sexta-feira, 12 de junho de 2009

A minha tropa e o Ronaldo

Quase década e meia antes de Cristiano Ronaldo ter nascido, andei eu pela Madeira, em trajes militares e civis, porque ali me chamou o serviço militar obrigatório e quase universal. Ligado ao então BII 19, instalaram-me lá em cima numa espécie de dependência da Força Aérea, a pouca distância do Pico de Barcelos, mas este do Funchal, esclareça-se.
O Verão de 1972, numa ilha bem diferente do que é hoje, foi ali passado, entre o quartel e as piscinas do Lido, as esplanadas à beira-mar, as costas do norte e do sul, desde o Caniçal ao Porto Moniz. Naqueles paraísos, até o futuro, daí a meses, pouco nos preocupava. Moçambique e o M'Cito, lá onde o comboio marcava o rimo e as horas, sendo mensageiro e local de trabalho, nem sequer eram imaginados.
De Ronaldo ninguém falava e mesmo o Dr. João Jardim, que tem um estilo em que me não revejo de maneira nenhuma, mas uma obra que admiro e respeito, nunca dele ouvira falar. Os noventa e quatro milhões de euros de hoje, pagos por Cristiano, comparados com os noventa escudos que, mensalmente, ali nos caíam nos bolsos, são qualquer coisa de um outro mundo. Até aquelas terras, trinta e sete anos depois, nada têm a ver com os tempos que ali vivemos.
Pelo meio, andámos nós, militares da CC 4941, nas escaldantes paragens de um mundo onde Deus parecia nunca ter chegado, mas que a muitos de nós amparou com Suas mãos, algures entre Tete e a Beira, com Moatize, Caldas Xavier, o nosso M' Cito, Doa, Mutara, Rio Zambeze e Sena entre as muitas localidades que se nos tornaram familiares. Durante mais de dois anos, a vida teve ali um interregno, duro, doloroso, mas real.
Quis o destino que, no passado dia 11, nos tivéssemos reunido, em sentida confraternização e convívio, na Quinta do Pinheiro, meio caminho entre Alcobaça e a Nazaré. Neste vivo e revivificante reencontro, senti saudades do Capitão Brás Pinto, do Soares, do Freitas, do Malheiro e de todos aqueles que só estão connosco em pensamento e recordação, que a morte os levou para sempre.
Creiam que, ali, me esqueci de Ronaldo e da vida de hoje. Praticamente sem querer, só me sentia transportado a 1972-1974, à Madeira e a esse imenso Moçambique, um tempo sem tempo que me coube enquanto jovem e português. Relembrei Zeca Afonso e as conversas à mesa em redor de um outro mundo, que estava sempre em choque com aquele que nos puseram à frente. Não esqueci o gozo que nos dava conspirar todos os dias, ainda que nalguns deles comessem, ali mesmo, agentes da DGS/PIDE, em trânsito.
Dia a dia, de 1972 a 1974, muito ali se criticou o regime, tanto que Brás Pinto teve de ir prestar esclarecimentos a uma ZOT de Tete, que sempre mostrava a sua preocupação com o ambiente que no M'Cito se vivia.
Mas foi esse espírito que, animando-nos, nos dava força para alimentar o sonho de um dia regressar.
E assim aconteceu, como se demonstrou neste regresso simbólico a África, no dia 11 deste mês.
Um abraço amigo para todos aqueles que, comigo, estiveram no M'Cito, para calcorrear milhares e milhares de quilómetros em comboio, com os olhos nas cargas críticas que seguiam para Cabora Bassa e o coração ao largo...
Eterna saudade para quem, sendo dos nossos, já ali não pôde estar. Até sempre.

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