quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

De um Papa português à morte do Papa Bento XVI...

Falar de um Papa português na morte de Bento XVI CR Nos tempos em que viveu S. Frei Gil, o santo vouzelense que morreu em Santarém no ano de 1265, Portugal viu ser eleito um Papa português ( com o nome deJoão XXI), o cardeal e arcebispo Pedro Julião, mais conhecido como Pedro Hispano, natural de Lisboa, onde terá nascido nos primeiros anos de 1200 (?). Acabou por morrer tragicamente a 20 de Maio de 1277, após ter sido atingido, no Vaticano, pela queda de um tecto. Nestes dias, assistimos à morte do Papa Bento XVI, pelo que aqui estamos a fazer estas associações entre estes diversos factos. Ao começarmos pelas referências ao Papa João XXI, fazemo-lo por acharmos interessante para a nossa história local esta ligação a S. Frei Gil. Um e outro, foram médicos, padres, filósofos e até alquimistas e os dois frequentaram, em diferentes anos, a Universidade de Paris e a a sua área das artes. Começaram ainda os dois pelas escolas episcopais, a de Lisboa, Pedro Hispano, e a de Coimbra, S. Frei Gil, onde também passou pelo famoso Mosteiro de Santa Cruz. Qualquer um deles se relacionou com o Rei Afonso III, ainda que motivos algo diferentes. Se S. Frei Gil foi um notável Dominicano e seu grande responsável na Península Ibérica, Pedro Julião andou mais por outras altas esferas da Igreja, o que, um dia, o levou a ascender ao Papado em conclave fortemente conturbado e cheio de polémicas. Com efeito, de 19 de Agosto de 1276 a 20 de Setembro desse mesmo ano, foram acesas as discussões e contendas em Viterbo com a disputa entre dois pólos: por um lado as facções ligadas a Orsini e ao partido de Colloni e outras ao nosso Pedro Hispano, que veio a ser eleito nesse mesmo dia 20 de Setembro, adoptando o nome de Papa João XXI. Pelo meio, sucederam-se as ameaças e agressões fazendo com que o novo Papa tenha criado um tribunal especial para julgar quem assim se comportou. È de notar-se que, durante séculos, o Papado foi objecto desse tipo de contendas a envolverem interesses que iam muito para lá do mundo religioso, como aconteceu, por exemplo, na época dos Médicis, muitos e muitos anos depois de Viterbo. Se a eleição de Pedro Hispano foi atribulada, o seu curto pontificado de apenas cerca de oito meses não o foi menos. Com uma personalidade muito própria e vincada, dizem as fontes desses dias que acabava por receber, em audiência, tanto ricos como pobres, o que não agradava muito à gente que o rodeava. Dedicou-se ainda, para agravar os problemas, à diplomacia em favor da paz na França, na Germânia e em Castela, ao mesmo tempo que tentava promover a reunião, num espírito de conciliação, entre as igrejas ocidentais e orientais. Num curtíssimo período de exercício de suas funções pontifícias, quase sempre, pode adiantar-se, lhe fizeram a vida negra e os motivos para isso também não deixavam de aparecer em cada decisão que tomava: em terreno fortemente minado, até o facto de ter entrado em conflito com os Dominicanos (curiosamente, a Ordem de S. Frei Gil) teve iguais consequências. Em vida, lá por Roma, foram assim tumultuosos os seus dias, a ponto de se dizer que o tecto que sobre ele caiu e o conduziu à morte foi um acto provocado, talvez mesmo um frio assassinato, como, mais tarde, se veio a especular. Depois da morte, também o “sossego” não foi o seu forte, como nos diz J. Boléo-Tomé,andando de um lado para outros em sucessivos túmulos até que, em 2000, por acção da Câmara Municipal de Lisboa (João Soares) e do Episcopado, foi recuperada a pedra tumular com jacente antigo e colocada, finalmente, em repouso definitivo, em Viterbo, perto de Roma. Dante, o célebre poeta da Divina Comédia, o não esqueceu, colocando a sua alma no Paraíso, o que atesta a importância que o Papa João XXI, autor, entre outras obras, do “ Thesaurus Pauperum” (Tesouro dos Pobres), veio a conseguir por entre obstáculos e sucessos que foi tendo no seu pontificado. A terminar, aludamos ao Papa Bento XVI, o célebre Cardeal Ratzinger, nascido na Alemanha em 1927, e que faleceu no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano, em 31 de Dezembro de 2022. Tendo exercido o seu múnus papal entre Abril de 2005 e Fevereiro de 2013, tomou a iniciativa inédita na Igreja de ter abdicado. Passando por uma vida juvenil altamente complicada, tendo sido mesmo obrigado a inscrever-se no exército alemão, foi notável, muito mais tarde, o seu papel, como Cardeal e Professor, em termos teológicos e doutrinais. Viveu, em Roma, uma fase de transição entre dois Papas bem distintos: S. João Paulo II e o actual Papa Francisco. Finou-se agora de morte natural, ao contrário do português Papa João XXI, cuja causa apareceu de surpresa e envolta em mistérios sem fim… Um e outro merecem a nossa consideração e profundo respeito. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Vouzela” Janeiro 2023

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