quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A propósito, "Um mundo para lá da dívida", um escrito de 2014...

Um mundo para lá da dívida Nestes últimos anos, pouco mais se tem falado para além da dívida. São os governantes, é a oposição, são os opinadores profissionais, são os sindicatos, são as polícias, são as escolas, são as instituições, é a União Europeia a massacrar-nos o juízo, é o FMI a dar o dito por não dito e a matar-nos, sempre, a esperança, são os jornais, nós mesmos, são as rádios e as televisões, isto é, anda meio mundo a pensar nesse monstro e outro meio cheio de medo dos tempos de hoje e a hipotecar o seu futuro, destruindo-o, por esses pavores, à nascença. Somos todos culpados quanto a estes temas. Com os olhos muito perto desta desgraça, caímos no abismo, ainda que haja hipóteses de dele se fugir. Criando um mundo em que o dinheiro impera, vivendo modelos que fazem do prazer e da riqueza imediata objectivos únicos, não descortinamos um palmo para lá desse denso nevoeiro. Com razões para que assim seja, porque a miséria e a fome são más conselheiras e já batem demasiado a nossas portas, estas são horas para sairmos destas tormentas. Num breve exercício de refrescamento da nossa memória, este País de 871 anos, mais uns tantos pozitos, que antes de o ser já o era, desde que D. Teresa começou a olhar demais para a Galiza e o gaiato do seu filho, o ainda Afonsinho, já olhava de lado para essa quebra de compromisso com a memória de seu Pai, o Conde D. Henrique, sempre foi capaz de vencer tempos difíceis. Resistiu a questões internas, D. Sancho II e D. Afonso III, D. Afonso IV e D, Pedro, D. Miguel e D. Pedro, tendo ainda, em circunstâncias adversas e muito penosas, sido capaz de se livrar da alçada dos actuais nossos amigos e vizinhos espanhóis, numa primeira fase, com Aljubarrota, posteriormente com a Guerra da Restauração, depois de seis décadas de perda da independência. Cheios das ambições de Napoleão, nem sequer o deixámos pôr, aqui, pés em ramo verde. Mesmo aquele grotesco episódio do Junot, a pensar que mandava, foi um equívoco: com o Rei no Brasil, continuámos de pé, ainda que curvadinhos quase até ao chão. Nesses tempos anteriores às invasões, só temos uma pedrota no sapato, que é Olivença, uma terra com duas mães e filhos de dupla identidade. Mas isso é mal que suportamos com uma perna às costas. Perdendo a Monarquia, que caiu de pôdre em 1910, tal como o Estado Novo, que tombou, andando a desfazer-se aos poucos, no 25 de Abril de 1974, soubemos encaixar a saída das ex-Colónias, assumindo a integração plena de centenas de milhar dos nossos compatriotas, que vieram, de novo, para suas terras e nelas teceram hinos de resistência e coragem, que ainda hoje são o nosso orgulho. Fizemos o percurso para adesão à Comunidade Económica Europeia, após dois outros resgates bem sucedidos. Ultrapassámos as dores do Terramoto de 1755 com milhares e milhares de mortos e um rasto de destruição que chegou de Lisboa ao Algarve, a Salamanca e a tantos outros locais. Corremos os mares todos e estivemos em Malaca, Luanda, Rio de Janeiro, Beira, Cabo Bojador, Cabo das Tormentas, Macau, Goa, Bissau, Timor, Terra Nova, talvez a Nova Zelândia e a Austrália, negociámos em Bruges, levámos elefantes ao Vaticano e hoje, meio anestesiados, quase vacilamos perante uma crise de austeridade que, sendo severa, dura, iníqua, injusta e nada solidária, não será, no entanto, o fim do mundo. Com a memória de nossos feitos, que são sempre pilares que não podemos desperdiçar, muito embora o actual sistema de ensino não lhes dê nenhuma importância ( um crime, esse, sim, que se pagará caro), somos gente para avançar, de peito feito e cara levantada, dentro de meses, assim o cremos. Com uma governação meio à deriva que, hoje, segunda-feira, dia 17 de Março, se senta à mesa com a oposição, quando dela nunca se deveria ter afastado mais do que as meras contingências a que a política obriga, estamos na altura de lhe reafirmar a verdade que sempre nos acompanha: esta é a hora de encarar os tempos que aí vêm com ânimo e determinação. Tendo umas eleições para o Parlamento Europeu já em Maio e a saída deste Programa também nesse mês, achamos que há que pôr toda a carne no assador das propostas, dos debates, das batalhas, das conquistas a empreender. Mas com jeito. Por esta última razão, ficamos de fora, por opção, do Manifesto dos 74. Não seremos o número 75. Mas somos, de certeza, férreos opositores do olhar vesgo com que o nosso Governo encara estas situações, atirando austeridade para cima dos problemas, quando era a economia que deveria a estar a puxar pela recuperação de que tanto precisamos. Ainda temos esperança. Quanto mais não seja, por sabermos um pouco daquilo que a História nos ensina… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela, Março, 2014”

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