terça-feira, 2 de março de 2021

Do comércio para a vida social: lafonenses em Lisboa

Lafonenses em Lisboa com marcas neste jornal Vidas e obras que são um exemplo de sucesso CR Na vida de nossas terras, neste Interior com cheiro a maresia, há uma constante social que nos está apegada que nem uma lapa: as migrações. Sempre a sermos mais espaço de partidas que de vindas, salvo quando as forças diminuem e o retorno ao torrão natal fala mais alto, as grandes metrópoles e o estrangeiro sempre têm atraído as nossas gentes. Lisboa e o Brasil, primeiro, foram as grandes opções. Vieram, depois, a Europa e as Áfricas, num constante ir praticamente sem retorno. Numa escada ascendente, a marcha foi, muitas vezes, triunfal. Outras, nem tanto... Nestas próximas linhas, vamos aqui registar percursos de sucesso pessoal, profissional e social de se lhes tirar o chapéu. Nos casos de que vamos falar, há ainda um aspecto comum e que nos apraz referir, com gratidão e reconhecimento: na sua maior parte, deixaram vincados, nestas nossas páginas, os seus nomes dourados. Assim aconteceu com João de Almeida e Costa e o Eng. Mário Rodrigues do Cruzeiro, um e outro a passarem para livros vários de seus textos e testemunhos, de que nos orgulhamos de ter prefaciado em ambas as situações, “ À sombra do meu castelo, João Costa, edição pessoal” e “Momentos, Mário Cruzeiro, dado à estampa pela Casa de Lafões”. Por caminhos bem diferentes, o primeiro a trilhar as vias do comércio, desde marçano a patrão e proprietário, e o segundo a enveredar pelo seguimento de sua vida académica de engenharia electrónica e militar, um de Vouzela, outro de Oliveira de Frades, estes dois lafonenses, que infelizmente já nos deixaram, bem mostraram de que é feita a garra e a fibra dos nossos conterrâneos. Até por razões de idade, iniciaremos esta crónica com a vida de João de Almeida e Costa, natural de Vilharigues, nascido no seio de uma família com 18 irmãos. Por assim ser, logo ao sair da escola primária, foi buscar o sustento ao mundo do comércio, na vila-sede do seu concelho e, quatro anos depois, em Lisboa. Foi tal o seu amor a essas funções que, em poesia, assim escreveu, um dia: “... Ó tábuas do meu balcão/onde sempre trabalhei/já vos olho com saudade/inda agora vos deixei... “, registando ainda que, durante quatro anos, olhou para a estátua de Moraes Carvalho, de que se afastou para procurar outros horizontes. Confessou que, lá na capital, foi acolhido por Bernardino Marques, o “Pai dos Marçanos”, onde desempenhou funções na sua pequena mercearia. Passados alguns tempos a trabalhar por conta de outrem, viria a construir uma carrreira de sonho, fundando, sozinho, ou em parcerias, várias casas e firmas, como a Costa e Costa, na Rua do Grilo, também uma “escola” para muitos dos seus empregados, pagando na mesma moeda que tinha recebido, e ainda a Loja da Moda, o Café Imperial, o Café Namba, a Casa Imperial do Beato, as Pérolas do Beato e de Lafões, sendo também sócio da Sofapa – Sociedade Fabril de Panificação, Lda. Antes de avançarmos, devemos acrescentar que a vida no comércio começava com carradas de dureza, dores e dissabores, impondo muitos sacrifícios e lágrimas, desde o começo como marçano, uma espécie de novato ou de aprendiz, de pau para toda a obra, de cesto ao ombro, escada acima e abaixo, que nem sempre recebia as atenções devidas, muito pelo contrário. Chegar a caixeiro era um dos objectivos que todos almejavam, porque nesse posto já tinham direito a gravata e a estar ao balcão em diálogo com os clientes, terminando, em muitas situações, com a sua conversão em comerciantes por conta própria, como aconteceu com João Costa, como vimos. Isso era, porém, algo que nem todos conseguiam. Alguns deles, muitos, nem sequer ficavam por estas lides, optando por outras vias, como se viu, por exemplo, com António (Maria da) Silva, o célebre actor do Pátio das Cantigas e de outras outras culturais de vulto, que também dera os primeiros passos naquelas tarefas comerciais. Outros voos no meio de tudo isto Fazendo das lojas uma universidade da vida, tanta da nossa gente, que esteve ligada a este “NV”, veio a singrar até no mundo das letras e das vivências. Lembramo-nos, a talhe de foice, de Aires Alves Lopes, nosso delegado.correspondente durante muitos anos em Lisboa, Presidente da Direcção da Casa de Lafões, de João Costa, obviamente, que, nas nossas páginas, escreveu sob o lema de “`À sombra do meu castelo”, com muitos trabalhos, e, durante anos, qual Gonçalo Cadilhe dos anos 60 e 70, nos brindou com inúmeros relatos de viagens, que fez um pouco por todo o mundo, pela Europa toda, incluindo a ex.URSS, Marrocos, Canárias, Japão, Médio Oriente, EUA, Canadá, Tailândia, Irão, Líbano, Brasil, Madeira, Açores e tantos, tantos outros locais. Com descrições pormenorizadas, deixou-nos quadros reais que ainda hoje são um regalo de ler. Deveu-se a estes nossos conterrâneos e a muitos outros dos três concelhos de Lafões, Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul e Vouzela, deve frisar-se, a fundação do Grémio Lafonense (1911), de onde viria a sair a actual Casa de Lafões, a partir de finais dos anos trinta. Este nosso tributo a quem assim deixou obra não ficaria, por hoje, completo, se não falássemos de uma outra saudosa pessoa, o Eng. Mário Cruzeiro, que, anos a fio, nos brindou com sua refinada prosa e poesia. Com um percurso de vida bem diferente daqueles que temos vindo a relatar, houve uma nota muito comum: o carinho pelas suas e nossas terras e por tudo quanto as pudesse engrandecer. Desses seus escritos nasceu o livro “Pensamentos”, já referido, e que a Casa de Lafões entendeu por bem vir a editar. Pegando em textos da sua “ A face clara das coisas obscuras”, de “Nas rotas turísticas de Lafões”, da “Na periferia de Lafões” e muitos outros textos que foi escrevendo, parte de tudo isso ali ficou compilado. Engenheiro e militar, sobretudo como Professor, homem das letras e das tecnologias, nos anos 60 aventurou-se a fazer uma obra de vulto, a “Televisão”, que versa sobretudo as suas questões técnicas. Por serem quem forem, por terem sido parte desta família do “Notícias de Vouzela”, que se vai renovando, felizmente, aqui deixámos estes testemunhos. Bem merecidos, por sinal e são bem pouco, aliás... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Fev 2021

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