quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Um poeta nascido em Manhouce, Gomes Beato

Um poeta das Beiras António Gomes Beato cantou e bem as nossas terras e gentes Carlos Rodrigues Saído da sua Manhouce, chão de tantos encantos e músicas, António Gomes Beato, professor e inspector do então ensino primário, hoje pomposamente chamado de primeiro ciclo, levou daquela terra serrana o gosto pela criação poética literária e nunca mais o deixou. Com as letras na ponta da caneta e na sua voz timbrada, em cada canto e em cada acontecimento ou personalidade via um motivo para mais uma criação. Pensamento e acção andavam, com ele, par a par. Com uma obra dispersa por muitos jornais e outras publicações, hoje pegámos em dois dos seus livros e com eles partimos à descoberta da nossa própria identidade: “Canções do Vouga”, 1990, e “ Lafões, a tradição e a lenda”, 1993. No primeiro, encontramos alusões poéticas à Madre Terra de Lafões, à Beira Alta, Lisboa, S. Pedro do Sul, Vouzela, a sua Manhouce, Oliveira de Frades, Termas, Rio de Janeiro, Serra da Gralheira, Tondela, Vilarinho, Santa Cruz da Trapa, Cambra, Valadares, Viseu e, entre outros, os seguintes temas: águas sussurrantes, bailado da neve, alegria e saudade, bodas de prata do orfeão português, serra agreste, boas festas e tocata dos Reis, amar os outros e fazer o bem, moinhos da minha terra, noite de Natal, Páscoa, Nossa Senhora de Fátima Peregrina, Rainha D. Amélia, centenário do poeta A. Correia de Oliveira, canto da despedida. Com um prefácio escrito pelo Engenheiro Mário Rodrigues do Cruzeiro, aí se podem ver partes do seu vasto curriculum, como a frequência do Liceu Alexandre Herculano do Porto, Colégio da Via Sacra, Viseu, Colégio João de Deus, também no Porto, e nesta cidade o curso do Magistério Primário (1944). Na sua carreira pedagógica, passou por funções docentes na sua aldeia, na Escola do Magistério Primário de Lisboa, pela Campanha Nacional de Educação de Adultos, avançando depois para Moçambique, para prestar serviço no Ensino das Missões na Diocese da Beira, como inspector e orientador pedagógico. Coube-lhe ainda a incumbência de fazer parte do Grupo de Estudos e Trabalhos para o Aperfeiçoamento do Ensino e na área dos Cursos de Formação de Professores. Passou também por Cabo Verde como Inspector Escolar da zona do Barlavento. A sua pessoa ficou associada à escolha de Manhouce para o concurso das Aldeias Mais Portuguesas (1938) e ao Rancho Folclórico nascido por ocasião desse evento, bem como a Tunas e Orquestras, vindo a ser também fundador do notável Grupo de Cantares de Manhouce (1977). Tornou-se sócio efectivo da Associação de Escritores de Gaia, Director da Casa da Beira Alta, Porto, cidade em que secretariou o Grupo de Estudos Brasileiros. Em “Lafões – a tradição e a lenda”, lemos os seguintes poemas e textos, além de outros: vamos à descoberta dos nossos valores, minhas Avós, orações, superstição, costumes do passado, cantares das nossas avós, canções de ninar, cantares das Romarias, cantares de Manhouce e Cambra, linguagem popular, adágios, adivinhas, parlengas, omomatopeias, usos e costumes tradicionais, contos e rimances, as lendas e Hino de Lafões. Ao estilo de jeito de apresentação, diz-nos que “ Cada povo guarda o seu próprio sinal, próprio e inalienável... São maravilhosas canções e poesias e tantas outras expressões de alma... São pias rezas e ensalmos,adágios e antifiguris, facécias e zombarias... São costumes e usos, artesanatos e trabalhos do campo, trajes e utensílios... São também as riquezas arqueológicas... (porque)... Ninguém pode amar sem conhecer... “ Por serem estes ricos espólios cheios de uma carga cultural transversal ao tempo e às nossas terras, anotemos meia dúzia de tópicos retirados dessas obras, como se segue. Em “Canções do Vouga” - “ Eis-nos aqui agora mesmo em frente/De Lafões, o torrão de mor encanto/Da nossa amada Pátria adonde, ó Anto/Queríamos ficar eternamente” - “ Da terra é que me veio quanto eu sou/O meu sangue, o meu corpo e condição:/Seiva que vem de longe em mutação/Sempre a ser renovada e me formou” - “ Minha Beira, meu altar/Minha chama de lareira/E meu berço de embalar/Minha carícia primeira” - “ Ó Casa de Lafões, nobre solar/ Da nossa gente. Ó ninho, ó lareira/Chama a aquecer a asa a acarinhar/Quem se achegar com frio à sua beira” Em “Lafões – a tradição e a lenda” - “ Daqui para minha terra/Tudo é caminho chão/Tudo são cravos e rosas/Dispostos por minha mão” - “ Quem tem filhos pequeninos/Sempre lhes há-de cantar/Quantas vezes as mães cantam/Com vontade de chorar” - “ A carta que me escreveste/Inda cá não chegou/Se me queres alguma coisa/ Fala-me qu’eu aqui estou” - “ Se choras por me aqui veres/Daqui me vou retirar/Se choras por eu te dever/Aqui estou p’ ra te pagar” Tanto, tanto mais há para por aqui ler. Isto foi apenas uma espécie de chamariz. A nossa cultura popular muito ficou a dever a António Gomes Beato, o poeta de Manhouce. Lê-lo faz-nos bem. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan 2021

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