domingo, 25 de outubro de 2020

Recuperação de património em Ventosa depois dos incêndios de 2017

Em Ventosa, terra mártir A lenta recuperação da tragédia de 2017 já se nota CR Há três anos, sensivelmente, as ondas de fogo devastaram as nossas terras, fizeram tombar vidas de pessoas e de animais, destruíram habitações e outros tipos de instalações agrícolas, industriais e afins. Numa palavras, viveram-se dias de terror, dor, aflição e uma enorme angústia que ainda agora se nota. Nestas evocações, começamos pela freguesia de Ventosa, onde os efeitos desse incêndio foram dos mais acentuados. Simbolicamente, quisemos saber o que se passa com dois dos solares então totalmente desfeitos, um na sede da freguesia, outro em Vila Nova. Descobrimos bons sinais, que há intenções e obras em andamento. Antes, porém, fazemos uma breve incursão mais geral, para contextualizar, três anos passados, a dimensão desta catástrofe. Com cerca de 18 km2, a freguesia de Ventosa, que se situa pela Serra da Penoita acima, viu uma enorme parte de sua área ficar totalmente queimada. Desapareceram espécies vegetais e animais, diminuiu a biodiversidade. Numa zona de agradáveis carvalhedos, até estas árvores, que se pensavam resistentes ao fogo, foram por ele devorados, tal a sua intensidade em calor e em velocidade de propagação. Felizmente, muitas delas reanimaram e voltaram a ter vida, o que se regista com muito agrado. Sendo Outubro um mês ainda de vindimas, nem as videiras escaparam, assim como os campos de milho e as próprias hortas. Carros, tractores, demais alfaias e equipamentos ligados à lavoura tiveram igual e triste destino. Com um grande densidade de aviários, neste sector foram enormes os prejuízos em equipamentos e construções, mas sobretudo em perda de aves. O mesmo aconteceu com outros animais, desde ovelhas e cabras a vacas e porcos. As chamas pouco ou quase nada deixaram para trás, desde o cume da Serra aos locais mais baixos já perto da vila de Vouzela, havendo, por exemplo, a assinalar a destruição do Parque de Campismo que está encostado às duas freguesias vizinhas e, agora, em franca recuperação, felizmente. Se tudo isto é a prova do que aconteceu com este dilúvio de fogo, o desaparecimento de pessoas, sobretudo em Vila Nova, onde só numa casa se finou uma família inteira, e as casas queimadas completam o quadro dantesco que ali se viveu. Num concelho, como este de Vouzela, que perdeu cerca de 73% da sua área territorial, temos de confessar que, em 2020, ainda muito há a fazer, com especial incidência na reorganização florestal, tantas vezes prometida e outras tantas adiada, numa falha que tem de se imputar, por inteiro, às instâncias do poder central. O domínio dos afectos fez relançar boa parte do que foi destruído Como ponto de partida para este nosso trabalho, tínhamos em mente ir em busca, como dissemos, do que estava a acontecer com os dois citados solares, curiosamente a terem pertencido, numa certa fase de suas vidas à mesma família, os Coutinhos de Vouzela. Acontece que o de Vila Nova tinha já passado para e por outras mãos. Quanto ao de Ventosa, esse manteve-se até à sua derrocada na posse dos proprietários originais e com uma nota importante: nele nasceu e cresceu o seu actual dono, Fernando Morais, quando seu Pai era feitor desta importante casa. Entra aqui, como nos confessou, a razão dessa compra e das obras de recuperação que estão em andamento por fases. Ao assistir àquele monte de destroços, Fernando foi sensível à ideia da sua aquisição em diálogo com uma das então proprietárias. Estando ali as suas raízes, era de afectos que também se tratava. Depois do apocalipse monstruoso, havia que recomeçar tudo de novo. Tudo, infelizmente, não. É que a parte maior e mais imponente do solar estava toda em cacos e era e foi difícil refazê-la. Nas outras partes deste edifício, destaca-se a chamada Casas dos Caseiros, também ela de uma boa traça, que, em princípio, vai ser reerguida e posta a funcionar de novo. A par desse objectivo, notam-se, dentro da quinta, outros trabalhos de valorização do que foi possível aproveitar ou de reconverter alguns desses espaços. Há ali vida e o futuro a reescrever-se e isso conforta-nos e anima-nos. Também em Vila Nova, no solar colorido, a grua lá colocada faz antever que voltará a ser refeito e recuperado, o que é outro ponto muito positivo a pôr em destaque. Em 2020, mesmo com todos os constrangimentos de uma outra tragédia, a do coronavírus que não deixa de nos atormentar, é grande a esperança que ali, em Ventosa, terra-mártir se apresenta com nota alta. A par das habitações já reocupadas e alvo de apoios públicos, na sede da freguesia, em Joana Martins, Adsamo e noutras localidades, os sinais de retoma são a melhor forma de sabermos e pensarmos que a coragem das pessoas afectadas é maior que o desânimo vivido em Outubro de 2017 e muitos meses e anos depois. Das lágrimas de tristeza desses tempos passou-se para os olhos vidrados de uma certa alegria em ver-se que nem tudo está perdido. Muito menos a força das valentes gentes destas povoações cheias de marca negativas que são difíceis de apagar. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela” , Out 2020

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