quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Uma ideia sobre as autarquias publicada em NV há largos meses

Poder local à espera de machadada forte e feia - 1 – Uma leitura geral Anunciada vezes sem conta e outras tantas alturas adiada, a reforma do poder local parece que, daqui a tempos (?), vai mesmo aparecer. Pelo menos, já tem Livro Verde e um Ministro, Miguel Relvas, com vontade de mexer nessa estrutura da nossa organização política e administrativa. Só lhe falta uma condição: ter a força de Mouzinho da Silveira, aquela veia de estadista que não toca a todos. Sendo a maior conquista do 25 de Abril, as Autarquias são isso mesmo: donas de si e do seu destino. Porque lhes assiste uma força imensa, a do voto e a da proximidade, têm marcado um caminho, que é o de seguirem o seu rumo, em função de programas, agentes activos e dinâmicos, conhecidos, estimados (também odiados), pessoas de carne e osso, que se cruzam com seus fregueses e munícipes ao virar da esquina e deles quase percebem o que desejam, pelo menos aparentemente. Se, em 1975 e 1976, foi fácil definir um rumo e encontrar um quadro legislativo para o nosso figurino democrático mais imediato e genuíno, que se consubstanciou numa lei que agradou a todos, se as fronteiras pegaram nos limites do anterior século XIX, em que tudo andou em bolandas, mas que, nesse último quartel de século XX, se entendeu não retocar, muito menos alterar, salvo um ou outro aspecto de pormenor, tudo se conjugou para que tivesse – como aconteceu - êxito assinalável. Temos assistido a arremessos vários ao longo destes tempos, nesta matéria. Chegou a ser praticamente assinado um acordo que, por razões que só a política e o tacticismo sabem entender, veio a ser rasgado. Agora, com a Troika, colocados perante um cutelo ameaçador, Deus nos acuda, temos de puxar pelos cordelinhos da imaginação e encontrar as soluções miraculosas. Uma delas, talvez nunca a melhor, nem a mais sensata, veio fazer inscrever no papel a tese dos números, das distâncias, das estatísticas, da contenção (?) de gastos, mas esqueceu aquilo que é mais importante e sagrado: a identidade das pessoas e de suas comunidades. Mesmo que assim falemos, não descartamos a hipótese de ver este tema ser repensado, alterado, melhorado, se for possível, mas nunca desvirtuado. E o que vemos em cima da mesa, para sermos fiéis a posições com anos de assumido destaque pessoal, têm carimbos de que não gostamos e um deles, talvez o mais forte, é este: defender-se a ideia de vereadores de estufa, sem serem eleitos e, pelo contrário, escolhidos pelo cidadão mais votado da lista para a Assembleia Municipal. Essa é uma tese que nos desagrada vivamente. Para nós, um vereador é isso mesmo, desde a Idade Média e até, às vezes, mais entroncado que os “presidentes” que, nesses tempos, podiam ser juízes de fora, alguém com legitimidade de voto e não um “quadro” que ora se aceita, ora se atira pela borda fora. Dizem que, com esta medida, se defende a funcionalidade das autarquias, se evitam entraves diversos, se agilizam procedimentos, se dá forma de governo nacional a entidades locais. Certo. Mas imensamente errado: retira-se ao poder local aquilo que ele é – a expressão viva, discutida, dificilmente conseguida, mas, também por isso mais enriquecida, do que tem de mais nobre a função política, que é o facto de encontrar soluções entre as diferenças e andar em frente. Acrescentam que as Assembleias lá estarão para fazerem a devida fiscalização. Certo. Mas imensamente errado, se soubermos, como sabemos, que os seus tempos de funcionamento nada têm a ver com uma AR, aberta todos os dias e com outros poderes. Se estas são questões de princípio, outras nos atormentam e uma delas tem a ver com as supressões e fusões que se pretendem ver consagradas nas Juntas de Freguesia, o mexilhão de todo este edifício do poder local que temos, democrático e que nelas tem o pilar básico – o mais próximo elo de ligação com os cidadãos. Repare-se: nas Câmaras não se toca, recomenda-se, angelicamente, a constituição de uma espécie de associações… Ao passarmos os olhos pelo respectivo Livro Verde, que queremos aprofundar em termos de um maior conhecimento de pormenor, temos a clara noção de que, quanto a teoria, há ali terreno a lavrar, mas, se cavarmos mais fundo, são muitos os calhaus que iremos encontrar. Discutível é a terminologia das freguesias maioritária ou predominante urbanas, ou rurais, assim como o números de habitantes e densidade populacional, bases de trabalho para futuras tomadas de decisão. Aqui, tudo é verdade e o seu contrário. Preto e branco não são critérios que se possam utilizar. Talvez o cinzento também tenha o seu lugar. Depois, quem é quem no caso de extinções ou fusões, sendo que defendemos a máxima de que ninguém pode ser privado do melhor que a democracia tem: a possibilidade de encontrar um interlocutor à mão de semear. Dito isto, nenhuma freguesia que, eventualmente, venha a eclipsar-se, pode ficar sem representantes eleitos e com a devida legitimidade. Esse é um ponto que nunca, em tempo algum, pode vir a ser perdido. Por ser este um fato difícil de cortar e coser, a ele voltaremos, proximamente, com mais dados e pormenores. Carlos Rodrigues

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