quarta-feira, 2 de junho de 2021

A festa do Corpo de Deus desde o século XIII...

Festa do Corpo de Deus com centenas de anos Em Portugal, desde o reinado de D. Dinis Carlos Rodrigues Sessenta dias depois da Páscoa, o calendário litúrgico faz notar a importância da Festa do Corpo de Deus que se comemora, anualmente, a uma quinta- feira. Esta celebração tem as suas origens no século XIII, para assinalar a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. Acompanhado a propagação da fé cristã, facilmente se espalhou por todas as comunidades católicas, dizendo-se que, em Portugal, começou a ser assinalada no reinado de D. Dinis, em 1282, sob a designação do “Corpus Christi”, havendo, no entanto, quem a situe em tempos mais recuados. Pelas nossas terras, é dia grande no calendário da fé cristã. Foi rápida a sua introdução no calendário dos chamados dias santos, a ponto de, em 1403, a Confraria do Corpo de Deus da Igreja de S. João Bartolomeu (Guadalupe), Braga, contar já com a participação de uma centena de irmãos. De Portugal para o Brasil, por exemplo, a sua expansão foi deveras rápida e impressiva, de tal maneira que a tradição de enfeitar as ruas ali, do outro lado do Atlântico, ganhou fortes raízes e se converteu em prática corrente na sua religiosidade. Numa instituição que se relaciona muito com as nossas terras lafonenses, o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, refere-se, nas palavras de Ernesto Gonçalves de Pinho (1981), que a “… Solenidade do Corpus Christi era particularmente interessante, sobretudo pela procissão, que era feita através das ruas da cidade. Era costume fazer esta procissão com todas as festas de folias, chacotas, danças, em que o povo tomava parte activa, transformando a cerimónia sagrada em verdadeira representação de carácter profano… “ (p. 49)… “ As procissões eram, por assim dizer, a parte profana das festas sagradas, mesmo quando eram realizadas no recolhimento do claustro… “. Tendo em conta a importância de Santa Cruz de Coimbra no panorama de toda a nossa cultura, estes testemunhos adquirem uma validade deveras significativa. Esta quinta-feira é feriado nacional e festa religiosa de largo alcance. Incompreensivelmente, no desbaste dos feriados que se sucedeu à crise de 2008 e anos seguintes, veio a ser abolido, o que se verificou nos anos de 2013, 2014 e 2015. Como que a fugir dessas determinações, em muitas terras, as festividades não deixaram de se efectuar e, em muitos casos, com praticamente a mesma força dos tempos anteriores. Agora, com a reposição dos calendários em modos dos tempos anteriores a essa crise, a Festa do Corpo de Deus, tal como todas as outras, em 2020 e 2021, acabou por sofrer um novo abalo, aquele que a Covid veio a impor de uma forma severa e preocupante. O brilho das ruas, a riqueza das cerimónias religiosas viram-se afectados por essas restrições, aguardando-se, em acto de esperança, que tudo isto passe depressa. A história a dar-nos lições Com base nos conhecimentos, em especial, de dois dos nossos concelhos, Vouzela e Oliveira de Frades, estes têm nas comemorações do Corpo de Deus um ponto alto do calendário litúrgico, festivo e artístico de todos e de cada um dos anos de vivências sociais e religiosas. Na primeira destas vilas, a beleza das ruas, a dedicação dos seus habitantes, bairro a bairro, a imponência da Procissão são cartazes que nunca perdem o seu fulgor. Motivos turísticos também, neles se inscrevem momentos de esplendor da cultura local que passam de ano para ano, de geração em geração. Quanto a Oliveira de Frades, a tradição do sermão no edifício dos Paços do Concelho, Salão Nobre, é o testemunho de uma prática que sempre tem unido a esfera religiosa e o poder autárquico, desde há séculos. Por exemplo, em 1906, o Presidente da Câmara Municipal, Manuel Augusto Lopes Ferreira, convidava, relembrando-o, o Administrador do Concelho a participar na festa do Corpus Christi e, anos antes, em 1858, quando o governo do Bispado mandava todas as freguesias participarem nessas festividades, a de Pinheiro de Lafões acabava por solicitar a sua dispensa dessa obrigação, alegando não vir a beneficiar, naquela localidade, das habituais indulgências. Um forte testemunho da força desta Festa colhemo-lo em Liliana Castilho, em “ A cidade de Viseu nos séculos XVII e XVIII, FLUP, 2012”, no que se refere à capital do distrito, onde “… As ruas atapetadas de junco e rosmaninho, as colchas nas varandas e as luminárias transfiguravam as ruas de vias de comunicação em paisagens de aparato… A festa do Corpo de Deus atingia o máximo de solenidade e esplendor na respectiva procissão que transportava a hóstia através da povoação permitindo a todos adorá-la… “. À semelhança do que veio a acontecer em Oliveira de Frades, por exemplo, era à Câmara que cabia um papel decisivo e central na organização de todo este cerimonial. Desta forma, nas actas da vereação do século XVII e XVIII, que chegaram até aos nossos dias, diz-nos Liliana Castilho que “… surgem quase sempre as nomeações/eleições para as varas do pálio… “, citando-se, ano após ano, de 1705 a 1796, os nomes de quem se incumbiria dessa honrosa tarefa. Na disposição da procissão, era a Câmara que tinha como funções escalar quem era quem e como devia desfilar, sobretudo a nível dos mesteres profissionais, em cada uma das edições anuais destas festividades. Misturando as componentes religiosas e profanas, havia ainda representações, danças e espectáculos diversos com as mais variadas figuras, que acabaram por motivar algumas proibições sempre que se detectavam alguns excessos. Nas ruas embelezadas, com as fachadas dos edifícios alindadas, a Procissão tinha lugar da parte da manhã, ficando reservada a tarde para as touradas. Entretanto, em dia de festa, os porcos ficavam arredados de tudo isto, impedindo-se os seus donos de os deixarem vir para as ruas. Para terminar este ambiente festivo, ou havia uma lauta refeição na Câmara, ou eram distribuídas refeições ao povo em geral. Recordando-se uma data tão especial, este ano festejada no dia 3 de Junho, é certo e sabido que cada terra e cada paróquia fazem deste dia algo de extraordinariamente relevante. Beleza, religiosidade e imponência festiva acontecem um pouco por toda a parte. Em 2022, talvez assim volte a ser. Este ano, infelizmente, os sinais da pandemia ainda por aqui se vão notar… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jun 2021

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