domingo, 25 de outubro de 2020

Os Távoras em Vouzela e o respectivo processo fatal

O julgamento dos Távoras e Lafões Memórias apagadas em Vouzela Carlos Rodrigues Em meados dos século XVIII, a história portuguesa foi atravessada por períodos de grandeza a muitos níveis, com a vinda dos ouros do Brasil, com a construção de obras imponentes, estilo Convento de Mafra, Aqueduto das Águas Livres, decoração de quase todas as nossas igrejas com a célebre talha-dourada, entre muitos outros faustosos empreendimentos. Isto nos tempos do reinado de D. João V. Após a sua morte, sucedeu~lhe seu filho, D. José, mas para a posteridade quem mais registos acumulou foi a a figura do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo. É no meio destas duas personalidades que entram as cenas aqui relatadas e que apanharam a zona de Lafões por tabela e, muito em especial, a vila de Vouzela. Com uma força que ultrapassava os seus pergaminhos de origem, que não eram assim muito altos, diga-se para que se saiba, o Marquês de Pombal, mal se viu guindado e lançado em altos voos governativos, mostrou duas faces distintas, opostas e contraditórias. Por um lado, homem de acção e determinação, cedo apagou e ofuscou a imagem do rei D. José I, fazendo obra e criando um rasgado corpo legislativo e educativo. Por outro, fazendo uso de uma intriga demolidora, serviu-se desta sua faceta para eclipsar e eliminar quem lhe aparecia pela frente e fazia ofuscar a sua imagem. Criando um vasto corpo de ódios de estimação, como a Companhia de Jesus, as grandes Casas, a dos Távoras, a dos Atouguias, a do Duque de Aveiro, logo tentou embrulhar toda esta gente num saco de que fosse possível descartar-se. Vendo conspirações por toda a parte, sentindo-se acossado, pensava ele, de todos os lados, foi arquitectando um plano para dar cabo dessas famílias e de outros poderes que lhe apareciam pelo caminho. Com carta branca dada pelo Rei, ou por ver em Pombal alguém fora de série e bem capaz de levar por diante o poder absolutista que começava de imperar, ou por ele mesmo se sentir sem forças para exercer esse mesmo papel, o certo é que Sebastião José de Carvalho e Melo teve tudo nas mãos para exercer aquilo que tinha em mente, até pelas lições que aprendera nas suas andanças pelo mundo. Numa certa noite, a 3 de Setembro de 1758, algo de estranho aconteceu (ou foi até inventado?) e aí surgiu o rastilho para fazer ruir o edifício de seus opositores, a começar pelo Duque de Aveiro, pelos Távoras e mesmo pela própria Companhia de Jesus. Vejamos o enredo de tudo isto e as ligações a Vouzela como consequência do que veio a seguir. Nessa noite, diz-se que D. José foi alvo de um atentado, em que foram tidos como presumíveis autores dos disparos António Alves Ferreira e José Policarpo de Azevedo, estes a arraia-miúda, que a alta e fina flor estava em D. Francisco de Assis e Dona Leonor Tomásia, marqueses “velhos” de Távora, D. Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia, D. José de Mascarenhas, Duque de Aveiro, Luís Bernardo e José Maria de Távora, filhos dos citados marqueses, Brás José Romeiro, cabo de esquadra do citado Luís Bernardo de Távora, João Miguel, moço de acompanhar o Duque de Aveiro e Manuel Àlvares, seu guarda-roupa. Sentenciados, foram condenados a pena capital em 12 de Janeiro de 1759. Banidas foram ainda a Casa dos Távoras, a Casa de Atouguia, a Casa de Aveiro e a Companhia de Jesus, pelos crimes de lesa-majestade de 1ª cabeça, alta traição, rebelião e parricídio. No que se refere à Companhia de Jesus, a acusação incidiu muito sobre o Padre Malagrida, confessor de D. Leonor Tomásia de Távora, muito ligada à oposição a D. José e ao Marquês de Pombal, tendo o apoio de outros jesuítas que se reuniam em seu palácio, em conspiração. Consta que, na noite do aludido atentado, o Rei viria dos aposentos de D. Teresa de Távora, nora de D. Leonor, deles se dizendo que mantinham um clandestino convívio amoroso. Por isso, ou por outras razões, o certo é que o processo demorou a ser iniciado e nunca foi muito divulgado, a não ser nas suas conclusões finais. As razões de aqui aparecer Vouzela Na antiga Rua da Ponte (ou Rua S. Frei Gil), nesta vila existe uma antiga casa brasonada que foi pertença dos Távoras e ainda hoje assim é conhecida. Com vários pisos, tem uma escadaria frontal virada para o exterior e, em cima, o respectivo brasão, mas raspado como consequência desse tal julgamento, na medida em que se determinou que as armas dessa família fossem picadas e banido o uso do respectivo apelido. Quanto ao Palácio do Duque de Aveiro, em Belém-Lisboa, foi totalmente demolido, constando que o terreno em que ele se encontrava cheio de sal para nunca mais produzir qualquer planta. A par disto, os bens das Casas dos Távoras, da Atouguia, de Aveiro, de Vila Nova, assim como outros, passaram para a coroa. Deve notar-se que, nesta altura, eram notórios os elos existentes entre os Marqueses de Távora, os Condes da Atouguia, os Marqueses de Alorna, os Condes da Ribeira Grande, os Condes de Vila Nova, o Duque de Aveiro, o Duque do Cadaval, pelo que a teia de propriedades e interesses era por demais evidente e o Marquês de Pombal temia todos esses poderes e influências em rede. No que concerne aos Távoras, a par deste imóvel em Vouzela, que veio depois a ser propriedade de António A. Teixeira, que, em meados dos anos sessenta do século passado, cedeu parte das instalações para as raízes de um futuro museu municipal, os descendentes dessa poderosa família ainda hoje mantêm laços em Mirandela (Paços do Concelho), Souro Pires (Pinhel), Palácio dos Santos em Lisboa (Embaixada de França), vários bens em Mogadouro e até o Palácio das Galveias, na capital, com ela esteve relacionada, etc.etc. Sendo o tronco familiar dos Távoras muito antigo, é muito natural que todos estes elos tenham a vir a ser construídos ao longo dos séculos desde os tempos dos bisnetos do Rei Ramiro II, de Leão-Galiza. Entretanto, o 1º título de marquês de Távora oficial remonta apenas a um decreto de 6 de Agosto de 1669, assinado por D. Luís. Num rocambolesco processo, que mais tarde a Rainha D. Maria fez repescar e reapreciar, muito do que então fora decidido veio a ser anulado, mas o Duque de Aveiro jamais foi ilibado das acusações que sobre ele recaíam. Entretanto, passaram os séculos e o brasão dos Tàvoras, em Vouzela, lá se encontra na mesma: uma pedra rasa sem qualquer motivo por onde se possa pegar... Para estas notas, servimo-nos de Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, António Nazaré de Oliveira (S.Pedro do Sul), Enciclopédia Luso Brasileira, Internet, Filipa Silva/Delfina Gomes, Patrícia Wooley Cardoso Lins Alves, folhetos do Museu Municipal de Vouzela e “Notícias de Vouzela”, mas são muitas as fontes gerais onde estes temas são abordados... Ecos da Gravia, Out 2020

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