terça-feira, 9 de setembro de 2014

Terras com gente no Verão, despovodas no resto do ano

Terras com gente dentro, estando fora Se parece um paradoxo este título, cremos que faz todo o sentido aplicá-lo no contexto em que o projectámos. Estando a lembrar-nos daquelas nossas povoações, desertas praticamente quase todo o ano, mas com carradas de vida e sorrisos pelo menos em Agosto, está explicada a razão de ser desta escolha jornalística. Migrantes em partes infindas, cá dentro, ou lá fora, há razões do coração que os atraem, ano a ano e, agora, felizmente, até mais do que uma simples visita de 365 em 365 dias, e os puxam para suas terras de origem. Este é um segredo do comportamento humano que é de difícil compreensão. É assim e assim mesmo. Em viagens por diversos locais, no foro interno, aquilo que, outrora, chegou a ser “condenado”, porque ofensivo de padrões de construção tradicionais, hoje é marca sagrada de quem aqui quis vincar parte da cultura bebida por onde se anda. As casas dos emigrantes trouxeram novos traços, materiais diferentes, conceitos arrojados e impuseram-se nas várias paisagens. Com elas vieram opções de dignidade e conforto, que agora são indiscutíveis. Recuando, também o estilo manuelino chocou com padrões então existentes e o próprio Mosteiro dos Jerónimos deve ter posto muita cabeça a ferver. Por aqui, talvez a Ponte do Caminho de Ferro, em Vouzela, e a sua irmã de Pinheiro de Lafões, ou a de S. Pedro do Sul, muito provavelmente, também foram vistas como elementos a mais no tecido arquitectónico destes aglomerados populacionais. Impondo-se, ninguém as discute, todos as acarinham e gostam de valorizar. Porque são já emblemas e selos inseparáveis de cada uma destas paragens. Neste momento, porém, nem é destas obras que pretendemos falar. São as acções, materiais e imateriais, desenvolvidas por esta boa gente, que nos fazem evocar estes pensamentos. Ao vermos que, por exemplo, numa pequenina povoação, Póvoa das Leiras/Candal, foi possível erguer uma nova Capela dedicada à Nossa Senhora da Paz, pegando no xisto ali existente, que também foi usado no Palco e vedações daquele espaço, com o incrível esforço de quem partindo, nunca dali saiu, temos um vivo testemunho daquilo que pode o amor ao chão sagrado que todos transportam consigo por esse mundo fora. Impressionados com a beleza daquele lugar, com as suas muitas casas restauradas, muitas delas com o xisto preto como cobertura, em louvor da identidade local, com o arranjo, nos anos de 2012 em diante, daquele espaço festivo tão agradável, tentámos inquirir se ali havia gastos municipais ou afins. A nossa fonte, clara e abertamente, logo nos disse, com um brilhozinho nos olhos, que nada disso acontecera. E o milagre deu-se. Uma migalha francesa, outra lisboeta, alemã, suíça, luxemburguesa, brasileira, americana ou portuense, todas, em conjunto, foram o suporte para aqueles feitos. Em Agosto, para vincar a ligação ao berço, há festa na aldeia com o seu alto patrocínio e apoio activos. Trazido aqui este apontamento, é certo e sabido que pode replicar-se por muitas outros de nossos povos. Em qualquer sítio por onde andemos, muitas são as obras públicas em que há contributos deste género, muito embora com gradações diferentes, mas todas elas a fazerem-nos ver que a emigração é um passo para o enriquecimento de nossas comunidades. Ainda bem que assim é. Devemos um enorme respeito a toda esta gente. Quase ninguém saiu por gosto. Muitos tiveram de abalar porque o solo pátrio lhes foi padrasto agreste, seco, duro e indesejável, aqui não podendo dar azo a suas capacidades e potencialidades, que o Estado também não se tem portado à altura com estes espaços do Interior, bem pelo contrário. Apesar de terem de se ausentar por falta de condições, não subsiste nenhum azedume, nenhuma dor de alma por assim ter sido, mas um enorme desejo de se ser útil a cada terra hoje em risco de um atroz despovoamento. Havendo orgulho nas origens, dando-se tudo pelo sucesso pessoal e profissional, cada português, em regra, é a prova de que, com outra organização, se é dos melhores entre os melhores. E isso deve pôr-nos todos a bater palmas e a bendizer estes nossos irmãos que, ano após ano, aqui voltam, coração apertado, mas muito aberto. Mas não é dos últimos tempos este sentimento de entrega a causas locais. Andando uns centos e muitos anos para trás, topamos logo com o Conde de Ferreira e as escolas que criou por todo o nosso Portugal. A uma escala local, lembramo-nos do Comendador Manuel Martins Gomes e a sua acção em prol das Bibliotecas escolares de Lafões e a construção do edifício imponente do ensino primário na vila de Oliveira de Frades. Grandes homens foram estes e outros!. Aqui perto, em Campia, os irmãos António Salomão Dias e Amadeu Rodrigues Tavares, que vivem na Venezuela, são um claro e evidente testemunho de quanto pode o gosto activo em ajudar a sua terra. Sem querermos enumerar muito do que ali têm ajudado a pôr de pé, a lista seria imensa. Num outro patamar e tocando apenas nalgumas referências muito pessoais e muito amigas, não se pode esquecer o trabalho que os nossos emigrantes fazem nas terras que os acolheram. De raspão, citamos dois vultos e estrelas de primeira grandeza: o Comendador José Ferreira Trindade, no Luxemburgo, e Fernando Almeida, em Augsburgo/Alemanha, onde chegou a desempenhar cargos de topo municipal e regional. É com gente esta fibra, uns cá e outros lá, que se tece a manta quente da nossa emigração. Um grande abraço para todos. Carlos Rodrigues, “Notícias de Vouzela”, 4 de Setembro de 2014

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