nada que se pareça com isso. Infelizmente. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 6 dez 17

Um professor de Lafões com grande obra - António Figueirinhas

Um vouzelense e um lafonense em destaque António Figueirinhas um defensor da educação Nasceu no concelho de Vouzela, em 1865, António Simões Figueirinhas (AF), que se haveria de destacar no mundo da educação e das livrarias. Oriundo de uma família de lavradores abastados da freguesia de Cambra, frequentou o Seminário de Viseu, aí tendo concluído o curso de Teologia, mas nunca exerceu o sacerdócio. Preferiu antes enveredar pelo mundo da educação e sobretudo pelo exercício do ensino primário. Iniciou suas funções em Oliveira de Frades, onde, dando largas a sua veia empreendedora, fundou o Colégio Viriato, em 1888, transferindo-o para a cidade de Viseu em 1894/1895. Com a curiosidade a ser-nos despertada pelo contacto com nosso arquivo, onde encontrámos a revista LER, nº 49, último trimestre de 2000, e dado o nosso interesse por estas questões locais e, mais do que isso pedagógicas, logo nos pusemos a caminho para descobrir mais pormenores deste nosso arrojado conterrâneo. Surgiu-nos, de rompante, um trabalho de Luís Carlos Barreiras, do ano de 2011, em que AF é descrito como “empresário da educação”. Para sustentar a sua tese, fala-nos no proprietário, editor e director de “ O meu jornal”, que se publicou no Porto entre 1915 e 1917. Ao ver que “ Figueirinhas é um dos representantes da geração que tentou mudar os rumos da educação em Portugal”, atribui-lhe uma série de facetas, em escrita, que passam pela sua participação nas edições de o Arqquivo Nacional, Boletim Pedagógico, Educação, A escola primária, O Hermínio, A Instrução, Português Popular, Revista dos Liceus e A Tribuna. A par desta intensa actividade, fundou a “ Casa Editora (e Livraria) A. Figueirinhas”, mais tarde a ser conhecida como “Empresa (e Livraria) da Educação Nacional”. Passando a publicidade, todo o universo Figueirinhas, fundado em 1895, com a respectiva livraria, em matéria de publicações e outros materiais, mormente um monumental dicionário, tem na sua génese este nosso arrojado empresário. Beirão a residir na cidade do Porto, jamais esquece as suas raízes. Aqui e uma vez mais em Oliveira de Frades, ajuda a lançar o jornal “ O Lafões”, na companhia do Dr. Celestino Henriques Correia Severino, tendo ainda dado o seu contributo ao “ O Porto”, sem nunca esquecer o (seu) “ O meu jornal”, onde, para além de outros temas, defendia o seu império no campo da educação. Dele se escreveu (Ler, 2000): “... Professor, pedagogo, editor, tradutor e escritor, jornalista, é este homem culto, de formação católica, preocupado com as questões ligadas à formação do carácter dos indivíduos, o fundador da «Figueirinhas». Dele diz Mário, o neto que lhe tomou o nome e o negócio: « O meu avô era um idealista como editor, de maneira que editou muito, mas também teve grandes prejuízos, como foi o caso do José Agostinho»” Homem aberto à cultura nacional e internacional do seu tempo, avançou para edições no Brasil, em França (aqui, foi significativa a sua “Biblioteca das Famílias”). Um ano, em 1929, desloca-se mesmo ao nosso país irmão. Ali visita instituições do Rio de Janeiro e de S. Paulo, entre outros locais, como nos narra Aires Antunes Diniz, numa curta publicação intitulada “ A década de 20 no Brasil: uma visão portuguesa da educação brasileira”. Visto como homem de negócios, fazendo gala da sua formação cristã e do seu vincado conservadorismo, no entanto, ali aparece com visíveis preocupações pedagógicas, analisando a ortografia, a pureza da língua, a pronúncia das palavras, olhando sempre para a forma como funcionam as instituições educativas naquele lado do Atlântico. A determinada altura profere uma frase arrasadora e lapidar, porque a seu ver: “ O mal da educação resulta da existência de ministros... “. Entretanto, tece rasgados elogios ao sucesso dos portugueses por aquelas bandas. Da sua vertente empreendedora nos dá uma visão alargada Luís Carlos Barreiras, já citado, nos “Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, ANPUH, S.Paulo, Julho de 2011”. Fala aí no editor, no proprietário de uma tipografia e de uma livraria, de uma fábrica de móveis escolares, de um internato feminino ( o Colégio Santa Isabel), de um prolixo autor de várias obras, do docente de diversas áreas, incluindo as línguas francesa, inglesa e alemã, sobretudo no Colégio de Santa Marta, para além de passar por vários liceus e escolas primárias, sendo um acérrimo defensor destes profissionais, a ponto de se envolver na criação da Liga Nacional do Professorado Primário, em 1907. Por entre muitas outras publicações, atribuem-se-lhe estes livros: - 1901 (Contos para as Crianças), 1915 (Geografia: Resumo para Escolas Normais e Liceus; Livro de Leitura para a 1ª Classe; Manuscritos), 1916 (O livro da Festa da Árvore; Almanaque Figueirinhas: para Professores e Amigos da Instrução; Moral e Educação Cívica: 2ª, 3ª e 4ª Classes do Ensino Primário Elementar), 1917 (Curso Abreviado de Literatura; A, B, C do Estilo e da Composição), 1918 (Verdades como Punhos – Aos Professores), 1920 (Gramática Francesa; Gramática Inglesa), 1922 (História Pátria; A Civilidade – Para Crianças e Jovens), 1923 (Gramática Portuguesa), 1929 (Impressões sobre a Instrução no Rio de Janeiro e São Paulo), 1930 (O Último Concurso de Livros Primários), 1931 (Carta Aberta ao Exmo. Sr. Ministro da Instrução), 1935 (Aritmética: Para Todas as Classes, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 11 Aprovada Oficialmente), 1937 (Ciências Naturais: 4ª classe), 1938 (Geometria: 3ª e 4ª classes), 1948 (Guia de Desenho), 1950 (Como se Aprende a Ler; Tabuada das Escolas); e, sem data de edição especificada (A Nossa Instrução Primária e o Senhor Dr. Alfredo Magalhães: Breve Crítica ao Desgraçado Ensino Público). Com tanta obra, por cá e por lá, por um e outro lado do mundo, para perpetuar a sua herança teve a sorte de os seus familiares lhe terem continuado parte de suas múltiplas actividades, nomeadamente a do citado império editorial. Falta agora um outro aspecto: que estas nossas terras lhe reconheçam o nome e façam qualquer coisa para o vincar nas nossas memórias. Vale a pena esse esforço cultural. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 18/01/18

Notas (3) sobre o território de Lafões

NLafões18jan18 História de Lafões Conhecer o solo que pisamos Para levarmos por diante um estudo mais ou menos organizado que nos dê uma ideia do que é a história da região em que vivemos, temos andado a debruçar-nos sobre as características físicas do espaço em que nos situamos. Sem pretendermos ir ao fundo das questões (nem isso seria possível num trabalho desta índole), contentamo-nos por aflorar alguns tópicos um tanto pela rama, mais como pistas para novas investigações do que temas completos. É esta a nossa intenção, nada mais do que isso. Para nos permitir desfiar os argumentos que entendemos ser mais relevantes, percorremos uma série de fontes, sempre com base no princípio de que são seguras, fidedignas e credíveis. Com esta norma a guiar-nos, hoje vamos basear-nos num excelente estudo, com 647 páginas, em aspectos globais e muitos detalhes, que nos surge num trabalho algo recente, que tem como título “Aproveitamento hidroeléctrico de Ribeiradio-Ermida, EDP/Martifer, Estudo de impacte ambiental, volume 1, Relatório síntese, COBA, 2008”. Impossível ficar indiferente à riqueza e variedade de dados que aqui existem sobre uma enorme camada de aspectos, que julgamos altamente pertinentes para olharmos para este nosso espaço em busca das raízes que o enformam. Muito embora se circunscreva à zona da Bacia do Vouga onde se implantaram estas duas barragens, deambula, no entanto, por outros territórios que nos ajudam a compreendermos melhor todas estas matérias. Por outro lado, ao tocar-se nas coordenadas balizadas pelas respectivas albufeiras, está-se, afinal, a entrar-se pela zona de Lafões numa boa medida. Solos, rochas, clima, fauna e flora, de tudo aqui se fala com um cuidado e um saber muito assinalados. Metidas estas nossas terras “ num relevo vigoroso, vales encaixados e alguns escarpados significativos”(3.35), acrescenta-se que “ A área em estudo é pobre em solos de elevada aptidão agrícola” (3.46”, mas com excepções junto às principais linhas de água. Se já aqui trouxemos alguns indicadores importantes, tirados de outras obras, na altura devidamente assinaladas, desta colhemos mais alguns dados que servem para complementar a análise que estamos a fazer. Pode acontecer, porém, que possam existir alguns aspectos aparentemente contraditórios, ou mesmo diferentes daqueles que então registámos. Tem tudo muito a ver com os métodos e os locais de captação dessas informações. Desta forma, nada se opõe, antes se acrescentam novas visões. Assim na obra em apreço, a precipitação média anual nesta bacia hidrográfica, zona das barragens, com base numa análise feita entre os anos de 1954/55 e 2003/04, é da ordem dos 1330 mm. Para caracterizarem o clima, foram apoiar-se nos anos de 1951 a 1980, informando, a partir dessa via, que a evaporação média anual ronda os 1200 mm, com valores máximos em Agosto (170mm) e mínimos em Dezembro/Janeiro, com 40 mm. Já as temperaturas médias do ar atingem um máximo de 21º em Julho e mínimo em Janeiro (7,7). Concluem que há um período dito quente entre Maio e Outubro e um frio de Novembro a Abril, pelo que vivemos numa zona de clima temperado. Com um nível de insolação de 2500 horas no total anual de sol a descoberto, parte-se de um mínimo de 1800 horas e de um máximo de 3100. Por sua vez, os ventos sopram de noroeste de Janeiro a Abril e de sudoeste em Outubro, isto em termos muito gerais. Para terminarmos, por hoje, peguemos na sua definição de paisagem, assim descrita: “… A resultante paisagística de um local é, em cada momento, o reflexo da interacção de vários factores, quer de ordem biofísica (entre os quais se salienta o relevo/geomorfologia, a geologia/litologia, as características da rede hidrográfica e o coberto vegetal), quer de ordem sócio-cultural (relacionando-se estes últimos com as acções de natureza antrópica – dizemos nós, mão humana), que têm manifestações diferentes na construção do território… “ (3.10) Encaixando tudo isto em unidades de paisagem, a nossa é a MUP 1 – “Montes Ocidentais da Beira Alta”, um espaço de transição entre esta Beira Alta e a Beira Litoral. Mais para o interior, há a MUP 2 – “Alto Paiva e Vouga”. Ponto por ponto, em próxima oportunidade e continuando com este mesmo Estudo, veremos estes temas, desde as 22 espécies de mamíferos em zonas ribeirinhas às raras ou ameaçadas, estas no foro vegetal, tais como o feto-do-botão e o feto-dos-carvalhos. Pelo meio, meteremos o Cinclus cinclus, o melro-de-água, que motiva umas grandes jornadas de fotografia da natureza que se realizam em Vouzela por estas alturas de Janeiro. (Continua) Carlos Rodrigues

Notas (2) sobre o território de Lafões

Lafões com a natureza a ser mãe do território NLafões, 4jan18 A terra que habitamos é esta e não outra. Esse é o seu melhor capital, porque insubstituível, porque impossível de ser deslocalizado. Esta vantagem ninguém no-la tira. A do capital móvel e volátil vem e vai, chega por boas marés, abandona-nos quando o mar está revolto. A nossa natureza, talhada para nós e para quem nos visita, ou para aqui vem e fica, fez o seu trabalho e que bom que ele é! Diferente de tudo quanto tenha sido feito noutro local, marca-nos e segue-nos por todo o lado. Por ser nossa esta paisagem e, sobretudo, por ser obra de um deus maior e criativo, amigo destas paragens, é com gosto que a temos como coisa e causa nossa. Encaixados entre um norte quase duriense e um sul meio mondeguino, neste meio termo, temos feito a nossa vida. A bacia hidrográfica do Rio Vouga, com os paralelos 40º 33’ e 40º 57’ norte e 7º33’ e 8º35’oeste, é uma de nossas grandes referências. Como assegura Cristina Maria Cordeiro de Carvalho Rodrigues ( “Termas: risco de inundação – 1960/2001, FLUC, 2009), somos filhos das formas de relevo mais elevadas com origem no Maciço Hespérico e das mais suaves filiadas na Orla Mesocenozóica Ocidental. Com uns pais e umas mães com nomes tão esquisitos, não é de estranhar-se que aqui vivam gentes tão diversas, o que é a nossa maior riqueza. É essa variedade natural que molda todos os nossos tempos, os passados, os presentes e os vindouros. Mas o nosso mestre maior, Aristides de Amorim Girão, é muito mais incisivo que nós na caracterização deste nosso território, dizendo nas suas “Antiguidades pré-históricas de Lafões, UC, 1921”: … “ Pois bem! Lafões fica em pleno coração da Beira Alta e constitui uma região encravada na bacia hidrográfica do Vouga, onde representa a zona mais acidentada, de variadíssimos aspectos, é certo, mas formando um todo homogéneo e correspondente portanto a uma verdadeira região natural. Por isso, este abençoado rincão, que já alguém chamou «a terra mais portuguesa de todo o Portugal», constitui para nós uma pequena pátria-mãe, numa afirmação bairrista que deve ser a pedra basilar de todo o patriotismo… “ (P.2). Com um clima (ver Cristina Rodrigues, 2009) que apresenta uma temperatura média anual, entre 1931 e 1960, tomando como referência a área territorial do Rio Vouga e, mais concretamente, as Termas de S. Pedro do Sul, que anda em redor dos 12.7º C e uma amplitude térmica anual de 12.3º, os mínimos encontram-se em plena Serra do Caramulo, com -7º, em Dezembro e Janeiro e uma humidade do ar de 84% na mesma zona serrana, subindo para os 90% em S. Pedro do Sul. Afirma-se nesse estudo que os meses mais chuvosos são os que medeiam entre Outubro e Abril, em que, por regra, ocorre 75% da precipitação anual, que anda pelos 1323/1387 mm. Com influências climáticas que nos chegam do Oceano Atlântico que atenuam o ar mais agreste das áreas montanhosas, estamos como que metidos numa estufa que nos confere um certo conforto a este nível. Nas entranhas da terra, na falha tectónica que parece vir de Chaves para Sul, havendo quem a localize entre Verin e Penacova, as Termas estão nela contidas, continuando pela Ribeira de Ribamá o seu percurso, dando origem à formação de altas temperaturas que nos fornecem um dos nossos bens mais preciosos: as águas quentes termais. Dizem os estudiosos dessas questões geológicas que estas vêm no seguimento das da citada “aqua flaviae”, das de Vidago e várias outras fontes do mesmo género. Sendo esta uma matéria para uma análise mais profunda, de modo a conhecermos melhor as nossas profundezas, estas referências já nos dão uma ideia do solo que pisamos, rico em granitos, xistos, grauvaques e quartzitos. Um bom e minucioso ponto de apoio para se estudar estas matérias tem no Professor Martim Portugal ( de Oliveira de Frades) o seu coordenador e foi editado, em 2003, pela Universidade de Coimbra, sob o título “Geologia de engenharia e os recursos geológicos”. Nesta vasta obra, em que participaram vários autores, são abordados aspectos que, pela sua profundidade, muito podem interessar quem pretenda ir mais a fundo nestas questões: desde as rochas ditas normais aos minérios (incluindo volfrâmio e até urânio), de tudo ali se vê um pouco. Quanto ao que diz respeito a este nosso território, é elemento de grande valor, aqui se deixando esta nota. Diga-se que Lafões tem nos seus conterrâneos, ambos da Universidade de Coimbra, os Professores Aristides Amorim Girão e, mais recentemente, Martim Portugal, um pilar científico que, pelo conhecimento destas paragens, muito valoriza as suas investigações Falando agora em mais pormenores da bacia hidrográfica do Rio Vouga, a 3ª maior no panorama nacional, temos como seus afluentes, na margem direita/norte, os Rios Caima, Mau, Arões, Teixeira, Varoso, Sul e Mel, isto da foz para a nascente e apenas confinado, em parte, ao território lafonenense; na margem esquerda, há os Rios Águeda, Marnel, Zela, Ribeira de Ribamá, Rio Troço e Ribeira de Brazela. Para cada um destes cursos de água correm muitos outros, pelo que esta é uma teia que não se fecha nestas indicações. Se nos debruçarmos sobre as suas respectivas bacias, verificaremos que a lista aumenta de uma forma considerável… (Continua) Carlos Rodrigues

Notas sobre o território de Lafões

Lafões e o seu território 1 – As primeiras impressões Ao pretendermos trazer para o “Notícias de Lafões” alguns contributos para se alinhavar uma espécie de História de Lafões, para além das muitas notas que aqui temos vindo a publicar, avançamos agora para esse novo patamar: dar a conhecer a terra que habitamos de uma forma mais organizada e sistemática. Se a área social que privilegiamos tem as pessoas no seu centro, nada do que tenham feito aconteceu no vazio. Teve um espaço onde se desenrolou toda a vida das nossas comunidades ao longo de milénios. Aliás, três componentes são essenciais nesta ciência: os territórios, o tempo e o homem. Num primeiro ponto, iremos então tratar de falar da geografia que nos serve de suporte, para caracterizarmos as condições naturais em que nos movemos e que tanta influência têm nas nossas vidas. Muito embora possam ter existido algumas modificações ao longo de milénios, em virtude de alterações climáticas e outros fenómenos naturais, em geral, as linhas mestras mantêm um padrão comum que nos marca e identifica a terra que pisamos. Não há como que fugir a esses desígnios, a começar pela situação no espaço. Desta forma, a zona de Lafões, que tem sido definida e defendida na sua identidade, sobretudo a partir dos inícios do século XX, por um de nossos ilustres conterrâneos, de Fataunços – Vouzela, o professor e investigador Aristides de Amorim Girão, que, além do mais, trabalhava na sua área científica, a da geografia, tem nos seus contornos e limites fronteiriços dois poderosos limites, o Maciço da Gralheira, a norte, e a Serra do Caramulo, a sul. É entre estas duas realidades que se desenrolam todas as vertentes que caracterizam a nossa orografia, hidrografia, solos, declives e, em suma, todo o nossos territórios nos seus aspectos físicos. Melhor do que as nossas palavras, as de Amorim Girão fazem aqui todo o sentido, quando nos dizem que “… Em pleno coração da Beira-Alta, uma unidade bem característica toda ela incluída na Bacia do Vouga, nos aparece agora: é a sub-região de Lafões, constituída pelos concelhos de S. Pedro do Sul, Vouzela e Oliveira de Frades e ainda por algumas freguesias dos concelhos de Castro Daire (Alva a Mamouros) e de Viseu (Ribafeita, Bodiosa, Campo, Lordosa e Calde)… No aspecto geográfico, Lafões pode dizer-se uma verdadeira bacia cortada de Este a Oeste pelo curso do Vouga (…) Ao norte, fecham a bacia os elevados contrafortes do maciço montanhoso da Gralheira representados pelas chamadas Serra de S. Macário, Serra da Arada e Serra de Manhouce… Ao sul, dispõe-se, no prolongamento dos braços da cruz, a Serra do Caramulo, caindo bruscamente sobre o vale de Besteiros e inclinando-se suavemente para o Vale do Vouga… “ (citação colhida em Nabais, Rodrigues e Martinho – Oliveira de Frades, edição da Câmara Municipal, 1991, p. 19). Alimentando a ideia de que esta é uma “verdadeira região natural”, com base no mesmo autor vouzelense, Glória Carvalho, Teresa Tavares e Francisco da Cunha Marques, em “ Vouzela, a terra, os homens e a alma, edição da Câmara Municipal, 2001” acrescentam ainda mais uns pontos, nomeadamente o facto da constatação de que “… Os factores do clima são, sem dúvida, os maiores e os mais sistemáticos contribuintes na formação das paisagens. Tudo o que o homem não controla ainda, fá-lo o clima: declives de montanhas, gargantas mais ou menos apertadas, regime dos rios, tipologia da fauna e da flora, a agricultura e o modo de vida dos homens… “ ( p. 18). É este o contexto territorial em que se desenrola tudo quanto tem acontecido em Lafões, durante milénios, em sucessivas vagas de alterações diversas e evolução das tecnologias, desde as suas formas mais elementares e duradouras às actuais modificações que, por vezes, se mantêm por muito pouco tempo, porque a velocidade dos acontecimentos destas eras modernas andam a uma velocidade tal que se não compadece com as pachorrentas técnicas de outrora que se mantinham, séculos a fio, sem alterações de vulto. Neste curso médio do Vouga se encontra Lafões, a nossa terra comum. Entalados entre as influências do Oceano Atlântico que temos por perto e as forças montanhosas que nos limitam a norte e a sul, somos, nas nossas vidas, um misto dessas duplas e contraditórias influências. Com o clima adoçado pelo mar e tornado agreste pelas serranias, não sofremos, em regra, os seus pontos extremos. Com o granito como marca dura do nosso carácter, temos também no xisto mais macio uma parte da nossa própria formação. A par das águas geladas, frias e apetitosas, encontramo-nos numa falha tectónica que nos oferece uma boa alternativa das nossas maiores riquezas naturais: a importância de termos neste nosso espaço, a jorrar continuamente e de uma forma praticamente inalterável, a força das outras águas, as termais, que são uma outra parte inquestionável da nossa identidade territorial, é uma mais-valia que jamais poderemos desprezar. (Continua… ) Carlos Rodrigues , in Noticias de Lafões, 20 dez 2017