domingo, 25 de outubro de 2020

Somos todos Caramulo

Somos todos Caramulo Numa Serra que divide Besteiros e Lafões nada nos separa, tudo nos une Desde criança, nunca outros horiontes que não o Caramulo povoaram a minha existência. Em princípio, era a doença que se associava a estas montanhas. A tuberculose, essa maldita maleita contagiosa, fazia-me olhar lá para cima com desconfiança. Os ares cá debaixo pareciam trazer-me muito mais confiança e esperança. Mas eram os de lá de cima que curavam, que davam esperança. Aceitei essa ideia de uma farmácia montanhosa que bem agradou como Hospital de um presente curado e de um futuro com mais esperança. Sosseguei-me e orgulhei-me de pertencer a uma montanha que fazia o milagre de salvar vidas e fazer renascer a esperança. Mas o Caramulo, antes de, nos anos vinte do século passado, pelo génio e iniciativa da Família Lacerda, se ter convertido em estância de saúde, foi e é a Serra que nos serve de guia e farol, que nos faz sonhar com as alturas e com a neve, que une o norte e o sul em busca de traços comuns de vida e de capacidade de dela se tirar toda a sua riqueza, como paisagem, como solo de variadíssimas produções, como local de ancestrais tradições e costumes, de que, para nós, a capucha aparece como símbolo sem par. Deste lado, estamos nós em Lafões, do outro, vivem os nossos irmãos de Besteiros e até da Bairrada. Diferentes, somos todos Caramulo, porque filhos da mesma Serra. Por estas montanhas andaram muitos dos nossos antepassados, daqueles que saltavam de lugar para lugar e dos outros que, mais tarde, aqui fizeram o seu pouso mais duradouro, eterno, muitas vezes. Diz-nos Amorim Girão (nas suas Antiguidades Pré.Históricas de Lafões, Coimbra, 1921), que “ ...A Serra do Caramulo na sua encosta ocidental constitui, dentro da região lafonense, o nosso mais importante centro de antiguidades pré-históricas e nela se encontram alguns dos mais belos monumentos megalíticos da Beira e do País... “ Entretanto, um estudo muito completo e muito mais recente sobre estes montes foi-nos apresentado, em 1988, também com origens em Coimbra, Faculdade de Letras, com o título de “ A serra do Caramulo – Desintegração de um espaço rural”, da autoria de J. V. Silva Pereira. Filho de uma família das faldas desta Serra, da encosta de Besteiros, essa condição fê-lo abraçar este projecto de dar à luz tão vasto e complexo trabalho. Entre outras razões e conclusões alegou que “... Conhecer uma região é dispôr de uma completa informação, totalmente compreendida no seu conjunto e globalmente reconhecida como a sede de variados processos dinâmicos. É, afinal de contas, analisar a evolução, as origens, movimentações e transformações tomadas numa dimensão espaço-temporal... p. 19” Do alto dos seus 1074 metros, Caramulinho, são múltiplos e variados os ângulos de observação. Desta forma, não admira que Silva Pereira tenha pegado em tudo, desde a geologia às plantas, sem nunca deixar de fora as pessoas, os seus locais e formas de vida. Se atentarmos no sub-título, logo se nota que olha para este território como um local a perder parte de suas raízes e daí o ter notado que se vive em fase de “desintegração”. A confirmar esta sua convicção, na página 48, refere uma das causas que levaram a essa situação. Diz-nos isto: “... A fuga à miséria iniciou-se com a partida das gentes, que, em bandos sazonais, se dirigiam para as ceifas de trigo, nas escaldantes planícies alentejanas, a apanha da azeitona e das vindimas no Ribatejo, ao trabalho exaustivo das secas do bacalhau no Seixal e no Barreiro. Surge-lhes então o desejo de se deslocarem para as cidades, em especial, Lisboa. Finalmente, o estrangeiro aparece-lhes como a maneira de tentar uma vida menos pesada para ganhar o duro pão de cada dia... “ Historiando as suas origens, fala na antiga Serra de Alcoba, ou no Mons Catarazo. Vê-se ainda o aparecimento das formas Serra do Caramulo, Serra de Alcoba ou mesmo de Besteiros para designar a mesma realidade. Como ponto de partida para as análises feitas, incidiu sobre os distritos de Aveiro e Viseu e dos concelhos de Àgueda, Anadia, Mortágua, Oliveira de Frades, Tondela e Vouzela. De cada um destes municípios fornece-nos uma série de dados de vários níveis, assim como retrata a Serra no seu conjunto. Para o conhecimento da terra que somos, este livro serve-nos de bom a particular apoio, merecendo, por isso, uma visão atenta e interessada. É isso que estamos a procurar fazer.... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Out 2020

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