sábado, 1 de agosto de 2020

A nova Europa que se deseja...

Integramos uma Comunidade que é filha de horrores - Pestes e guerras a marcarem todos os tempos Desde o ano de 1986, Portugal faz parte da então Comunidade Económica Europeia, hoje UE. Essa foi a resposta encontrada para fazer face à saída do Império e aos desafios que, como portugueses, tínhamos pela frente. Fechadas as portas das terras viradas para o mar, que foram o nosso desígnio de cerca de cinco séculos, aquela foi a hora de nos virarmos para a Europa, nossa terra-mãe, que se unira em redor da defesa de um projecto comum. Por triste coincidência, a necessidade desse reencontro de irmãos desavindos, como foram os povos europeus, sobretudo em duas terríveis e mortíferas guerras mundiais, nasceu desses mesmos conflitos. Também hoje, a uma outra escala e numa vertente bem diferente, estamos num tempo em que só unidos sairemos da crise mundial em que estamos metidos. Para melhor enquadrarmos o que esteve na base da actual União Europeia, que tem passado por diferentes fases, uma melhores, outras piores, precisamos de recuar aos anos quarenta do século anterior, para, no meio dos destroços e muitos milhões de mortos, feridos e desalojados, descobrirmos o génio de homens de rija têmpera e verdadeiramente sonhadores que pensaram vir a conseguir uma nova plataforma de cooperação e entendimento que pudesse construir, em parcerias, um novo mundo e não destruir pela guerra a paz e a concórdia que devem sempre sobrepôr-se a tudo, em nome da vida e da dignidade da pessoa humana. Para que nunca se esqueçam, eis alguns dos nomes que levaram por diante esses nobres objecivos; Jean Monnet, Konrad Adenauer, Winston Churchill, Alcide De Gasperi, Robert Schuman e Paul-Henri Spaak, entre muitos outros. Como na base desses trágicos conflitos, nomeadamente, o de 1939-1945, estiveram quase sempre a motivação e egoísmo económicos, opondo dois eixos, o dos aliados à Alemanha e seus apêndices, houve, de imediato, que pôr travão à luta pela posse dos minérios, o que abriu portas à constituição da CECA – Comunidade Económica do Carvão e do Aço, no ano de 1951, a abranger os esforços e a coragem da França, Alemanha, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Países Baixos/Holanda. Estavam dados os primeiros passos para a afirmação de uma nova era. Tudo tem uma matriz e aquela que foi a força básica para esta nova e determinante postura teve a ver com um famoso discurso, o de Robert Schumann, em 9 de Maio de 1950, o Dia da Europa, em que se incitou a que a Alemanha e a França pusessem em comum os seus recursos, o que foram os alicerces da futura CEE. Pouco tempo depois, em 1955, avançou-se para a integração de toda a economia, culminando esta caminhada com o arranque da referida CEE, através do Tratado de Roma, em 25 de Março de 1957, com os países já referidos, os pais do Mercado Comum, que haveria de revolucionar a Europa e até o mundo, na medida em que apareceu um tabuleiro diferente no xadrez global. Numa escalada gradual, foi-se erguendo o alto prédio que estamos a coabitar, desde os seis iniciais grandes mosqueteiros até aos 28 países de há dias e aos 27 de agora, depois da saída do Reino Unido, por via do Brexit de que ainda pouco sabe em termos de feitos futuros. Bons não são eles, pensamos nós. Pelo meio, entre avanços e recuos, sempre com a mira voltada para o aprofundamento das várias liberdades e da criação da união aduaneira, que são a pedra de toque deste projecto europeu, surgiram os diversos acordos e Tratados, como o de Lisboa, sem esquecer o de Maastricht (União Europeia – UE), o de Nice, o de Amsterdão, o Acto ìnico Europeu, o Acordo de Schengen, etc.... Num edifício complexo a todos os níveis, podemos encontrar, na sua orgânica, uma estrutura assente em pilares muitos diferentes e complementares, designadamente a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Parlamento, eleito directamente desde 1979, o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas, o Banco Central Europeu (BCE), desde que apareceu o Euro, o Banco Europeu de Investimento, o Comité das Regiões, as agências especializadas e outras valências e serviços. Sob o Hino da Alegria comum e uma Bandeira, em fundo azul com doze estrelas, os múltiplos interesses desta vasta união são apreciados e decididos nas instâncias que acabámos de citar, numa certa transferência de soberania que os Estados-Membros para ali transferem. Estamos numa nova “Hora da Europa” Perante uma crise que se abateu sobre todos nós, desde a China à América, não poupando praticamente todos os países do mundo, esta Covid 19 fez soar as campainhas de alarme por aqui e por todo o lado. A doença e seus efeitos colaterais, devastadores e imprevistos, cujo alcance ainda nem se conhece bem, têm obrigado a que se repense tudo. Se cada estado tem pensado e agido um tanto pela sua cabeça, a União Europeia, se forem em frente os programas e os pacotes financeiros que estão arquitectados, soube mostrar que comprendeu, para melhor, velhas lições. Se, na crise de 2008/2011, deixou que tudo descambasse para a hecatombe financeira e económica, que no caso português, grego, irlandês, espanhol, italiano e outros países, a todos levou ao charco, fazendo disparar os juros e o peso das dívidas de uma forma brutal, agora parece que foram encontradas as vias que fizeram dar as mãos em vez da teoria cínica e desastrosa do “salve-se quem puder”. Em Portugal, por exemplo, ainda hoje pagamos essa dor, em virtude de uma Troika que nos amarrou da cabeça aos pés e nos deixou de rastos. Como esta Covid 19 espalhou a morte e a destruição por todo o lado, as respostas europeias, como se pode depreender das palavras da Presidente da Comissão, quando fala numa nova “Hora da Europa”, estão a trilhar outros caminhos diferentes, em que se notam a cooperação, a solidariedade e a partilha de responsabilidades em conjunto, se os quatro países não teimarem em levar por diante as suas complicadas posições individualistas. Prevê-se a entrada em cena de fortes bazucas, uma delas de alto calibre e alcance como a que é empunhada pela CE com um pacote de 750 mil milhões de euros, grande parte em subvenções e outra fatia em empréstimos mas de pagamentos suaves e algo leves, numa espécie de mutualização da dívida. Se o último Conselho Europeu andou um pouco aos solavancos (depois de este trabalho ter sido escrito), felizmente notou-se que o bom sendo foi ainda a tónica dominante. Devem juntar-se-lhe as verbas dos quadros normais, mais os montantes vindos do BCE e do Euro e outros fundos, podendo dizer-se que tudo isto supera o conhecido Plano Marshall dos anos quarenta e cinquenta que foi então algo de outro mundo. Desta feita, a escala nem é dessa dimensão, porque vai além de todas galáxias que se conhecem. Impõe-se, agora, uma exigência, a que não estamos, infelizmente, muito habituados: saber usar estas “pipas de massas” em nome do bem comum, de bem conseguidas políticas de coesão, de uma transição justa a nível climático, da modernização da nossa economia, da sua digitalização, de uma criativa educação e formação, de um desenvolvimento industrial e agrícola capaz, de um comércio e serviços à altura dos desafios dos novos tempos, de um turismo que saiba ler e ver os novos sinais, do aproveitamento consciente dos nossos recursos e meios, em terra e no mar. Em suma, de uma modernização a toda a linha, que não esqueça o homem, o ambiente e o dia de amanhã, porque temos a obrigação de lutar pelo bem- estar das novas gerações, um outro dos lemas em que estes dinheiros e projectos se inserem. Para um país, uma Europa e um mundo mais responsáveis e solidários, não basta que haja dinheiro em cima da mesa. É preciso é sabermos bem o que fazer com ele. Para quê, para quem e com que meios. Ou seja: com a cabeça e o coração a funcionarem em conjunto e a pensarem na defesa das pessoas. De todas as pessoas. Com os olhos postos na recuperação a curto prazo, muito necessária e urgente, é para o futuro que temos de apontar estas boas munições, não as das guerras que originaram a CEE, mas as da paz que nos ajudarão a criar um mundo novo, este nascido das cinzas e das devastações desta terrível Covid 19... Carlos Rodrigues

Sem comentários: