segunda-feira, 28 de maio de 2018

Quem é quem na formação de Lafões

Personalidades marcantes na génese de Lafões Do Imperador Ramiro a Dom João Peculiar Cada espaço abriga as suas próprias gentes, desde que começa o seu povoamento. Porém, nem todas as pessoas conseguiram subir ao patamar do destaque que as faça perdurar na História. É sempre assim: as mãos cavadoras, os arttífices de cada terra passam a ser esquecidos e, em seu lugar, vêm ao de cima aquelas que consideramos as personalidades marcantes. A região de Lafões, até pelas suas fortes ligações aos fundadores do Condado Portucalense e aos futuros reis de Portugal, tem uma vasta e notável lista de quem se foi destacando ao longo dos tempos. Nestas crónicas gravadas no jornal “Notícias de Lafões”, vamos fazer uma longa mas agradável viagem pelas vidas desses nossos antepassados, sobretudo daqueles de que há registos e memórias. Começamos, por estranho que possa parecer, por alguém que dividiu o seu protagonismo por Lafões, por Viseu e por Léon (hoje, Espanha): trata-se do Rei e Imperador Ramiro, neto de Afonso III, que exerceu funções entre 930 (?) e 951. Apanhado nas teias de discussões familiares, vem a ser criado, durante alguns anos, pela família de Diogo Fernandes, habitando mesmo o Paço de Moçâmedes – Vouzela, talvez entre 900 a 912, imóvel que ainda ali se mantém. Supõe-se que também andou muito por Bordonhos (cujo topónimo se associa ao próprio Ordonho) e outros espaços desta nossa zona. Como é que tudo isto aconteceu e foi possível inserir na história grande da Península Ibérica estes nossos recantos? Falando por nós, o interesse por esta personagem veio-nos de um feliz encontro com o Professor Manuel Real, que, nos anos de 2014 e 2015, nos falou do Rei Ramiro e suas ligações a estas paragens. Estava dado o tom para a continuação da investigação sobre tão fascinante figura. De busca em busca, deparamo-nos, entre outras fontes, com uma importante tese de doutoramento, feita na Universidade de Coimbra, em 2016, da autoria de Paulo Manuel Quintas de Almeida Fernandes – “Matéria das Astúrias – Ritmos e realizações da expansão asturiano-leonesa no actual centro de Portugal”. Com o título a despertar a nossa atenção, o resultado obtido não poderia ser melhor, como veremos de seguida. Tudo isto acontece em pleno contexto da Reconquista, a suceder à invasão islâmica (ano de 711) que não pode ser vista como uma entrada “ fulgurante, destrutiva, sanguinária e intolerante” (p. 30), mas antes como um processo conseguido à custa de diferentes processos, ora mais bélicos, ora mais pacíficos, incuindo a concretização de pactos diversos e em diferentes zonas. Aliás, assegura Paulo Fernandes que os muçulmanos nunca ocuparam largas faixas a norte do Tejo. Sendo sabido que a Reconquista foi feita de norte para sul, no sentido inverso daquele que fora seguido pelos árabes, muito antes da fundação do Reino de Portugal já estes territórios andavam na berlinda e nas intenções de virem a ser ocupados por quem vivia e governava para lá do Douro e do Minho. Assim, durante o reinado de Afonso III (866-910), avô do nosso Ramiro, estava já em marcha a ideia de colonizar as terras situadas entre o Mondego e o Douro (p. 195). O destino veio, por fim, a ditar algo de muito especial - a entrada em cena de alguém que haveria de ser monarca num lado e noutro, nomeadamente em Léon e Viseu. Agora vamos aos pormenores e aos aspectos que levaram a este ponto: com a morte de Afonso III, os seus três filhos repartem a herança recebida. A Ordonho cabe a Galiza; a Garcia, Léon; e a Friela, as Astúrias. Mais tarde, os descendentes de Ordonho da Galiza também se não entendem e, por isso, originam-se novas divisões: Sancho recebe a Galiza, Afonso IV fica com a parcela asturiana e Ramiro, o quase lafonense, a parte ocidental com a sede em Viseu. No meio disto tudo, Afonso IV veio a abdicar e Ramiro II ( o nosso) consegue unificar o reino e governar a partir de Léon entre 926 e 950. Pergunta-se: como é que ele tinha vindo antes parar a Moçâmedes? Em linhas muito gerais, tudo se deve, para resolver várias desavenças, à ligação de Ordonho II, seu pai, com a família de Diogo Fernandes, a quem entregou, para ser criado, seu próprio filho Ramiro, tal como sustenta José Mattoso. Qualquer que seja a razão que esteve na sua vivência nestas nossas terras, o dado maior e mais relevante é que Moçâmedes e Viseu jamais se apartaram da história deste passado comum com a Galiza. Sabe-se ainda que, como irmão de leite de Mumadona Dias, o nosso Rei luso-galego, Ramiro, lhe deu um bom dote e isso revelou-se importante para a formação futura do Condado Portucalense. Diz-se também que aqui fez várias vistas, a Lorvão (933), a Celanova (942) e a Guimarães (950). Com várias arestas para limar, do Imperador Ramiro ficámos a saber mais uns detalhes. Mas não todos. Numa próxima oportunidade, vamos tentar aclarar melhor este seu Reinado e falar de um Bispo e fundador (?) do Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões, Dom João Peculiar, que foi fulcral como estratega, como gente de alto nível, no reinado de D. Afonso Henriques. Este é o nosso propósito e lá iremos chegar, dentro em breve... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 17 Maio 2018

Apresentados os apoios à agricultura pós-incêndios

Apoios aos prejuízos com os incêndios revelados pelo Ministério da Agricultura Num exercício de transparência informativa, o Ministério da Agricultura acaba de apresentar a listagem de todos os auxílios financeiros canalizados para as vítimas de perdas com os incêndios do trágico ano de 2017. Deixando de fora o fundo REVITA, por serem provenientes de outros canais, esta afectação de verbas surge-nos distribuída por quatro rubricas, que são estas, muito embora elas não reflictam a totalidade dos montantes dispendidos, como se deduz dos apoios globais que, no final, se referem: - Restabelecimento do potencial produtivo – 767 entidades, com um valor de 16.75 milhões de euros. - Sector da vinha – 413 apoios, com 5.59 ME. - Para prejuízos englobados entre mil a cinco mil euros – 7603 destinatários, num total de 4.63 ME. - Há ainda a indicar mais 1360 pessoas também a serem abrangidas pelo citado REVITA. - Resumo final – 25 073 agricultores subsidiados com 82 milhões de euros. Segundo as informações obtidas, nestas tabelas apenas se dá nota dos processos já despachados até 15 de Maio, sendo que tudo continua em aberto e em análise quanto a assuntos pendentes e outro tipo de candidaturas. Semanalmente, vão sendo revelados mais dados, no portal do IFAP. Com este passo, tudo se torna mais claro em matéria de informação, o que já é algo de positivo. Mas a essência dos apoios em si não deixa de conter um facto que muito penaliza um sector, a da agricultura e da agropecuária, que foi visto como algo de marginal em todo o sistema de auxílios estatais e europeus, quando confrontado com o restante mundo empresarial. Em percentagens, ficou sempre aquém da indústria, do comércio, do turismo e demais situações e isso é algo incompreensível e inaceitável. Sendo o mundo rural um campo em que é preciso fazer muito mais e melhor pela sua revitalização, atirar-lhe com estas discriminações negativas é tudo aquilo que se não quer, sendo mesmo uma injustiça de todo o tamanho. Nestes nossos concelhos de Oliveira de Frades e Vouzela, fortemente afectados por esta catástrofe ( S. Pedro do Sul não a sentiu tanto, nem tão extensa), estas resoluções são altamente penalizadoras para a recuperação que se deseja e se precisa. Por outro lado, a burocracia reinante levou a que muita gente, com avultados prejuízos, tivesse optado pela solução menor, aquela que ia até aos cinco mil euros, por se sentirem incapazes de responder às exigências que as respectivas candidaturas impunham. Perdeu-se assim fundo de maneio por duas vias e quem ficou muito mais debilitado foram os nossos agricultores, sempre a serem vistos de lado, para mal de todos nós e da nossa Região de Lafões. Lamentável. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Lafões”, 17 Maio 2018

sábado, 19 de maio de 2018

Dia Internacional dos Museus, uma conversa em Oliveira de Frades

PATRIMÓNIO, Dia dos Museus, Oliveira de Frades 18 Maio 2018 - 2018 – ANO EUROPEU DO PATRIMÓNIO CULTURAL TÓPICOS - NOTA PRÈVIA --- Sempre e sempre o primeiro e mais valioso PATRIMÓNIO são as PESSOAS. Só elas são a sua razão de existir. - PATRIMÓNIO --- De patrum, patrimonium, pater. --- Material --- Bens visíveis --- Imaterial --- Invisíveis - Natural e cultural. Paisagens naturais e humanizadas. - Se matrimónio é a união entre duas pessoas, património pode muito bem ser a ligação entre o homem e as suas heranças culturais, em função do afecto e da razão - Património – Bens vindos do passado, herança comum, um bem da comunidade, obra humana, construção social ou da natureza - Valores – Identidade, diversidade, significado, autenticidade, beleza - Cuidados – conservação, preservação, renovação, restauro, salvaguarda, valorização, divulgação - O património é um dos bons e estruturantes activos de desenvolvimento de nossos territórios. Não é deslocalizável, em princípio, apela a sentimentos de pertença e identidade, mobiliza os nossos sentimentos, atrai visitantes, faz com que cada um de nós sinta orgulho em divulgá-lo e em senti-lo como seu, com o gosto de o mostrar aos outros - Um povo que não estima as suas heranças é um povo que não pode gerar algo de valioso e marcante para deixar às gerações vindouras - O património anda por aí nas canções, nos costumes, nas tradições, na boca de coração de nossas gentes, em cada dia que passa, em que cada festividade que se assinale, tanto como nas construções, nas matas, nos rios, nos parques naturais ou criados pelo homem. Ei-lo aqui e por todo o lado. Na sua diferença na afectação a cada local e a cada cultura é que está a sua riqueza maior. - Em termos muito gerais, dividimo-lo, à nossa maneira, em duas fases/classes: - Pré-Histórico – De significado mais ou menos conhecido, passando por códigos ainda praticamente indecifráveis, ou polissémicos até mais não. Em enigmas vários, caminhamos por aí sem sabermos bem por onde andamos, tendo, porém, a consciência que estamos perante trabalhos com milhares de anos de existência. - Histórico – Da escrita, dos romanos até à actualidade, ainda que nem tudo compreendamos com a clareza necessária, mas, aqui, é mais a luz que nos ilumina que a escuridão que nos tolhe os movimentos. PERPETUAR A MEMÓRIA - Somos filhos de cada tempo - Recebemos heranças, devemos conservá-las e transmiti-las aos nossos descendentes, mas acrescentando sempre algo de novo - Se o PATRIMÓNIO é para ser observado por toda a gente, não pode, nunca, deixar de ser usufruído e estimado por quem o habita. Deste modo, importa sempre que nunca tenhamos muito para oferecer e pouca gente por aqui a viver - É preciso pôr o património, todo ele, a falar - Mas “ Só se ama o que se conhece. E conhecer é difícil. Muito pior se quem pode não faz o esforço de dar a conhecer” – In “ A floresta em Portugal – Um apelo à inquietação, Víctor Louro, Gradiva, 2017” - PATRIMÓNIO E LITERATURA --- Teixeira de Pascoaes – “ ///Vejo as terras beiroas, que recordam/ O Minho e Trás-os-Montes... / São desertos planaltos amarelos/Verdes campos de milho/Entre íngremes colinas de pinheiros/ Onde murmura o vento o seu queixume/De cor crepuscular.../Afastadas montanhas: Caramulo/E Montemuro e a Estrela/Virgem Mãe do Mondego em penitência/ Vestindo um manto de perpétua neve... /// - In “ Portugal, a terra e o homem, antologia de textos de escritores do século XX, David Mourão-Ferreira, II Volume, 1ª série, FCG, 1979” --- Trás-os-Montes, um Reino Maravilhoso... “ Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia não se saber por que telúrica contrição... Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá... “ (Idem) - “ Duas dúzias de casas construídas de pedra solta de granito, cobertas quase todas de colmo, de telha muito poucas, alcachinadas, negras, tortuosas e dispostas ao ao acaso sobre o solo, como um bando de enormes corvos petrificados. O tom escuro das suas choças e dos seus casebres casa-se tão intimamente com a cor do terreno pedregoso e tostado que, vista de algumas centenas de metros de distência, a povoação parece uma pedreira... “ – A. Botelho, Mulheres da Beira - “ Um vale, um rio, os montes/Povoados dispersos/Aqui além/Quais jóias incrustadas na verdura/De cerrados horizontes// No cimo, um céu escasso/Limitado pelas linhas das montanhas/Guardando avaramente o seu tesouro/Sem permitir um passo/ Para fora// Lafões... / A harmonia do belo/O desespero do pouco/ A ânsia ardente/Do infinito/Tentando passar além/Inutilmente// Que os montes ciosos/Recolhem o seu esplendor/Vaidosamente/Ali se impõem/ Ali são donos/Princípio e termo/ O infinito...// Lafões, quão belo!/ Lafões, quão pouco! /// - Berta Brás – Cravos roxos, Croniquetas verdes-rubras - “ A altitude, as lonjuras em que a vista se alonga, e onde aqui e além cintilam à luz do sol as casinhas coloridas dos povoados, em cujas cercanias os verdes volvem mais moços e macios graças às vinhas e milheirais, tudo isso nos surpreende, nos empolga, nos enternece, não quer afastar-se dos nossos olhos, nos diminui, nos desorganiza! “ – Mário Rodrigues Cruzeiro, Momentos, 2008 - “ As casas, os caminhos, as estradas, os canais, os túneis, a cobertura vegetal do solo, as culturas, as explorações mineiras, os portos, as pontes são manifestações do poder humano... “ – In “Aristides Amorim Girão, Lições de Geografia Humana, Coimbra, 1936, p. 5 ” - E ainda “ .... È o homem o agente modificador da superfície terrestre. Mas também sofre a influência do meio físico... “ (Id) PATRIMÓNIO ao abandono - Santa Cruz da Trapa – Solar dos Malafaias - Cambra – Casa Senhorial - Pereiras – Casa dos Melos - Ribeiradio – Fábrica de Cerâmica - S. Vicente de Lafões – Antiga estação dos caminhos de ferro do Vale do Vouga - Complexos empresariais junto à Linha do Norte em quase toda a sua extensão Bons EXEMPLOS de recuperação e novos usos - Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões - Balneário Romano das Termas de S. Pedro do Sul - Solar, Igreja, Cambra - Casa do Aido Santo - Nespereira - Casa do Paço de Vilharigues (Cabo da Torre) - Torres de Alcofra, Cambra, Vilharigues - Redescoberta da Anta de Antelas ( com cuidados a ter no futuro) - Casa do Paço – Bordonhos - Igreja antiga de S. Miguel do Mato - Património classificado - Em princípio e em geral, temos estes sistemas de classificação: - Interesse Nacional/Monumento Nacional (em Conselho de Ministros) - Interesse Público ( No respectivo responsável ministerial ou delegação em causa) - Interesse Municipal (No município) - Lei 107/2001, de 8 de Setembro e Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro - Estipulam-se zonas gerais e específicas de protecção com limitação às construções a certa distância - Oliveira de Frades - Anta de Arca – MN – 1910 - Casa Solarenga de Fornelo – VC (em vias de Classificação) – 1998 - “ “ “ Quintela – VC – 1998 - Pedra das Ferraduras Pintadas – MN – 1993 - Pelourinho – IIP – 1933 - Anta de Antelas – MN – 1993 - Ponte Ferroviária dos Melos – VC – 1998 - Pedra do Rasto dos Mouros – MN – 1910 - Conjunto Igreja Pinheiro – VC – 2001 - Igreja de Souto - S. Pedro do Sul - Castro de Nossa Senhora da Guia – MN – 1992 - Capela e Adro no mesmo local – MN – 1992 - Castro da Cárcoda/Carvalhais – IIP – 1955 - Igreja de Nossa Senhora da Nazaré – VC – 1995 - Igreja Matriz de Carvalhais – VC – 1950 - Ponte da Barreira, Manhouce – IIP – 1990 - Ponte de Manhouce – IIP – 1982 - Solar dos Malafaias, Santa Cruz da Trapa – VC – 1997 - Convento de S. Cristóvão de Lafões – MIP – 2010 - Piscina D. Afonso Henriques/Termas- MN – 1958 - Castro do Banho – IIP – 1957 - Convento dos Franciscanos ou de S. José – IIP – 1943 - Palácio de Reriz – IIP – 1977 - Pedra da Escrita/Serrazes – IIP – 1946 - Vouzela - Casa Solar Igreja, Cambra – VC – 1984 - Idem, Corujeira – VC – 1984 - Igreja Paroquial de Cambra – IIP – 1945 - Castro Cabeço do Couço – IIP – 1995 - Igreja de Fataunços – IIP – 1996 - Castro de Paços de Vilharigues – VC - Castelo/Torre de Vilharigues – IIP – 1944 - Capela Casa de Prazias, Ventosa – IIP – 1945 - Igreja Matriz de Vouzela – MN – 1922 - Casa dos Távoras – VC – 1984 - Paços do Concelho antigos/Biblioteca Municipal – VC – 1984 - Museu Municipal – VC – 1984 - Pelourinho – IIP - 1933 - Imagens de marca em Lafões - Se o nosso património é, só por si, algo que nos distingue de todos os outros espaços territoriais, Lafões tem uma marca muito própria, um património ímpar, porque nestas terras“ ... Em pleno coração da Beira Alta, uma unidade bem característica, toda ela incluída na Bacia do Vouga, nos aparece agora: é a sub-região de Lafões (... ), uma continuação da zona que designámos pelo nome de Beira minhota e pode afinal considerar-se um prolongamento projectado até ao coração da Beira-Alta (...) Os seus campos de cultura, xadrezados pelos cômoros de divisão da propriedade, onde a vinha se abraça às árvores de fruto, e emoldurados ainda pelas matas de pinheiros, carvalhos e castanheiros que revestem as maiores elevações de terreno, oferecem, com efeito, ao turista, um surpreendente espectáculo sem dúvida interessante: um pequeno retalho do Minho perdido em plena região montanhosa da Beira Central... “ – A. Amorim Girão. - Ocupando estes espaços, o homem, ao longo de milénios, deixou a sua pegada construtiva, uma mais valiosa que outra, mas todas elas fruto da força criativa de nossos antepassados. É esse o PATRIMÒNIO que deles recebemos e que temos obrigação de por ele zelar- A par dessas obras de mão humana, a natureza tem, aqui, um papel de relevo. - Desta, herdámos as montanhas do Caramulo, da Arada, da Gralheira, de S. Macário, locais de magia e encanto. Nelas encontramos a beleza agreste das alturas, os parques frondosos, aquém e além, as reservas naturais, como os Loendros de Cambarinho, que, sujeitos à inclemência dos trágicos incêndios de Outubro de 2017, são agora uma tristeza negra que se apresenta à nossa frente, mas que vão, de certeza, voltar a renascer como fontes de património natural que tanto nos enriquecem. - Nos Rios Vouga, Sul, Zela, Alfusqueiro, Gaia, Àgueda, Teixeira, Alcofra e tantos outros, vemos outra componente paisagística e patrimonial que nos enchem a alma, o olhar e o coração. - Nestes sistemas, vivem os animais que nos caracterizam como produtores de um património gastronómico de eleição, desde a vitela ao cabrito e a outras espécies da nossa fauna e flora. - Mãos sábias, inventaram, um dia, para nos deixarem em herança a melhor doçaria e pastelaria do mundo, outra parte importantíssima do nosso património. - No campo da construção, em casas com muita memória, temos, por exemplo, a Casa do Paço, em Moçâmedes, onde, antes mesmo da nossa nacionalidade, viveu o Imperador Ramiro, que liderou parte da Galiza e dizem que Viseu; a Quinta da Cavalaria, em Vouzela, berço de tantos vultos desta terra; o Solar dos Marqueses de Reriz, em S. Pedro do Sul, que acolheu, por diversas vezes, a Rainha D. Amélia e sua Família; o Balneário Romano das Termas, porto de abrigo e de cura do Rei D. Afonso Henriques; a Casa dos Melos, em Pereiras, uma família de nossos ilustres conterrâneos; a Quinta de Torneiros, em Oliveirade Frades, hoje um grito de alerta a pedir que a salvem, por favor; o Convento de S. Cristóvão de Lafões, que foi palco de cultura e de religiosidade, desde o século XII, de toda esta nossa região. - O que tem sido feito pelo PATRIMÓNIO - Com épocas de relativos sucessos e outras de desleixo ou abandono propositado, tem havido as duas posições ao longo dos tempos e dos lugares. Proliferam, por aquém e por além, as provas do carinho que se lhes dedica e as lágrimas de dor pela sua queda abrupta rumo à sua destruição total. Muitos são os exemplos de cuidados criteriosos e com óbvio retorno a todos os níveis. Veja-se Óbidos e outras localidades. Veja-se o Parque Natural do Gerês e outros. Anotem-se os milhares de visitantes que acorrem a uns sítios e a outros. Mas também há quase fracassos como o das Aldeias Históricas, 12 ao todo, valorizadas há mais de 20 anos, e que, agora, uma tese de doutoramento de Paula Reis, FLUC, nos indica que estas se encontram numa fraca dinâmica ou praticamente estagnadas. No entanto, insvestiram nelas cerca de 60 milhões de euros. Mas o certo é que, em dez anos, uma dezena delas perdeu 683 habitantes. Contrariamente a esta visão pessimista, o Parque do Pisão em Carvalhais e a recuperação da Aldeia da Pena parecem-nos serem um bom e positivo caso de estudo. O mesmo se espera, daqui a uns anos, poder vir a dizer daquelas aldeias que fazem parte de um novo projecto a criar na Serra do Caramulo. Já agora, por razões que se prendem com relevantes conquistas no campo da saúde, anote-se o que foi esta vila até há décadas e o que é hoje: um monte de destroços do seu anterior pujante património. - O que FAZER - Manter as memórias vivas, todas elas. Sermos arautos da defesa do nosso passado e construtores de novas pontes para o futuro. Agirmos sob o lema da responsabilidade, da autenticidade e da sustentabilidade das terras em que vivemos. Definirmos prioridades, pessoais, colectivas e instituicionais. Porque abençoados somos nós com as antas, os castros, as vias romanas, as igrejas e capelas, as estelas funerárias, as sepulturas antropomórficas, os palácios, as casas simples e rurais, os cantares, as águas, os moinhos, os lavadouros, as poldras, as alminhas, os foeiros dos carros de vacas, as charruas, os arados, as enxadas, as malhadeiras, a calçada à portuguesa, a broa de milho, as tradições diversas, o venha aqui, amigo, que tem uma porta aberta, uma pinga e um naco de presunto à sua espera, o parta comigo para a romaria, as danças, o folclore, o entremês, as filarmónicas, as novas artes, hoje recentes, amanhã também memórias de um outro tempo, a gaita de beiços, a boleia no carro das vacas, a malha do centeio, o alto do Murado da Várzea, as brilhantes pinturas da anta de Antelas, a anta da Lapa da Meruje, o Castro da Cárcoda, as águas quentes das termas e o Castro do Banho, o nascer do sol no S. Macário, o mar visto de Lameiro Longo, o Santuário de Nossa Senhora Dolorosa e as abundantes águas da Barragem de Ribeiradio... Aqui, em Lafões, até o ar é bom património. Não temos grandes castelos, mas possuímos pedras e paisagens que falam e pontes que nos levam para muitas outras valiosas vertentes de um rico património. Venha, veja, desfrute. O nosso PATRIMÓNIO quer receber os seus abraços. Venha e fique por uns dias. Nós agradecemos. - QUEM É QUEM na defesa e divulgação do nosso património: a nossa homenagem - Aristides de Amorim Girão - Monsenhor Celso Tavares da Silva - José Júlio César - José Coelho - João Luís Inês Vaz - Alexandre Alves - Manuel Correia Tavares - Alberto Correia - Moreira de Figueiredo - António Nazaré de Oliveira - António Lopes Baptista - Jorge Adolfo Meneses Marques - Domingos Cruz - Etc. Etc Oliveira de Frades, 18 de Maio de 2018 Carlos Rodrigues

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A velha e a nova vila de Vouzela

Nvouzela18jun15 Vouzela no centro de Lafões A meio da encosta do Monte Castelo e de seu irmão Lafão, que, juntos, segundo se crê, deram origem à própria designação desta Região, a de Alafões, ou Lafões, mais especificamente, fica a vila de Vouzela, a terra de Vaucella, com o Vouga aos seus pés. Com este Rio como sua marca, uma outra se lhe cola na perfeição, a da sua profunda ligação à Serra do Caramulo. Com uma grande antiguidade, a sua história está cheia de dados de extrema importância, daqui tendo saído alguns dos mais prestigiados obreiros do nosso passado nacional, local e regional e até em termos de além-mar. Sede de freguesia, por si só, desde há muitos anos, agora faz parte da União que congrega também Paços de Vilharigues, que, com sua Torre, nesta tem um bom farol, a indicar tempos de outrora, renovados recentemente, estabelecendo um bom diálogo com a Nossa Senhora do Castelo e com o Monte Gamardo. Partindo nós de uma recolha de dados que remonta a a 1889, esta terra de S. Frei Gil, D. Duarte de Almeida, João Ramalho, Padre Simão Rodrigues de Azevedo e Morais Carvalho, entre tanta outra gente de peso, distribuía-se então pela Vila, Igreja (sic), Valgode, Caritel e os casais de Linhares, Cabrela, Ribeirinha, Candeeira, Pombal, S. Paio, Foz, Crujo, Ermida, Cavada, Pinheiro, Matas e Costeira, contando ainda com as Quintas da Sarnada (?), Continha, Lamas, Costeira, Matas, Regadas, Caritel, Poldras, Portelo, Porto-Salto, Cavalaria, Valgode, Avelar e Linhares, falando-se apenas da freguesia dessa época. Na vila, duas praças, a de Cima, a Velha, e a de Baixo, a Nova, rivalizavam entre si, isto é, a Praça da República e o Largo Morais Carvalho eram os centros que aqui se distinguiam. Entre estes espaços e a Igreja Matriz, ficava o Largo da Corredoura, local da Feira de então, pensando nós de que se trata da actual Alameda. Por estes sítios, ganhavam o seu sustento alguns comerciantes, dois farmacêuticos, ferreiros, serralheiros, sapateiros, alfaiates, havendo ainda oficinas de tecelagem de panos de linho, de estopa e burel, quatro fornos de poia (pão) e pisões nos Rios Vouga, todo o ano, e no Zela, em época de fortes caudais. Com uma boa centralidade política, a associação, por exemplo, do Pai de S. Frei Gil à corte e à “Câmara” de Coimbra, de D. Duarte de Almeida aos homens do D. Afonso V, de João Ramalho à colonização do Brasil, do Padre Simão de Azevedo à fundação da Companhia de Jesus e de Morais Carvalho à fina flor do Liberalismo fazem com que todas estas evidências sejam disso um testemunho indesmentível. Num tempo em que os aspectos religiosos também andavam de mão dada com as forças políticas, justificam-se as Igrejas e Capelas que por aqui foram existindo ao longo dos tempos: Igreja Matriz, da Misericórdia, de S. Frei Gil, Capela de Nossa Senhora do Castelo, de S. Sebastião, de S. João (Casa das Ameias, em preocupantes ruínas), de S. Pedro (Valgode), de Santa Catarina (Quinta da Sarnada). Em monumentalidade, porém, há muito mais a citar: Ponte, na Rua do mesmo nome, toda ela um património incalculável, Fonte da Nogueira, edifício da Antiga Câmara (Biblioteca Municipal), Museu Municipal, Estátua de Morais Carvalho, casas senhoriais e brasonadas, sendo por isso quase lícito afirmar-se que se está perante uma Vila-Museu. Assim sendo, se é importante valorizá-la e preservá-la, não menos determinante é, para um seu futuro sustentável, rasgar-lhe outros horizontes fora de muros, se assim se pode falar. Como é reduzido o espaço a ocupar, fiquemo-nos com estas datas e respectivas evocações, extraídas de um desdobrável das Festas do Castelo: 1093 – um dos primeiros documentos escritos sobre esta vila; 1307 – criação da Feira; 1436 – concelho de Lafões, D. Duarte; 1882 – estátua Morais Carvalho; 1885 – fundação dos Bombeiros; 1904 – ponte sobre o Rio Vouga; 1926 – Mercado Municipal; 1927 – extinção da Comarca, restaurada em 1973; 1929 – iluminação eléctrica; 1929 – Associação os Vouzelenses; 1931 – em segunda fase, Sociedade Musical Vouzelense; 1935 – Notícias de Vouzela; 1959 – Hospital da Misericórdia; 1962 – Colégio de S. Frei Gil; 1964 – Cooperativa Agrícola de Lafões; 1966 – Quartel dos Bombeiros/Prédio das Colectividades. Do passado recente, muito anda por aqui escrito. E dos tempos de outrora fica quase tudo por dizer, mas não é possível ir mais longe, por agora. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Vouzela”, Junho, 2015

domingo, 13 de maio de 2018

Lafões, o território e a gastronomia

Lafões, o nosso território gastronómico A delimitação do espaço em que se desenvolve a actividade da Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões liga-se, profundamente, à noção de um território que ostenta uma identidade secular, sentida pelas nossas comunidades desde tempos imemoriais. Com sinais a evidenciarem essa marcha comum, alguns deles encontram-se na área específica desta nossa Instituição, a começar pela vitela que se confecciona, como imagem de marca destas nossas terras, desde Ribeiradio, no concelho de Oliveira de Frades, a Manhouce, de S. Pedro do Sul, e a Alcofra, de Vouzela, sem esquecer outras boas iguarias. Um outro produto é o vinho, que oferece muitas características comuns, a ponto de ter sido ponto assente em termos de classificação oficial. Foram estas evidências que estiveram na base da escolha desta designação espacial para a Confraria, logo no momento da sua fundação, no ano de 1996. Pretendeu-se com essa opção valorizar o potencial gastronómico e cultural de uma Região que se tem afirmado, por si própria, em todos os contextos e vertentes da nossa vida colectiva. Mesmo em termos de notação geográfica, para efeitos da União Europeia (NUT- Nomenclatura de Unidades Territoriais), sempre se assumiu com a sua identidade, ainda que em parceria com a do Dão. O mesmo se passa na Comunidade Intermunicipal em que se integra. Para assim ser, há razões de ordem histórica e de outras bases, mormente da geologia, da orografia, da vegetação e respectivas paisagens, da cultura, do sentimento de uma pertença comum, a motivar a existência de um Hino que nos une a todos e é forte motivação para selar ocasiões e eventos especiais em que estas terras estejam metidas. Como forma de enquadrar a Carta Gastronómica que a Confraria resolveu editar, após um aturado trabalho de pesquisa, vamos tentar mostrar os aspectos que estão na base deste nosso território, relevando, tanto quanto possível, os pontos que mais nos irmanam. Se, hoje, logo ressalta a existência de três concelhos, Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul e Vouzela, a delimitação em causa não se restringe a estes municípios, tocando ainda em freguesias de Sever do Vouga (Cedrim e Couto de Esteves), Castro Daire ( Alva e Gafanhão) e Viseu (Bodiosa e Ribafeita). Entendendo-se que há características comuns que extravasam o núcleo central, Lafões assim tem sido descrito, em área, ao longo dos tempos, que tão bem evidencia o nosso saudoso conterrâneo Amorim Girão, de Fataunços e ilustre Professor da Universidade de Coimbra. Em complemento, os topónimos que cruzam esta terras e que possuem Lafões no seu nome são vários e distribuem-se pelos diferentes municípios, com destaque para Oliveira de Frades e S. Pedro do Sul, onde encontramos Pinheiro, S. Vicente, Souto e S. Cristóvão de Lafões, havendo ainda, há anos, as Caldas do Banho ou de Lafões. Numa outra perspectiva, com elementos da natureza a serem cimento agregador, vê-se que o Rio Vouga, que corta estas terras, de leste para oeste, num eixo comum, desdes os concelhos de Viseu, de S. Pedro do Sul, de Vouzela a Oliveira de Frades, é um elo dos mais duradouros e dos mais decisivos. Igual papel têm as Serras da Gralheira, da Arada e do Caramulo. Com as obras humanas, que por aqui se foram edificando, no decorrer dos tempos, muitas delas praticamente imortais, assim se vieram juntar, como marcas também identitárias do nosso povo comum, esses feitos àquilo que a natureza nos legou. Desta forma, o homem ampliou, com esses empreendimentos, o que encontrou em seu redor. Olhando para os vizinhos do lado, mais longe ou mais perto, adaptou os seus modelos de construção às modas que por aqui iam aparecendo. Usou o colmo quando outros materiais não estavam ao seu dispôr, avançou para a telha, na época em que os romanos espalharam os seus fornos cerâmicos um pouco por todo o lado. Raramente, deixou de pegar na madeira, no granito e no xisto, de acordo com as características de cada espaço, desde Covelo de Arca a Covas do Rio, xisto, e, em grande medida, o granito na maioria de outras das nossas terras. Não se ficou, porém, pelas construções duradouras em termos de avanço dessse património lafonense, uma espécie de um todo, que serve de selo para a nossa identidade, nem por sombras. Estendeu esse desejo de união na diversidade ao vestuário, aos costumes, às tradições em si. É enorme o painel dessas conquistas comuns: cantares, vestuário, organizações festivas, convívios familiares, em muitas destas situações se encontram elos de ligação que bastante nos identificam, a todos nós, como membros de uma comunidade que, em certa medida, se distingue das demais. Como meio para sustentar esta nossa ideia, o Cancioneiro Regional de Lafões, uma recolha e coordenação de José Fernando Monteiro de Oliveira, 2000, logo aclara uma certa delimitação: “ A consideração do que é ou não repertório tradicional de Lafões assenta na vivência/experiência adquirida pelos autores, ao longo de suas vidas nas ceifas, malhadas e outras funções contextualizadoras da actividade musical... (P.9)”. Sendo mundos à parte, mas os dois em sintonia, por se filiarem ambos no campo da cultura, as canções muito ajudam a gastronomia a estabelecer limites e elas, em boa parte, têm muito de parecido, quase genético, num espaço ou noutro. Nesta área, como eixo usual, o “... Povo cantava a duas, três ou quatro vozes, com toda a esponteinadade, com a naturalidade de quem realiza a mesma tarefa há várias gerações. As suas cantigas retratam uma região com características muito próprias e as circunstâncias de seu uso. Transmitem-nos a maneira de ser, de viver, de pensar e de falar das pessoas que lhes deram vida, o pensamento de uma época e os valores então defendidos” ( Id, p13). Se a música é mostra de uma cultura partilhada, estas citações provam-no. Tocando elas numa multiplicidade de factores, incluindo a tónica do nosso falar, está tudo dito. Dentro da população portuguesa que somos, Lafões demarca o seu espaço a muitos níveis e, por esse facto, desde Amorim Girão a outros intelectuais, é mesmo um território com vida e marca próprias. Um outro aspecto prende-se com o uso da capucha, uma peça de burel caramulana, que se estendeu a muitas outras paragens desta nossa região. Neste contexto e muito directamente relacionada com a Gastronomia, podemos citar as rojoadas, ou sarrabulhadas que caracterizavam a época das matanças do porco. Indirectamente, são ainda de citar as malhas, as desfolhadas, as tasquinhadas, as vindimas e outras tarefas de índole doméstica que se mostram muito parecidas neste nosso espaço territorial. Estes traços de harmonização na diferença vêm de longe. Entretanto, com os romanos, as suas estradas e pontes criaram novos laços de pertença, desde a “estrada do peixe” a outras vias também estruturantes. Mais tarde, as novas vias de comunicação vieram concluir o resto deste quadro de união regional, nomeadamente a ER 41/EN16 e a Linha do Caminho de Ferro do Vale do Vouga. Com 31 freguesias, depois das recentes alterações administrativas, na actualidade, Lafões, que se viu ainda com ligações a S. João do Monte, encontra-se partido em duas áreas de Grupos de Acção Local – ADDLAP e ADRIMAG, mas nunca deixou de ser pensado como uma unidade global e uma marca própria. Isso perceberam os nossos Reis, desde D. Afonso Henriques a D. João V, já referenciado, este a criar o citado Ducado de Lafões, o mesmo subscreveram os nossos antepassados, em Lisboa e no Rio de Janeiro, cidades onde ergueram o Grémio Lafonense, em 1911, em Lisboa, semente da actual Casa de Lafões, assim como, no Rio, existiu, durante, muitas décadas a sua congénere. Olhando para o presente e para o passado próximo, deparamo-nos com a Adega Cooperativa de Lafões, com a Cooperativa Agrícola de Lafões, com o antigo Colégio Lafonense, em Oliveira de Frades, com a actual ADRL – Associação de Desenvolvimento Rural de Lafões, com a ASSOL – Associação de Solidariedade Social de Lafões, AEL – Associação Empresarial de Lafões. Por sua vez, Lafões enquadra-se na Associação de Municipios de Viseu, Dão-Lafões, na Associação de Municípios da Região do Planalto Beirão, na Região de Turismo do Centro, na CCDRC. Em dados concretos, vejamos alguns pormenores: concelho de Oliveira de Frades, 145.4 km2, 10 261 habitantes, no recenseamento de 2011, com 8 freguesias – Arca/Varzielas; Arcozelo das Maias; Destriz/Reigoso; Oliveira de Frades/Souto de Lafões/Sejães; Pinheiro de Lafões; Ribeiradio; S. João da Serra; S. Vicente de Lafões; concelho de S. Pedro do Sul – 349 km2, 16851 hab (2011) e 14 freguesias – Bordonhos; Carvalhais/Candal; Figueiredo de Alva; Manhouce; Pindelo dos Milagres; Pinho; Santa Cruz da Trapa/S. Cristóvão de Lafões; S. Félix; S. Martinho das Moitas/Covas do Rio; S. Pedro do Sul/Várzea/Baiões; Serrazes; Sul; Valadares e Vila Maior; concelho de Vouzela – 193.7 km2, 10564 hab (2011) e 9 freguesias – Alcofra; Cambra/Carvalhal de Vermilhas; Campia; Fataunços/Figueiredo das Donas; Fornelo do Monte; Queirã; S. Miguel do Mato; Ventosa; Vouzela/Paços de Vilharigues. Lafões integra-se na Região Centro, NUT II, e na sub-Região Dão Lafões, NUT III. Relembrando, tem na A25 e na A24 os seus veios estruturantes em altas vias de comunicação, devendo anotar-se ainda a importância, também vital, da EN 16 (como atrás assinalámos), que atravessa todo o território, de uma ponta a outra, de leste para oeste, ou vice-versa. - A gastronomia em Lafões Entre as muitos factores de união territorial e sentimental, a gastronomia em Lafões tem uma boa série de produtos e ementas que são pontos de identidade que galgam mundos e fronteiras. Sem pegarmos em aspectos que, tendo uma raiz toponímica mais localizada, mas que se associam, facilmente, a esta nossa Região, há marcas que ostentam toda a força desta nossa terra, na sua globalidade, começando pela Vitela de Lafões e pelo seu Vinho, aparecendo também, em termos de certificações oficiais, o Cabrito da Gralheira como outro selo que assumimos como nosso. É de tal forma marcante a influência da gastronomia na vida de nossas comunidades que as duas Escolas Profissionais, Vouzela e Carvalhais, a incluem nos seus programas curriculares, o mesmo acontecendo nos estabelecimentos oficiais públicos. Com um passado a atestar a longevidade da nossa gastronomia e culinária, nas receitas que aqui se estampam bem se nota o seu peso cultural. Aliás, estas componentes ligadas ao mundo da cozinha não se podem dissociar do nosso acervo patrimonial geral e particular, enquanto Região e como identidades locais. Por assim ser, as diversas e festivas cerimónias, as indumentárias e outros aspectos entroncam-se a preceito, como dissemos, em certas circunstâncias, com todo este mundo da alimentação e suas variedades. Muito do que se come e se aconselha tem a ver com a história de cada uma de nossas terras, seus costumes, necessidades, capacidades e espírito inovador e criativo, como facilmente se constata nestas páginas. Por serem importantes e terem legislação apropriada, comecemos, porém, por falar do Vinho de Lafões. De acordo com vária legislação existente, em 1868, havia sido delimitada a Região Vinícola de Lafões, mas não se avançou muito quanto a esta matéria. Numa outra altura, em 1908, no mês de Setembro foi criada a área da Região dos Vinhos Verdes, a englobar os actuais três concelhos lafonenses. Em 16 de Novembro de 1949, é atribuído o alvará à Adega Cooperativa de Lafões e, em 22 de Setembro de 1990, surgem os Estatutos da Região Vitivinícola de Lafões, passando a ser uma VQPRD, Vinhos de Qualidade Produzidos em Região Determinada, ou IPR – Indicação de Proveniência Regulamentada. A primeira Comissão Vitivinícola Regional deu os seus passos iniciais a 4 de Fevereiro de 1904, cabendo-lhe a defesa da Denominção de Origem e o controlo da qualidade dos V. Q. P. R.D locais, como se lê em “ Desenvolvimento da Região de Lafões, Colecção Estudos IERU, com coordenação de Henrique Albergaria, Coimbra, 2002” Aponta-se, nos vinhos tintos, para uma predominância da casta amaral em cerca de 40% e, para os brancos, o arinto e o cerceal, com 85%, devendo caber ao citado arinto um mínimo de 50% dessa componente global. Recorde-se que, ainda há poucas décadas, este sector, na sua vertente legal e ilegal, esta no que se refere ao americano, sobretudo, era responsável por uma boa parte das receitas económicas de cada agregado familiar destas nossas terras. Também a Vitela foi objecto de um processo de certificação que, nesta Carta Gastronómica, se entende registar. Com a apresentação do projecto de candidatura à categoria de “Indicação Geográfica”, a Cooperativa Agrícola de Vouzela envia o processo para as instâncias comunitárias europeias, em 7 de Dezembro de 1993. No dia 3 de Fevereiro de 1994, aparece inscrita no Diário da República, II Série, nº 28. Obtida a respectiva IGP – Indicação Geográfica Protegida, nela se consagram alguns preceitos essenciais: pertencer às raças arouquesa ou mirandesa e seus cruzamentos, ser criada no microclima das Serras do Caramulo e da Gralheira, ter uma alimentação autóctone, à base de pastos naturais, com modos de maneio ancestrais, sendo abatida ao desmame entre os 5 e os 7 meses. Estão ligadas a esta certificação a ADRL, a CAV e a Cooperativa Três Serras. Com uma incidência mais limitada e menos abrangente em termos de solo lafonense, o Cabrito da Gralheira, que se cria em várias freguesias do município de S. Pedro do Sul, na de S. João da Serra, de Oliveira de Frades, e ainda noutros espaços fora desta nossa área aqui objecto de análise, aparece registado no mesmo documento, referido a propósito da Vitela, também a 3 de Fevereiro de 1994. Tem de ser animal de raça serrana. Associam-se a este processo a ADRL e a Cassepedro. A importância da gastronomia regional Ao aproveitarem-se as condições existentes e as práticas ancestrais, a gastronomia tem um papel fundamental na dinamização do processo global de desenvolvimento, a montante e a jusante. A este propósito, em produção endógena, “... A região dispõe de um amplo leque de produtos agroalimentares específicos com qualidade reconhecida (nalguns casos, certificada), que podem ser economicamente valorizados, contribuindo directamente para a economia local, podendo também constituir factores de identidade territorial, a integrar na estratégia de promoção regional “ ( - “Programa Territorial de Desenvolvimento da Região de Lafões – ADDLAP, 2013”) Usando, em muitos casos, produtos autóctones, sendo que, em virtude das certificações, essa é, nesses casos, uma obrigação que está implícita na sua comercialização, e outros, faz fixar à terra, por via da agropecuária, todos aqueles que se dedicam a este sector de actividades. Favorece, assim, o povoamento, ao mesmo tempo que interfere, positivamente, com a salvaguarda de um ambiente mais são e mais puro, travando, em certa medida, a tragédia dos fogos e das cheias, fenómenos que se alimentam, em grande, da desertificação de que sofrem nossos solos. Neste contexto, ajuda ao combate contra os desequilíbrios regionais e respectivas assimetrias, que têm surgido em função do êxodo rural a que temos assistido. Para que se assegure a quantidade e a qualidade da produção agrícola e pecuária em doses suficientes, a tenderem para o ideal, como meta e objectivo, é preciso que os nossos aglomerados populacionais recuperem da sangria que têm sofrido. É ainda altamente necessário que se apoie, dinamize e valorize a vida do campo, de modo a torná-la atractiva e compensadora. Numa outra dimensão, é a gastronomia uma peça e uma componente fundamental na área da restauração e hotelaria, que florescem na razão directa da qualidade dos produtos que servem aos seus clientes. Potencia, desta forma, o mercado do trabalho, do emprego e da criação de investimento. Mas um documento deste género incide, em grande medida, o seu interesse num outro aspecto menos visível, mas extremamente importante: o da recolha de saberes para os tornar imortais e o da preservação e divulgação da nossa memória, como povo, como comunidade e como elo de ligação entre a arte de cozinhar e os produtos que a terra e a água nos dão. Por outro lado, aqui se regista ainda a evolução havida nesta matéria ao longo dos tempos. Em cada receita, se pode ler aquilo que é uma constante e uma evolução. Mostra-se também o mundo dos intercâmbios, as linhas comerciais, as vivências de maior ou menor riqueza e fausto. Nelas existe uma boa ajuda para que percebamos diferenças sociais entre os vários núcleos populacionais. A gastronomia e os diálogos com outras áreas Fácil é concluirmos que a gastronomia não vive isolada dos mundos e dos meios em que se insere. A ela se associam muitos outros domínios do saber e da história. Em primeiro lugar, a economia tem muito a ver com aquilo que se come e com as artes da cozinha. Os recursos e as disponibilidades marcam ritmos a que dificilmente se pode escapar. Desde sempre, se verificam várias fases e etapas que têm a ver com a marcha dos tempos e da história. A mesa, tal como asseguram Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, em História da Alimentação ( Terramar, Lisboa, 2001), é um marco que nos ajuda a distinguir as próprias classes sociais, transformando-se “ num poderoso elemento de identificação colectiva” (P.17). No dizer destes historiadores, à sua volta gravitam muitas profissões como os cozinheiros, os forneiros, os moleiros, os padeiros, os agricultores, em geral, os talhantes, os artífices, a que podemos juntar, modernamente, os empregados da restauração e da hotelaria, das indústrias alimentares e das vendas. Na sua função de símbolo, é factor de aproximação das comunidades e de restabelecimento continuado das relações estabelecidas entre as terras de origem e de destino, quando se trata das migrações, porque “... Através da função memorial, as cozinhas regionais, assim reconstruídas, permitem à modernidade urbana renovar os seus laços com a província com o prato consagrado pela recordação... “ (Idem, p. 390). Entretanto, na existência dos diálogos mantidos com vários saberes, é determinante o discurso que esta ciência gastronómica estabelece com a saúde e com a medicina, com a indústria farmacêutica, com a nutrição e com a dietética. Numa evolução permanente, adapta-se a cada exigência que surge dessas vertentes fundamentais para o nosso bem-estar, seguindo, com grande frequência, seus conselhos e indicações. Fruto destas fontes e de muitas outras, as escolhas alimentares variam de época para época e de lugar para lugar. Um peso bastante significativo vem, em grau mais ou menos elevado, das citadas migrações, das viagens, da globalização, que, vista a uma luz geral, tem muito da história portuguesa na sua evolução, por via da expansão. Veja-se, a este propósito, o papel das especiarias e dos novos produtos entradas nas nossas vivências a partir dos séculos XV e XVI. A gastronomia, como resultado dessas adaptações, segue, em cada tempo, caminhos diferentes, mas sempre com um objectivo em mente: satisfazer a vontade e a necessidade das pessoas e dos povos. Para Lúcia Helena Batista Gratão e Eduardo Marandola Júnior (2011), que relacionam a gastronomia com a geografia, atiram para o mundo dos livros os sabores que “... também são espaciais, pois constituem e descrevem lugares e paisagens... “ (P. 63), acrescentando que “... Não é por nada que cozinhar foi uma das primeiras expressões ligadas à formação cultural das sociedades... “ ( P. 65). Mobilizando uma enorme série de actores e recursos, importa sempre que se assegurem a qualidade, a segurança alimentar, a arte e a tradição, com pingos de modernidade em inovação para se não perder a marcha do movimento que é inerente a toda a vida humana, em que quase nada, ou mesmo nada, é estático, mas dinâmico. Nesta entrada em cena de tantas variáveis, a etiqueta e a gastronomia também andam muito associadas, incluindo os usos sociais e as indumentárias. Neste capítulo, não pode ficar indiferente nem à moda, nem aos costumes de cada região e respectiva civilização e cultura. Por isso mesmo, por ser palco dessas manifestações de identidade é que é tão rica de conteúdo, simbolismo e significado. Competindo-lhe proporcionar gostos diversos, serve-se, em boa medida, de “... todos os condimentos e toda a cozedura, numa palavra, todo a cozinha (para) desempenhar duas funções: tornar os alimentos os alimentos simultaneamente mais apetitosos, mais agradáveis aos paladares e mais digestos... “ (Flandrin e Montanari, 2001, p. 99). Ou seja, posta a gastronomia ao serviço do bem-estar, do agradável e saudável apetite das nossas comunidades humanas, tudo o que aparecer para a valorizar é sempre bem-vindo. Neste contexto, uma outra forma de dialogar acontece com os serviços veterinários, com a enologia, com os fabricantes de utensílios e maquinaria, com a assistência social, com as ciências da demografia e níveis etários dos nossos habitantes, com a educação, aqui numa conversa sempre com efeitos reprodutivos e duradouros bem digna de nota, enfim, com todas as franjas e áreas de saber e viver das nossas comunidades. Conclusão Como se não pode avançar para uma gastronomia de excelência sem o suporte das pessoas, altamente qualificadas e dignificadas, há uma enorme tarefa a prosseguir: a da formação, a da potenciação da tradição e a da entrada em cena de uma sustentada inovação. Se assim fizermos, o sucessos estará garantido. Esta é a finalidade da Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões. Nas suas mãos está depositada, desde há vinte anos, uma enorme carga de desafios e de uma acrescida responsabilidade. Depois da publicação desta Carta, aumentam muito mais as exigências que nesta Associação recaem. Mas, com os olhos virados para o futuro e uma atenção dedicada à defesa da qualidade da nossa gastronomia, culinária e respectivos saberes, será mais plano o caminho a percorrer, ainda assim não isento de pedras e obstáculos, que têm, a cada momento, de virem a ser vencidos. Acerca desta obra lançada pela nossa Confraria, fazemos nossas as lições de Maria de Lurdes Modesto ( Palavra puxa receita, Verbo, 2005), quando escreveu: “ Neste livro, sobre o qual não tenho nem ambições, nem pretensões, há de facto receitas cuja inclusão serve apenas de apoio à ideia que tenho da cozinha no contexto vastíssimo de uma alimentação inteligente: torná-la mais saudável e mais apetecível”. É também este o nosso bom propósito. E a terminar, fiquemos com este sentido desabafo de Júlio Isidro sobre o nosso fundador Chefe António Silva: - “ A cozinha está agora vazia. No ar, apenas o perfume de milhões de iguarias que o meu amigo António Silva confeccionou ao longo de sua vida... “ Parte dela, foi também muito nossa. E esse legado não mais o deixaremos morrer. Carlos Rodrigues, in “ Carta Gastronómica de Lafões”, 2016

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Avançar com acções para revitalizar o Interior

Valorizar os nossos territórios passa por acção e determinação O Interior português, que vive uma situação de continuado, acentuado e perigoso abandono e desconforto total, não precisa tanto de palavras, mas sim de quem, abanando o sistema de políticas públicas, se decida a mexer, de alto a baixo, em matéria de decisões e acções concertadas, sustentadas e duradouras. Com uma mão cheia de documentos, de feição nacional e europeia, de pouco têm adiantado. Temos agora em cima da mesa dois instrumentos novos, mas vê-se ali muito do que tem sido dito vezes sem conta e os resultados não têm melhorado. Optimistas quanto baste, acreditamos que pode ser agora que as nossas terras vejam reconhecido o seu valor. Mas duvidamos que tal venha a acontecer. Vamos por partes: o Movimento pelo Interior, que tem andado numa roda-viva a agitar as consciências e a lançar pertinentes alertas, prepara-se para lançar o Grito de Ipiranga no próximo dia 18, em Lisboa. Não sabemos se é o melhor sítio para tal acontecimento, porque a gente que aí tem governado, séculos e décadas a fio, não tem cuidado nada bem de nós. Só se for para lhes puxarem as orelhas e darem uma valente sacudidela no Terreiro do Paço, a raiz de todos os nossos problemas e das desigualdades de que sofremos continuamente. Colocando a tónica muito no sistema de impostos e na necessidade de discriminações positivas, algumas delas deveras radicais, deixam de lado (dizem que por opção) uma reivindicação que deveria ser logo das primeiras a ser proclamada, defendida e bem agitada: a do fim das portagens nas ex-SCUT. Esta é, a nosso ver, uma falha entre outras. Uma dessas prende-se com o facto de se não exigir uma nova Lei Eleitoral que consagre, em definitivo, a escolha dos nossos representantes, com voz própria na Assembleia da República. Pelo menos não a temos visto nos ecos que nos chegam. É, porém, um bom e salutar pontapé de saída. Paralelamente a este trabalho, que tem a vantagem de falar grosso e de baixo para cima, em sentido oposto, de cima para baixo (o que nos faz logo desconfiar da sua eficácia), apareceu, por estes dias, para discussão pública de 30 de Abril e 15 de Junho do corrente ano de 2018, um documento para alteração do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, que contém, aliás e isso deve ser dito, um bom rol de intenções. A nossa desconfiança e o pé atrás advêm do facto de termos tido já uma mão cheia de intenções desse tido e poucos efeitos se notam por aqui, onde a coesão territorial, social e económica é uma miragem e apenas isso. O que temos e o que aí vem Recapitulando, já temos a Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo, de 1998, mas aprovada apenas, em Assembleia da República, muitos anos mais tarde, pela Lei 58/2007, de 4 de Setembro, tendo estado em avaliação em 2014, culminando com a Resolução do Conselho de Ministros 44/2016, a determinar a sua alteração, o que está agora a acontecer. Mas há mais, nomeadamente: o Livro Verde da Coesão, 2008, o Tratado de Lisboa, 2009, a Agenda Territorial da UE 2020, de 2011, o 7º Relatório sobre a Coesão Económica, Social e Territorial, de 2017, as Políticas Regionais da própria UE, entre tantas obras escritas. Só que, na prática, é o que se vê - um desastre em despovoamento e desertificação das nossas terras de todo o tamanho. Entretanto, várias das ideias que ali surgem merecem que as subscrevamos por baixo e isso fazemos, mas, depois, temos de esperar, desesperando, para ver. Assinalemos algumas delas, contidas nas mais de cem páginas da Estratégia e Modelo Territorial. Ei-las, muito pela rama: valorização da biodiversidade e dos ecossistemas vistos como activos estratégicos para a coesão territorial; consagração do enorme potencial dos espaços rurais; um olhar forte para o combate às desigualdades e para os problemas demográficos; a necessidade de perspectivar um futuro mais local; uma sociedade mais participada; fomentar a atractividade populacional e a inclusão social; reforçar o acesso aos serviços de interesse geral; descentralizar; aumentar a cultura territorial. Com muita matéria para dissecar e analisar, estas foram apenas umas breves pinceladas. Esta é mais uma hora para pensarmos em nós e nas soluções que nos levem a tempos melhores. Venham eles. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 10 mai18

A toponímia a ensinar-nos...

A toponímia como fonte para falarmos do nosso passado Por entre os muitos vestígios que nos levam a conhecer os tempos de antigamente, a toponímia, enquanto ponto de apoio para o devido estudo, tem uma boa palavra a dizer. Dissecando a formação dos vocábulos que se referem a locais, ruas e afins, chegaremos a um porto mais ou menos seguro, quanto à origem e formação desses espaços e, por conseguinte, ao conhecimento de quem nos antecedeu. Não sendo, porém, uma ciência exacta, dúvidas existem. Mas onde as não há? Mesmo que assim seja, é sempre melhor ter essa ferramenta à mão que vogar por cima do vazio. Qualquer dicionário, geralmente, faz referência à formação de cada uma das palavras e , assim, melhor ficamos a saber a sua razão de ser e a pertinência do seu significado. A partir de um exemplo, colhido no “Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, 2001”, bem percebemos de que estamos a falar. Com base nesta ideia, “história” provém do latim com a mesma grafia mas sem acento, que, por sua vez, radica no grego em caracteres que nos dispensamos de aqui transcrever, mais por não os sabermos do que por outro qualquer motivo. Seguem-se, depois, os vários significados, ora numa perspectiva isolada, ora em contextos diversos. É de relevar-se o facto de que esta Academia, na sua origem e como seu primeiro Presidente, se ficou a dever ao nosso II Duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança e ao Abade Correia da Serra, nos finais do século XVIII. Nesta longa viagem e percorrendo as obras em que se abordam as nossas variadas localidades, quase sempre encontramos esta mesma metodologia. Uma delas, de fôlego e com muito detalhe, retrata o concelho de Vouzela, lugar a lugar, freguesia a freguesia, e tem como seu autor Mário João Pereira Loureiro. Trata-se de uma edição da Câmara Municipal, publicada no ano de 2007. Esta Toponímia, destaca o seu obreiro, contém “ Nótulas históricas e linguísticas”, abrangendo assim dois ramos da ciência, que muito úteis nos são. Começa por esclarecer que “ A toponímia, ramo da Linguística que tem por objectivo o estudo da origem e siginificado dos nomes de lugar (es), apresenta complexidade, por abarcar grande amplitude de domínios (...), de âmbito humano, geográfico, histórico, botânico, zoológico, etc”. Numa sucessão de casos, aponte-se Alcofra, no município de Vouzela, que “provém de al-kafr (através da evolução Alcafra, Alcofra...), significando infiel, ou renegado, designação dada pelos muçulmanos aos cristãos” (p. 19). Já Cambra tem origem”... segundo alguns, em Cambar, nome possivelmente pré-românico, atribuído ao Rio Alfusqueiro em documentos dos séculos XI e XII e designativo da povoação até ao século XIV” (p. 29). Para Varzielas, no concelho de Oliveira de Frades, a explicação passa por se entender que é um “Topónimo oronímico, abundante no norte do país, que provèm do nome várzea (latim varcena-) com o sufixo diminuitivo - elas, tendo o sentido de pequenas chãs ou planícies cultivadas” (p. 45) Agora, situando-nos em S. Pedro do Sul, pegamos num outro tipo de documento, designadamente o “Projecto de Lei nº 696/X/4ª – Elevação da vila (...) à categoria de cidade”, sendo que aí se lança mão da própria etimologia, logo nas primeiras palavras, para dar a ideia do longo historial destes povos de “Sancti Petri do Sur”, como se vê em escritos do século XI, aludindo-se à origem árabe de “sur”, que se situa “in terra Alahuni”. Quanto a este antecedente do actual Lafões, são múltiplas e divergentes as diversas interpretações que, a esse nível, nos aparecem por aí, desde a lembrança dos dois irmãos, os Montes Lafão e Castelo, a outras mais, mas todas elas convergem num ponto algo essencial: o “al”, em alavoenes e outros vocábulos da mesma família, está praticamente sempre presente. Uma outra fonte digna de nota para a discussão destas temáticas é o “Cadastro da população do Reino (1527)”, anotando-se aí povoado a povoado em grafia da época, mas que tem implícito já o caminho para os nomes de hoje. Distribuindo-nos pelos três municípios desta Região temos, em curtas referências por cada um: - Antes, porém, falemos da zona no seu todo – No comçelho de lafõis viuem moradores – 1956 - De Oliveira de Frades, então não existente, por ser um Couto, mas retirando as designações dos outros concelhos dessa época - Rybeira dio, espimdello, naldea do souto, bamdouapis (Bandonagens), arcuzelo, amtre as auguas. - De S. Pedro do Sul – fygeyredo, outeyro da comemda, lamdeyra, dryzes, candall, formomtellos. - De Vouzela – cambarynho, levydes, carregall, quymtã da caularia, vallgode, codeseyra. Indo para outros patamares, as ruas, avenidas, largos, praças e becos são um manancial de património e história que se tornam verdadeiros tratados de conhecimento e de borrachas que servem, em cada período, para apagar memórias e alusões tidas como inconvenientes. Por elas passa a linguagem dos vencedores e o esquecimento de quem teve a sina de ficar para trás. Sendo este um aspecto de que falaremos dentro de algum tempo, vejam-se em Vouzela a Praça da República (ex- Praça Velha) e o Largo Moraes Carvalho (Praça Nova). E não vamos muito mais longe, porque exemplos destas situações nos aparecem por todo o lado. Veremos isso... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 10 mai18

sexta-feira, 4 de maio de 2018

A todas as MÃES...

Porque estes são dias de imensa tristeza, a minha Mãe que perdi em 4 de Maio, a todas as Mães do mundo, aqui ou além... Mãe Quis a nossa língua portuguesa fazer com que os nomes de mãe e pai tivessem apenas uma sílaba para serem logo e facilmente aprendidos, desde o berço aos primeiros momentos do colo, pelos seus filhos. Fáceis de pronunciar, pela sua pequenez, em significado nada há que supere estas amorosas palavras. Sendo esta uma obra social e não um produto inato, o espírito de síntese que revelam estes vocábulos diz tudo acerca da força dos criadores da nossa língua, diferente de todas as outras do mundo e a dar voz a centenas de milhões de pessoas em todos os continentes, a ponto de estar nos lugares cimeiros das mais faladas no universo. Sabendo que há variantes diversas, como mamã e papá, mãe e pai, continuam a marcar-nos desde sempre. Pelo menos para muitos de nós, que jamais deixaram de usar tais mágicas e doces palavras. Mãe, que riqueza! Que montanha de afectos sem fim! Que amor, que entrega, que dádiva total, que motivação, que orgulho, que saudade, em muitos casos, como é o nosso! Mãe, que assombro de mulher, de pessoa, de bondade, de ternura, de lágrima fácil, de sorriso rasgado, de sonora gargalhada em tantas ocasiões! Mãe, que dores nas partidas, que correrias nas chegadas, que olhar tão sereno sempre que dela nos abeiramos em busca de tudo aquilo que precisamos e nos faz felizes! Mãe, que ombro amigo, que amparo tão certeiro, que urgência em socorrer seus filhos no momento em que algo de anormal sobre eles pesa! Mãe, que nome tão breve de pronunciar e tão grande para todos nós! O maior de todos, sem dúvida. Mãe, ainda bem que somos portugueses, porque fomos capazes de dar corpo a uma palavra tão minúscula e tão generosa ao mesmo tempo! Mãe, estamos aqui. E aqui ou além, sabemos que as nossas Mães nunca nos esquecem, nem nos desamparam! Mãe, que mão amiga, que grandeza de espírito, que vontade de nunca falhar! Mãe, por tudo isto e por aquilo que não somos capazes de dizer, muito obrigado. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Abril, 2018