sexta-feira, 19 de março de 2021

Bandas filarmónicas de Lafões com pautas arrumadas...

Música e cultura perdidas Um ano de Covid para não esquecer Neste mundo parado no meio de uma pandemia que teima em não nos abandonar, muitos e variados sectores de actividade económica, cultural, recreativa e social acabaram por encerrar e por clamar por melhores tempos. Só que estes tardam em aparecer. Enquanto assim vivemos, assistimos a um cortejo de desgraças e a um rol imenso de dores sem fim. Foram vidas, foram cardos, foram espinhos que se cravaram na nossa pele e a feriram até mais não. Numa viagem e numa espécie de balanço, hoje anotamos aqui, nestas páginas que são uma velhinha e constante carta de família a caminhar para os noventa anos, alguns apontamentos sobre a vida adormecida das nossas bandas filarmónicas lafonenses, algumas mais do que centenárias. Como ponto de partida, nesta amostra, olhámos para o ano de 2019 e encetámos um exercício comparativo. Constatámos que a regra, neste caso, não tem, infelizmente, excepções: todas as colectividades contactadas afinaram pelo mesmo diapasão e por uma pauta em branco. De concertos, arruadas, procissões, missas e outros espectáculos pouco ou nada há a constar. Tudo praticamente se finou quando a OMS viu que a pandemia tinha vindo para ficar em vagas sucessivas, o que viemos a comprovar, mais na segunda fase, duríssima e enormemente letal. Os doentes, os internamentos em enfermaria e cuidados intensivos e as mortes marcaram o triste compasso deste ano que passou, em Portugal desde o dia 2 de Março de 2020. Há um mês, os hospitais e as morgues mostraram imagens de terror e desilusão, que nunca mais seremos capazes de esquecer. No que à cultura diz respeito, sector que escolhemos para as nossas reflexões desta semana, muito se tem falado na sua dita alta roda. A todo momento e muito justamente, surgem as imagens e os testemunhos dos cantores, actores e mais gente do espectáculo a queixarem-se da rudeza destas temporadas em branco. Mas pouco ou nada ouvimos dizer acerca do que tem acontecido, por exemplo, com os grupos folclóricos populares e as bandas filarmónicas que fecharam portas e nunca mais vieram para a rua mostrar a sua qualidade, o seu trabalho e a tradição de animarem as nossas comunidades em todas as festas religiosas ou profanas. Até parece que não existem e que não sofrem a crueza desta época de Covid 19. No entanto, são uma marca cultural que muito nos honra e mais nos orgulha e que vivem em sufoco constante. Com despesas certas, tudo fazem para não caírem de vez. Resistindo contra estes ventos agrestes que roncam a uma velocidade de centenas de quilómetros por hora, aguardam que a tempestade amaine e que a acalmia as deixe continuar a pôr em prática o que muito bem sabem fazer. É isso que desejam e que querem que venha a acontecer rápida e duradouramente. Ontem, já era tarde. Uma caminhada pelas nossas Bandas Em cinco paragens que fizemos, tentando ter uma espécie de amostra, descobrimos que há cerca de 220 executantes com as pautas guardadas nos seus baús e mais de 80 alunos das escolas de música com as aprendizagens em banho maria, por mais esforços que algumas destas instituições façam em adoptar as novas tecnologias online, ou alguns ensaios presenciais, mas sempre com os condicionalismos que as condições sanitárias implicam. Festas? Nem vê-las. Já a caminho de Aveiro, em zona fronteiriça, parámos para falar da Banda Marcial Ribeiradiense, de Ribeiradio, Oliveira de Frades, que, no ano de 2019, abrilhantou 32 festas, as mais longe em Viana do Castelo e Mogadouro e em 2020 ficou-se apenas por um espectáculo ao vivo e uma experiência que correu mundo, a da música à janela durante muitos dos dias do ano em que a Covid veio ter, negra, connosco. Para 2021, com muitas situações apalavradas, até vindas da tradição, nada há ainda em concreto e teme-se que seja mais uma página em branco. Deste modo, cerca de meia centena de executantes estão quietos e calados e 27 alunos da Escola de Música ou têm aulas online, ou nem isso. Enfim, uma tristeza. No mesmo concelho, também a UMJA, da Sobreira, se viu sem nada das 25 saídas de 2019, deixando perto de 40 músicos a ver o que aí virá e os 10 alunos e aprendizes em modo de pausa sem fim. A agravar este panorama, até os amigos do alheio, num recente assalto, vieram tornar mais difícil esta quadra que a todos afecta. Entrando por Lafões adentro, batemos à porta da Filarmónica Verdi Cambrense, de Cambra, Vouzela, que, em 2019, fez 30 mostras públicas e notórias do seu valor, a mais distante em Viana do Castelo, sendo que, no ano de 2020, se teve de ficar por 4 concertos, dois deles pagos pelas Câmaras Municipais de Oliveira de Frades e do seu município. Juntou a estas actividades a edição de um CD, para perpetuar o seu reportório. Cinquenta executantes e 20 alunos tiveram de ficar por suas caasas. A vizinha Banda Filarmónica da Sociedade Musical, Cultura e Recreio de Paços de Vilharigues, com 30 actividades em 2019 e apenas 2 em 2020, recorda com saudade as idas, em tempos, a Malhada Sorda, na fronteira com Espanha, onde andava por dois dias e, de triste memória, as passagens por Vila Nova de Gaia. Mais de três dezenas de músicos e 12 alunos estão a ver no que vão dar as modas, tal como acontece com todos os seus colegas de tão nobre função e missão. Por sua vez a Sociedade Musical Vouzelense, de Vouzela, deixou para trás os 33 serviços de 2019 e os 4 de 2020, um deles ao mais alto nível, que foi o de ter ido Cantar as Janeiras ao Presidente da República no seu Palácio em Belém. Com 50 executantes e 12 jovens em formação, toda essa gente está parada e à espera que o brilhante comboio da música volte aos carris por onde anda há anos, muitos anos mesmo. Se temos de lamentar a falta que nos fazem estes contributos culturais, há que juntar a esta perda as muitas festas e animações das nossas populações que não têm lugar, os transportes rodoviárias que se não concretizam e as refeições que se não tomam, tudo isto numa roda a andar para trás em termos de desenvolvimento da economia. Esperando que este pesadelo tenha um rápido fim, que este ano de 2021 nos traga uma qualquer luz, nem que seja ao fundo do túnel. As nossas Bandas Filarmónicas agradecem e nós também. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Março 2021

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