domingo, 24 de setembro de 2017

A necessidade de uma boa urbanização

SAT I -4 > Espaço e Sustentabilidade AS CIDADES E O CAMPO NAS DINÂMICAS DE PLANEAMENTO TERRITORIAL E URBANO - 1 - INTRODUÇÃO Em termos de análise ao tema da planificação e urbanização de cidades, partimos de uma espécie de ponto prévio que tem a ver com uma perspectiva mais vasta, na nossa versão, que é aquela que se relaciona com a gestão do território nacional no seu conjunto. Fazemos esta incursão por este caminho, porque é nossa intenção relacionar, em certa medida, as dimensões das assimetrias entre o interior e o litoral e, dentro deste, no caso português, a Grande Lisboa e o Grande Porto. Extrapolando um pouco, relativamente àquilo que nos é proposto para trabalho final em “Espaço e Sustentabilidade”, temos a impressão que a concentração de enormes massas populacionais nesses espaços urbanos se relaciona muito com a evidente capacidade de atracção que essas terras exercem sobre os cidadãos, mas isso deve-se, em boa medida, às políticas seguidas durante décadas pelos poderes centrais que pouco fizeram para travar o êxodo rural. Acontece que, por este mesmo facto, a insustentabilidade vivida nas urbes gigantescas, de sinal contrária àquela que se verifica nas zonas deprimidas, é filha dessa mesma miopia em fazer do País um espaço onde a geografia não fosse destruída, na sua génese inicial de situação equilibrada, pela ânsia de deixar terras madrastas. Isto tem, no entanto, uma matriz cultural profunda: desvalorizando-se a vida do campo e suas envolventes, abriu-se caminho para a fuga para as cidades, vistas como zonas onde leite e mel corriam a rodos. Depois, com a concentração de serviços e outros equipamentos nessas mesmas urbes, deu-se a machadada final. Isto, porém, só se inverte com novas políticas públicas, com governanças viradas para o solo nacional como um todo e, sobretudo, com uma outra construção mental: importa que “... A passagem do camponês não qualificado, envergonhado da sua própria condição social, apodado depreciativamente de «campónio», a elemento válido duma sociedade cuja evolução o leva a assumir posição importante como produtor e consumidor, numa sociedade construída a partir da modernização da agricultura, é, com efeito, um tema fundamental dos nossos dias...” – (Ritta, p. 159). Ou seja: a par de uma nova economia, é o campo da dignidade humana que tem de ser repensado e vivido de uma outra forma. Numa sociedade profundamente dual, em que a cidade exerce encantos, nas acessibilidades de toda a ordem, nos lazeres, nos serviços, nas expectativas de trabalho limpo e justo, na moda, a cidade tem vindo a marcar pontos ao longo do tempo, com destaque para os períodos dos pós-Guerra, como é facilmente demonstrado pelos Censos diversos, a partir de 1950/1960. E isto tudo parte de assimetrias venenosas, crescendo desmesuradamente Lisboa e Porto, povoando-se com altíssimas densidades o litoral, desertificando-se até à desilusão total, o restante território. Dele assim se escreve: “... A aberração mais flagrante está no isolamento a que são votadas as populações do interior. A compartimentação é secular. Quem necessite de se deslocar de um povoado com raízes na parte montanhosa até outro congénere localizado na arraia, por exemplo, tem de se levantar de véspera para chegar ao ponto desejado, sem garantia de regressar no momento previsto...” – (Raimundo, Jornal do Fundão). Entretanto, no âmbito deste trabalho, pede-se-nos que partamos da Carta de Toledo para enquadrar tudo aquilo que viermos a dizer em termos de planeamento territorial e urbano. Reconhecendo que esta Declaração está essencialmente virada para a política de cidades, com base uma “Reunião informal de Ministros de Desenvolvimento Urbano”, realizada em Junho de 2010, somos, todavia, de opinião que estas áreas metropolitanas estão numa espécie de fim de linha: são o reflexo e o resultado de um emaranhado de factores, entre os quais podemos também contar as feridas de um desenvolvimento territorial, no caso português, verdadeiramente desordenado. A este propósito, diz-nos Mário Jesus (2002) que as assimetrias são “... resultado dos diferentes graus de afectação do investimento dedicado ao desenvolvimento do interior...” Como este se despovoa em perigosa escala, temos, por dedução, que a aglomeração em peso nas grandes cidades tem a ver com aquilo que se tem negado ao resto de território, numa percentagem de cerca de 75% sem gente e sem dinâmicas de atracção e fixação. Mas, como nos é pedido que falemos de cidades, mais do que da outra realidade de carácter mais geral, vamos tentar ligar os dois pontos, com ênfase nos espaços urbanos, sem, de vez em quando, deixar de tecer comentários sobre o que acontece na parte restante do nosso território. Pegando num documento com origem na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), zona em que nos integramos, através da sua Direcção de Serviços de Ordenamento do Território (DSOT), na publicação “Guia Orientador – Revisão dos PDM”, sem descurar aquilo que se considera e designa como interior, fala-se em “... Desenvolver as bases técnicas para a formulação e condução, a nível regional, da política de ordenamento do território, da política de CIDADES e da política de conservação da natureza...” No sistema de governança, a que aludiremos no decurso deste trabalho, cabe a esta esfera regional um importante papel, numa perspectiva vertical, por ser uma entidade desconcentrada do poder central e não um órgão autónomo. No seu conteúdo funcional, apontam-se diversas metas: “... Desenvolver estudos e programas de qualificação das CIDADES, em particular em matéria de reabilitação urbana e de recuperação de áreas urbanas degradadas, promover e colaborar na elaboração de estudos e conservação da natureza e da biodiversidade e desenvolver acções de apoio à articulação das políticas sectoriais e regionais com os instrumentos de gestão territorial...” Porém, há nesta Instituição outras preocupações, que são do nosso particular agrado, como sejam “.... a qualificação do território para a sustentabilidade e COESÃO territorial...”. Com quatro eixos no programa “Mais Centro”, dois deles inserem-se na onda das nossas preocupações: 2 – Valorização do espaço regional e 3 – Coesão local e urbana. Em zona de cidades com uma dimensão média, esta visão é aquela que melhor se adequa com as nossas aspirações, numa posição pessoal que aqui se vai manifestando em várias ocasiões deste mesmo trabalho. No entanto, por se referirem duas Comunidades de uma outra escala, Lisboa e Madrid, vamos ter essas realidades em linha de conta. Como metodologia a seguir, muito embora haja alguma compartimentação temática, os conceitos versados neste Tópico IV serão apresentados de uma forma integrada em todos estes textos. - 2 – REGENERAÇÃO URBANA INTEGRADA É esta a linha de força prevalecente na Declaração de Toledo, sendo o seu tema central. Sendo assim, sem querermos fugir àquilo que nos é sugerido, vamos tentar falar de cidades, suas virtudes, defeitos, ritmos potenciadores de desenvolvimento, centros de educação, cultura, inovação, ciência, moda e locais de centralização de serviços, sem deixar de as interligar com tudo quanto diga respeito a territórios mais vastos. Por se entender que as cidades são importantes, ali estiveram altas entidades europeias como representantes do Parlamento Europeu, do Comité das Regiões, do Conselho Económico e Social Europeu (CESE), Banco Europeu de Investimento (BEI) e outras. Essas presenças dizem tudo: essas massas urbanas não podem ser esquecidas e devem merecer a atenção de todas as forças políticas, sociais e económicas. No meio desta teia de opções e interesses, há que incluir o espírito da Carta de Leipzig, que, a nosso ver, teve uma abrangência de conteúdos um tanto maior e mais do nosso agrado, porque englobou a organização territorial equilibrada baseada numa estrutura urbana policêntrica, algo distante da visão de cidades megalómanas e asfixiantes e politicamente centralizadoras. Não podemos deixar de referir que esta Tópico IV consagra o princípio do “ Espaço e Sustentabilidade”, o que, por tabela, dificilmente é possível de conseguir-se em centros urbanos com as características de muitos que agora atraem grande parte das populações do nosso País. Daqui a cinquenta anos, 2/3 dos problemas sociais e ambientais aí estarão localizados, cita-se aí, até porque se perspectiva, ao ritmo actual, que, por esssa altura, grande parte dos habitantes do Planeta sejam citadinos. Se isso é uma evidência à luz de hoje, pode, no entanto ser invertida essa tendência se, como desejamos, se conferir às demais componentes do tecido territorial e social uma outra atenção. Como que antecipando outras perspectivas, já Robert Dickinson, em 1947, tinha horizontes mais largos, ao referir-se à necessidade de estabelecer relações sustentáveis entre as cidades e os espaços circundantes, aliando assim duas realidades, a urbana e a rural. Não obstante o espírito de Toledo estar presente nas nossas considerações, gostaríamos de aqui encaixar algo do que expõem Delgado e Ribeiro (2004), onde, com incidência, no Artigo 3º - Fins, se diz o seguinte “... Reforçar a coesão nacional, organizar o território, corrgindo assimetrias regionais e assegurando a igualdade de oportunidade dos cidadãos no acesso às infra-estruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas”, acrescentando-se que é preciso “Promover a valorização integrada das diversidades do território nacional” e “Salvaguardar e valorizar as potencialidades do espaço rural, contendo a desertificação e incentivando a criação de oportunidades de emprego...” Em parte, esta mesma indicação e pretensão se vê - e importa pô-lo em relevo - na Declaração de Toledo, quando se fala em obter um desenvolvimento urbano integrado, inteligente, coeso, inclusivo, para maior competitividade económica, ecoeficiência, coesão social e progresso cívico com qualidade de vida e bem-estar no presente e no futuro, relacionando tudo isto com o contexto do Tratado de Lisboa e com a Estratégia Europa 2020. Nada temos a opôr a estas pretensões para as nossas cidades, que só assim podem ter alguns benefícios para os cidadãos que nelas habitam. A nossa vontade e opção sentidas vão um pouco mais longe: queremos ver essas condições e premissas espalhadas, harmoniosamente, por todo o nosso território, em outros equilíbrios. Sabendo e reconhecendo que as cidades são locais de prestígio, reprodução económica e social, como se nota em “Sustentabilidade e Regeneração Integrada na Europa”, inserida na Plataforma deste Tópico IV, também aí se declara que podem potenciar, pelas acções pontuais e desgarradas com que se processam várias operações de renovação e intervenção, fenómenos de segregação e exclusão. Assim, por efeitos colaterais e negativos, atingem-se camadas do seu tecido social que, muitas vezes, são vítimas duplas dessas situações, por se tratar, em muitos casos, de migrantes que, tendo saído de suas terras por falta de oportunidades, ali se deparam com idênticos quadros de vida. Nalguns dos conteúdos da Declaração de Toledo, o A1 defende a “Idoneidade no enfoque integrado em políticas de desenvolvimento urbano e necessidade de um entendimento comum”, advogando propostas de cooperação entre cidades para aplicação do Europa 2020, dando seguimento à Agenda de Barcelona que visa perspectivas locais europeias. Convém também destacar que esta Declaração tem muitos propósitos de uma validade bem notória, como os da defesa da qualidade de vida e bem-estar em todos os bairros da cidade, em participação cívica, em boa governança a envolver os sectores público, privado, sociedade civil e seus agentes. Tudo isto é certo e positivo, mas tal não pode deixar de se aplicar na vastidão de um espaço que se quer todo ele sustentável e saudável. Numa visão bem contextualizada quanto a espaço urbano, defende Fernando M. Brandão Alves (2003) que “... Ainda que a qualidade de vidas das pessoas dependa da integridade do ambiente, elas dão valor a muitos outros aspectos do ambiente que não se ligam à simples sobrevivência física, tais como as qualidades estéticas e culturais da área envolvente onde vivem e trabalham (...) como sejam as oportunidades de progresso social e de vida comunitária, cultural e social, as actividades recreativas, entre tantos outros...” (P.8). Nesta obra e nestas considerações, recuou-se imenso no tempo e foi buscar-se também a Carta de Atenas, de 1933, para tratar estas matérias. Desta maneira, a cidade de Alves completa, numa certa medida, a de Toledo. Sendo esta Declaração uma peça das políticas e recomendações da União Europeia e se nela se privilegia a cidade, enquanto espaço a habitar e a viver, na sua plenitude, é também verdade que a mesma UE jamais tem deixado de zelar por uma postura mais flexível, passando a dedicar atenção a todo o espaço, como se nota no Título XIV, dos Tratados Institutivos, que versa a “Coesão Económia e Social”, referindo que “Em especial, a Comunidade procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas, incluindo as ZONAS RURAIS (destaque nosso)” - 3 – POLÍTICAS EUROPEIAS SOBRE PLANEAMENTO GERAL E URBANO Ao estarmo-nos a debruçar sobre a Declaração de Toledo, vamos agora passar a integrar outros campos de reflexão sobre estas temáticas de “Espaço e Sustentabilidade”, para não ficarmos apenas pelas visões citadinas. Para este efeito, servir-nos-emos, para começar, de parte do texto “Gobernanza territorial para el desarrolo sostenible: estado de la cuestion y agenda”, de Joaquin Farinós Dasi, inserido na Plataforma, mas com tradução da nossa autoria, o que pode trazer alguns inconvenientes. Mesmo assim arriscamos esse caminho. Com pontos fortes e várias limitações, a Governança territorial, que vai muito para lá da estrita “governação”, é sempre um instrumento de gestão e governo de políticas do sector, com base na Estratégia de Lisboa e sustentada nestes princípios: opções multiníveis verticais e horizontais, cooperação, coerência, participação, práticas inovadoras, implicação de poderes públicos e privados e outros agentes sociais, sustentabilidade, coesão e visão estratégica. Como estas questões permanecem na ordem do dia de muitas agendas, tentámos fazer uma ligação com as últimas decisões da União Europeia, nomeadamente o “Regulamento (UE) nº 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho”, de 17 de Dezembro de 2013, publicado no Jornal Oficial da UE em 20 de Dezembro de 2013, a propósito do novo Quadro Estratégico Comum (QEC) para o período de 2014 a 2020. Entre os muitos pontos ali versados, veio ao de cima o Artigo 174º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) para dele se retirarem estas considerações de ordem geral, apontando a necessidade de se seguirem estas linhas: - Reforçar a coesão económica, social e territorial; reduzir disparidades entre níveis de desenvolvimento das diversas regiões; dar especial atenção às zonas rurais e zonas afectadas pela transição industrial (aqui numa clara alusão urbana); promover um desenvolvimento harmonioso da União, um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, reduzindo disparidades regionais... Para este fins, traz como suporte estes programas: FEDER/FSE/Fundo de Coesão/Fundo Europeu Agrícola de DESENVOLVIMENTO RURAL (destaque nosso)/ Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas. Cremos que os obreiros destes documentos nunca quiseram pôr de lado as cidades, muito pelo contrário, porque esta realidade é por demais evidente: o que não deixam de acentuar é a urgência em conseguir-se um certo equilíbrio territorial e mais harmonia no desenvolvimento de todos os espaços. É que “... Quando as cidades cresceram desmesuradamente, durante a época industrial, a sua relação com o campo entrou em crise, mas o campo continuou a ser uma referência preciosa e desejada, cuja perda era lamentada pelos reformadores como Ruskin, Morris e Geddes e que os planificadores tentavam, até certo ponto, reintroduzir na cidade, através dos parques públicos...” (Benevolo, p. 232/233). Este trecho mostra que campo e cidade estão predestinados a entenderem-se e a complementarem-se, como, à sua maneira, demonstrou o Arquitecto Ribeiro Telles para a cidade de Lisboa. Regressando ao citado Regulamento, há que dizer-se que a ideia ali contida de que se está perante grandes desafios, como os da globalização, ambiente, energia, envelhecimento, mudanças demográficas, transformações tecnológicas, exigência de inovação, desigualdades sociais, necessidade de competitividade, leva a que tenham de ser seguidas abordagens integradas para um desenvolvimento urbano ou territorial, citações destes documentos, porque estes fenómenos são tranversais aos diversos espaços e situações, mais estruturais do que conjunturais, logo, de mais difícil e exigente resolução. Para acelerar formas de atenuar estas ameaças e prosseguir com políticas de boa e sã governança, alude-se ao uso concertado de diversos instrumentos financeiros, de modo a pôr em prática os seguintes campos: reforço da investigação, do desenvolvimento tecnológico, inovação, acessso às TIC, competitividade sobretudo das PME, transição para uma ecomomia de baixo teor de carbono, adaptação às alterações climáticas, prevenção e gestão de riscos, protecção do ambiente, utilização eficiente dos recursos, agarrar a sustentabilidade por todos os meios e, numa palavra nossa, salvar o que é preciso para termos espaços à altura das necessidades dos Homens numa perspectiva de Desenvolvimento Sustentável, na acepção do Relatório Brundtland e suas implicações. Aliás, quanto a medidas a tomar alusivas a planeamento e urbanização, os princípios constantes nos documentos que a ONU tem patrocinado na defesa de um desenvolvimento sustentável não podem, em termos de boas práticas, serem esquecidos, nem vistos sob um qualquer prisma superficial. Como essas operações de gestão do espaço têm implícitas as gerações que as decidem e aquelas que, em regra, vão continuar a sentir os seus efeitos, as cautelas a ter com a sustentabilidade devem fazer parte de qualquer manual que as esteja ou venha a prescrever. Nesta conformidade, a Declaração de Toledo, ao tocar nos impactos da globalização, das mudanças climáticas, da pressão sobre os recursos naturais, das migrações e do envelhecimento como realidade e tendência, teve em mente esse mesmo conceito de se trabalhar sobre bases onde a sustentabilidade seja um pilar principal, ainda que se vivam tempos de crise financeira, e conómica e social, como ali se refere. Numa comunidade de nações independentes, as áreas do planeamento e urbanização são matéria que os países, em regra, deixam para si no que diz respeito a legislação e suas práticas. Assim, “... Cada país definiu as suas leis e atribuiu aos diferentes níveis de administração competências para controlar o desenvolvimento e indicar as formas como deve ser orientado...” (Mendes, p. 15). Colocados, porém, sobre situações que se não compadecem com limites e fronteiras físicas, por haver interligações e consequências de muitas medidas que são transversais, nelas se incluindo tudo quanto possa ter relação com as questões ambientais, ou até com ameaças aos direitos e qualidade de vida dos cidadãos (que, num espaço de liberdade de circulação, podem optar por sair das zonas onde houver esses atropelos), compreende-se que outras esferas de política e influência venham a entrar em cena. Neste campo, a União Europeia tem uma palavra a dizer, assim como outras entidades que se possam sentir lesadas com as medidas tomadas ou a surgir. Por isso, o Quadro Estratégico Comum, de cuja documentação estamos a retirar alguns dos pontos aqui em análise, via Regulamento nº 1303/2013, aludindo aos princípios, em governança, da subsidiariedade, da proporcionalidade e especificidade, para além da promoção da igualdade, estabelece como objectivo, em desenvolvimento sustentável, a necessidade de preservar e melhorar a qualidade do ambiente e, em sede da “Abordagem dos principais desafios territoriais”, refere expressamente que “... É preciso reflectir o papel das CIDADES, zonas urbanas e rurais e costeiras....”. Por outro lado, em “Desenvolvimento local de base comunitária”, abordando a questão das zonas sub-regionais específicas, com estratégias integradas e multisectoriais de desenvolvimento local, fala em planeamento de acordo com as necessidades e potencialidades com características inovadoras, ligação em rede e em cooperação, o que constitui parte do cerne da boa governança, tal como é descrita em documento contido na Plataforma deste Tópico IV. Como temos em Amartya Sen uma de nossas referências, na sua teoria de decisão social, em 1998, trazemos aqui uma sua ideia básica, que se consubtancia nestas suas palavras, que têm forte ligação com tudo quanto temos estado a dizer, em que defende: “... O desenvolvimento de um país (tem de estar) ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer a sua cidadania. E isso inclui a garantia dos direitos sociais básicos, educação, saúde e ainda segurança, liberdade, HABITAÇÃO e cultura...” Sendo a urbanização um ponto forte deste nosso trabalho, porque a Declaração de Toledo assim o consagra ao incidir sobre políticas de cidade, os conceitos acima descritos, colhidos em Amartya Sen, têm aqui toda a razão. Por serem essenciais a um qualquer projecto que vise valorizar o ser humano e o planeamento tem de ter a pessoa no seu centro, eles são matéria obrigatória, muito embora não estejam sempre presentes. Coincidindo com os temas abordados no citado QEC, a Declaração de Toledo também enfatiza no seu capítulo A. 2 a urgência em aplicar estratégias de desenvolvimento urbano integrado, numa visão global e exaustiva da CIDADE, inseridas numa perspectiva territorial que promova harmoniosamente todas as dimensões da sustentabilidade, tanto em novos processos como em áreas já consolidadas e existentes. Para que estes objectivos sejam conseguidos, preconiza o Regulamento da UE, que temos andado a citar, que se devem reforçar complementaridades, optimizando recursos existentes, criando novos instrumentos e dinamizando potencialidades. Sugere-se ali ainda que as estratégias de desenvolvimento urbano ou territorial podem ser vistas como um pacto territorial, em gestão partilhada, uma noção que achamos de muito interesse, quer quanto ao pacto, quer quanto à alusão à partilha de opiniões em termos de gestão do espaço em causa. Por sua vez, a Declaração de Toledo cita o campo de uma ampla participação e implicação das cidades, com todas as entidades nacionais e locais, organizações, ONG, sectores profissionais a entrarem em acção, o que pode assemelhar-se à tal gestão partilhada. Tudo isto, diz-se em Toledo, faz muito mais sentido porque as cidades são os locais onde se encontram a maioria dos riscos presentes e futuros, o que leva a que tudo quanto nelas se faça deva obedecer à participação de todos os intervenientes possíveis. Por se constatar que muitos planos não resultam, ou, no mínimo, se perde muito da sua eficácia e eficiência, alega Júlia Maria Lourenço (2003) que isso se deve a este factor: “A razão número um dos desaires é a falta de coesão entre os planos e a gestão, de forma a atingir-se um verdadeiro processo de planeamento...”. Assim, tudo quanto se faça para tornar os planos, se forem bons, bem-sucedidos, para bem das populações, deve ser seguido. E grande parte da documentação que temos aqui trazido tem essas características. Nesse mesmo livro, Lourenço aproveitou para deixar uma série de sugestões acerca da forma como realizar bom planeamento e aqui regsitamos esses aspectos: definir objectivos, estratégia, saber que condicionantes físicas e legais existem, passar aos planos e estudos, para avançar com programas de acção, associando ainda a monitorização e a avaliação. Num tempo que não cessa de nos trazer modificações, agora “... Ao nível das temáticas, as preocupações com o ambiente, os serviços e o lazer substituíram, de certa forma, o anterior vector dominante da indústria...” (Idem, p. 145). Ou seja: toca num ponto que tem toda a perinência e actualidade, que é o de se ter de considerar que a cidade de hoje é muito diferente das suas antecessoras, implicando outro planeamento e outra urbanização, de tal modo que mesmo os velhos bairros, projectados naquele anterior contexto, devem merecer uma atenção especial em regeneração, como se mostra também em Toledo, nas linhas que aludem a uma regeneração verde, ecológica e ambiental. Cimentando estas teses, para José Alberto Rio Fernandes, há que pensar em mais planeamento colaborativo, com envolvimento dos diversos agentes e articulação das escalas, na medida em que, em muitos casos, estamos perante um problema: a existência de cidades diferenciadoras, espacialmente injustas e socialmente fragmentadas, numa metropolização explosiva, o que nos coloca o desafio de se ter de reforçar a coesão sócio-espacial – acentua. A governança que defende é esta: a da coerência, eficácia, abertura, participação, responsabilização e cidadania, criando oportunidades e aumento da liberdade, o que nos faz pensar em Amartya Sen. - 4 – CAPITAIS COM PESO EM PORTUGAL E ESPANHA No seguimento do tema que motiva este trabalho, em SAT I – Tópico 4, partimos agora para a análise de dois casos em particular, cuja relevância não precisa de ser explicada, por ser tão evidente: Lisboa e Madrid, por serem pólos de uma grande concentração populacional, merecem aqui uma atenção especial. Com um passado secular em atracção de gentes de todas as paragens, estas áreas ibéricas sempre exerceram particular fascínio. Quanto a Lisboa, depois de se terem, de certa forma eclipsado as cidades de Guimarães e Coimbra, pólos centrais de destacada grandeza, com Braga e Porto, nos primeiros tempos da nossa nacionalidade, começa cedo essa sua magia. Por alturas das descobertas e do apogeu das especiarias, fervilhava de gente e, com o cheiro da canela, o território se despovoava. Esta faceta, com maior ou menos destaque, veio a suceder-se ao longo dos tempos. Madrid, com a subida de Castela, talvez tenha seguido, à sua maneira, um trajecto similar, sendo, porém, diferentes e singulares os respectivos percursos. Mas os resultados assemelham-se bastante em metropolização excessiva, suas vantagens e problemas agudos, a saírem até dos centros dessas urbes para as suas periferias, onde a crise se sente de uma forma ainda mais brutal, a avaliar pelos arredores de Lisboa. Entretanto, é bem sabido que este processo tem linhas de continuidade e picos diversos, mas uma certa tendência algo constante. Aliás, esta dualidade de um campo sem gente e espaços urbanos sem saber o que fazer com ela entronca numa característica com história, que Joaquim Aguiar assim realça, em termos de clivagens tradicionais: Estado/Igreja; Centro/Periferia; URBANO/RURAL; Capital/Trabalho e Este/Oeste. Contextualizando no tempo em que esta sua opinião foi veiculada, ali tínhamos a oposição Leste/Oeste, que, anos depois, se veio a esfumar. Isto coloca-nos perante um difícil diálogo: a força urbanizadora de nichos territorais não se coaduna sempre com a necessária e desejável sustentabilidade, vista sob o prisma de Brundtland, já por nós citado. Nem o presente é recomendável, nem o futuro ali se constrói de uma forma segura, duradoura e enriquecedora para as gerações de amanhã. De acordo com uma fonte colhida em Radisson Miami Beach, há que reorganizar o espaço urbano, pela via do controlo do seu crescimento populacional, pela melhoria da eficácia dos transportes, por desenhos de espaços que contenham melhor qualidade de vida, criando uma nova interrelação entre o homem, a natureza e o espaço ocupado. Em matéria de governança, que permita melhores dias para estas cidades e para o território, em geral, “... É do senso comum ser obrigação dos políticos, muito em especial daqueles que executam, encontrarem as melhores soluções para contribuírem de uma maneira eficaz e concreta para a qualidade de vida dos seus concidadãos...” (GOP, Torres Novas). Colocámos aqui esta posição com uma óbvia intenção: saem de uma cidade média, curiosamente não muito longe de Lisboa. E vai-se mais além nesse mesmo documento: “... Preparar o futuro dos nossos filhos, na perspectiva de os fixar à terra, também passa, e muito, pelo planeamento urbanístico, na óptica, não de rentabilidade económica, mas da verddadeira promoção ambiental paisagística...”. Conclui-se aí que a cidade não deixa de ser âncora de desenvolvimento do concelho e da sub-região, o que se entende perfeitamente porque o território polinuclear, que também nós advogamos, pode ser a via que venha fazer encontrar pistas para espaços mais sustentáveis e apetecíveis, por serem saudáveis, criativos, inovadores, mas não castradores de todo um país que vai perdendo harmonia em cada dia que passa. Num título sugestivo, “Capital social e policentrismo: para uma análise reflexiva das políticas públicas”, Renato Miguel do Carmo associa-se a Amartya Sen na defesa daquela tipologia de planeamento do território, como meio para fazer diminuir as desigualdades sociais, havendo que “... dotar as populações de capacidades para se tornarem autónomas no que diz respeito à liberdade para viver o tipo de vida que têm razões para valorizar...” Este autor elenca, nesta sua comunicação, alguns princípios que entroncam na questão da boa governança, tais como a cooperação, a actuação do Estado e outros agentes, a eficiência, para nos desfazermos, reestruturando-o, de “um território trancado”, assim se expressou. Inicidindo agora, mais em concreto, sobre a cidade de Lisboa, é notório que, em cada momento da sua história, como acentua João Seixas, se passou por várias e distintas possiblidades. Aclarando a sua ideia, para a situar na actualidade, face ao “... reposicionamento do papel das cidades no centro da política e da economia global, uma das vertentes mais discutidas neste âmbito está sendo, precisamente, a governança das cidades...”. Vivendo-se sérias ambiguidades e necessitando-se, diz Seixas, de uma gestão com maior diversidade, aquela nova forma de olhar os espaços urbanos é uma imposição que temos de saber abraçar. Precisando-se de múltiplos actores e de pôr a participação cívica como motor de todos os processos de planeamento e urbanização, essa governança não pode, nem deve limitar-se a reagir, mas deve ser capaz de antecipar cenários e pró-agir, como tão bem enfatiza. Tal como diz Maria Clara Mendes (1990), os processos de construir e transfomar uma cidade são os meios, o modo, a gestão e o controle. No que se refere às cidades europeias, em geral, e Lisboa muito especialmente, na fase da explosão da sua expansão, a partir de meados do século passado “... A questão do alojamento agravou-se devido ao surto migratório do campo para a cidade, os municípios encontravam-se debilitados do ponto de vista económico e técnico e aproximavam-se as eleições presidenciais de 1958. Tornava-se, pois, urgente alojar a população a preços módicos e realizar obras que expressassem a dinâmica governativa...” (Idem, p. 168). Estava-se então na fase dos bairros sociais e, mesmo assim, houve enormes fugas a esta tentativa de acomodar os migrantes que ali afluíam em força: as barracas crescem como cogumelos, em muitos locais da cidade e concelhos adjacentes. Não se pode falar da construção da nossa capital sem aludir a estas feridas sangrentas de um urbanismo sem urbanismo. À falta de melhor, tudo servia para ser uma espécie de habitação. Mas a chaga que foi crescendo, alastrando em manchas que demoraram anos a “limpar”, deixou rasto, segregando grandes camadas populacionais, que da cidade só absorviam as suas mágoas. A parte restante da sua dinâmica passava-lhes ao lado: culturalmente, não acediam, em regra, às propostas que se iam sucedendo. Nessas primeiras gerações de “exilados” na cidade, as gentes que nela pareciam viver, até em questões de trabalho, eram marginalizadas. Fruto de vivências desenraizadas, nascem então as casas regionais, que eram refúgio e local de reencontro com a terra perdida, mas sempre recordada. Continua Maria Clara Mendes: “... O crescimento urbano, resultante da industrialização, deu origem a um aumento da procura de habitação, exigiu novas áreas de expansão e provocou mutações na estrutura social urbana...” (P. 163) Gerou-se com isto uma certa forma de marginalização, em bairros marcados por estigmas diversos, que, tendo como suporte a Declaração de Toledo e Carta de Leipzig, mereceram, ao longo dos tempos, atenções e acções especiais, actuando nessas zonas menos favorecidas no contexto global da cidade (que deveria ser percepcionada como um todo), de modo a reduzir a polarização social. Tomando-se como uma das referências essenciais para uma Regeneração Urbana Integrada – Ver Toledo – e para aplicar as recomendações de Marselha, que constituem um forte pilar das Cidades Sustentáveis, impôe-se que se sigam alguns passos fundamentais, tais como um processo colectivo e aberto, vinculante e subsidiário, o que em Lisboa teve algum eco, a ponto de, em 2006, se criar o Observatório da Coesão Social com ponte para a resolução das questões mais graves e mais pertinentes. Daí que se notem razoáveis sinais de regeneração, que nascem deste Observatório e muito de outros programas, que se dedicam a valorizar o capital social e cultural, tentando encontrar padrões de identidade, no dizer de Seixas, que sirvam de motivação para operações regeneradoras mais consequentes e mais participadas. Sem sermos exaustivos, podemos citar um pouco o que se passa em bairros como a Mouraria, Alfama e o Bairro Alto, que, nas últimas décadas, têm conseguido melhorias significativas no seu tecido social e até económico, precisamente por serem capazes de pôr de pé essa mesma identidade, não deixando de a caldear com inovação e criatividade, apostando em novos serviços e outras chamadas de atenção de cariz bem mais apelativo. Por outro lado, há espaços novos, como já escrevemos em texto colocado na Plataforma, que suscitam a nossa admiração em termos de uma nova forma de urbanização que seja mais solidária com os seus habitantes e com quem visita essas áreas, como sejam o Parque das Nações, uma notável obra de reabilitação da zona oriental da cidade, que era toda ela um escombro de ruínas e uma decrépita imagem de uma zona em arrepiante degradação. Há ainda outros campos citadinos que devem ser aqui lembrados, mas que, por razões de contenção de folhas a utilizar, não nos é possível referi-los a todos. Porém, no que se refere ao combate às desigualdades sociais e às habitações não dignas desse nome, as barracas, tem sido visível o esforço feito para as substituir por espaços de ocupação mais consentânea com a qualidade de vida. Se nem sempre tem sido conseguido respostas totalmente eficazes e aceitáveis, é justo realçar o que tem sido tentado. Importa aqui encaixar uma consideração paralela: enquanto Lisboa apresenta alguns sinais de beneficiação de seu tecido habitacional e social, exceptuando-se os Centros Históricos em acentudada degradação, há concelhos limítrofes que sofrem efeitos colaterais de sinal absolutamente contrários, a norte e a sul do Tejo. Já que se falou nos cascos antigos, acrescenta Seixas que a redução da massa demográfica é aí uma perigosa realidade, como nós próprios também já frisámos em texto anterior inserido na Plataforma. Perdendo-se, entre 1981 e 2001, cerca de 30% da sua população, esse despovoamento arrrasta consigo outras consequências: desaparecem as pessoas, arruinam-se as suas casas e a regeneração torna-se mais complicada e mais premente. Em operações de grande vulto, é preciso que a governança se imponha a sério, mobilizando poderes públicos, municipais e outros agentes privados, mas para que isso surta o efeito desejado é necessário que haja confiança no futuro e nas diversas instituições e que a economia permita respirar outros ares. Um sinal de que começam a esboçar-se novas esperanças está no facto de se terem iniciado, com algum êxito, os Orçamentos Participativos, que são um caminho para fazer mexer as pessoas e suas comunidades no sentido de mostrarem as suas vontades e opiniões, de uma forma integrada e dinamizada por quem, por fim, tem poder de decisão: a autarquia, porque, caso contrário, eram iniativas condendas ao fracasso e à frustração. Aliás, a Carta de Leipzig é clara a este propósito: nela se fala em lançar as bases de um desafio para um debate político que conduza a Cidades Europeias Sustentáveis em políticas de desenvolvimento, reforçando as economias locais e as carências existentes, sobretudo, em zonas urbanas carenciadas. Combinando o Programa de Acção de Lille, o Acervo Urbano de Roterdão e o Acordo de Bristol, vinca-se na Carta de Leipzig que devem ser postas em prática todas a vertentes de um Desenvolvimento Sustentável, que contenha prosperidade económica, equilíbrio social, ambiente saudável, cultura, saúde e capacidade institucional, porque estes espaços, sendo património geral, têm tudo a ganhar com essas visão integrada, tornando-o inestimável e insubstituível. Com esta marca de Leipzig, recomenda-se: maior recurso a abordagens de políticas de desenvolvimento urbano integrado, maior envolvimento das pessoas, amplos consensos, análises SWOT detalhadas e úteis, planos justos e eficientes, financiamentos à altura dos projectos, reforço das coordenações, parcerias equitativas entre zonas urbanas e rurais, o que muito nos satisfaz, e entre cidades pequenas, médias e grandes. Quanto a Lisboa, a cultura urbana que ostenta pode ser um poderoso aliado e trunfo para a sua recuperação e para reencontrar um lugar cimeiro no contexto das cidades com qualidade de vida, apresentando, já hoje, vários prémios e distinções a esse nível. Se, para Dickinson, as cidades contêm unidades de vida e organização social, defende, no entanto, mais a dimensão regional que propriamente as cidades em si mesmas, esclarecendo, porém, que as vê como locais especiais e com funções centrais e um certo carácter peculiar, sendo que, em 1964, propõe para elas modelos ecologistas e relações construtiva entre as cidades e o mundo rural. Também o Arquitecto Ribeiro Telles, o ideólogo da junção entre a urbanidade e a ruralidade, tem sugestões neste sentido e a sua ideia das hortas e quintais em plenas zonas urbanizadas é disso um exemplo. Mas, ao falar-se de uma cidade como Lisboa e Madrid, logo salta para cima das mesas da discussão urbanística o problema das acessibilidades e dos tranportes, que têm de estar no centro das preocupações de todos os seus agentes, para que o desenvolvimento urbano seja mais inteligente, mais sustentável, mais integrado e mais inclusivo, como se defende na Declaração de Toledo, apoiando uma maior coerência entre os sistemas territoriais urbanos e ampliando a relação entre as cidades e as comunidades vizinhas em parcerias rurais-urbanas, considerando, realça-se, a ampla diversidade territorial, para uma boa Agenda Territorial Europeia. Na sua “Gestão Estratégica de Cidades e Regiões”, António Fonseca Ferreira vem dizer-nos o seguinte: “... As cidades, as regiões e o território são, hoje, realidades económicas, sociais e identitárias que, a par da globalização e da revolução tecnológica, marcam as bases civilizacionais do século XXI...”. Numa nota oportuna associa espaço e tempo, que passou de bem abundante a escasso, pelo que carece de ser bem aproveitado e a qualidade de vida urbana muito ajuda a que isso possa vir a acontecer. Nesta sociedade da informação e do conhecimento, estas variáveis devem fazer parte do léxico obrigatório das novas urbanizações e da recuperação e regeneração das antigas. Assim é neceessário “... avaliar o progresso social em termos de qualidade de vida e não só de nível de vida...” (Idem, p. 29), raciocínio que se aplica totalmente à problemática que estamos a analisar, para se conseguir um verdadeiro progresso económico, maior justiça social e equilíbrio ecológico, acrescenta. Valorizar a diversidade, como pulsão criativa, para Ferreira, é uma peça fundamental, assim como o saber bem aproveitar as oportunidades mobilizadoras, a promoção de uma estratégia territorial afirmativa, mais comunicacional e a ter em conta o Plano Nacional de Desnvolvimento Económico e Social (PNDS), no seguimento das Agendas Locais 21 e as boas prática legislativas que já existem. Partindo agora do tema “Sustentabilidade e Regeneração Urbana Integrada na Europa” (Plataforma), apela-se à pluralidade de combinações possíveis, ao esforço conjugado de agentes privados e públicos, em intervenções físicas, sociais e económica interligadas e não desgarradas, em princípios de equilíbrio, complexidade e eficiência sustentável e isso viu-se, em boa parte, naquilo que dissemos acerca de Lisboa. Como dissemos no início deste Capítulo, queremos também falar um pouco da Comunidade Urbana de Madrid, apoiando-nos no texto de Santiago Fernández Muñoz, “Participação Pública, governo do Território e paisagem na Comunidade de Madrid – Universidade Carlos III”. Em primeiro lugar, há que dizer-se que esta referência à paisagem tem, de imediato, um forte pendor positivo, por esta ser uma componente determinante em qualquer espaço. Definindo o conceito de participação pública como uma forma de cada sociedade se implicar e ligar aos assuntos e temas que lhe dizem respeito, defende-a acerrimamente nas nossas democracias, onde tem de haver cidadania, reforço da coesão social comunidade vicinal e reforço da integração social. Quanto a Madrid incide sobre uma característica fundamental da sua planificação urbanística que é a da sua integração na Agenda Local 21, assim se fazendo crer que a acção da União Europeia, nessa área específica, não foi deixada ao abandono, mas não deixa de dizer que se atendeu a muitos outros planos anteriores. Há, porém, ali, como em muitos outros locais, um grave problema a resolver: má comunicação interdisciplinar. Mas alude a falhas específicas da Comunidade madrilena e uma delas é a falta de uma base de dados pública, assim como é muito crítico relativamente à burocracia reinante, a ponto de citar uma acção de protesto levada a cabo pela respectiva Associação de Promotores Imobiliários. Vivendo-se ali uma autêntica explosão urbanizadora e demográfica, havendo mais 550000 novas habitações desde 2001 a 2006, pôe em destaque algumas alterações positivas nos últimos tempos, em contraponto às queixas acima citadas: uma dessas é o aparecimento de um documento público para discussão do que se pretende fazer naquele território de mais de 6 milhões de habitantes, integrando uma ampla participação dos interessados, tendo-se em atenção factores naturais e humanos e suas ligações recíprocas. Conferindo à paisagem a expressão da vontade e acção humana, enfatiza os efeitos da do Convénio Europeu da Paisagem, nas suas dimensões identitária, dinâmica, fonte de novas aspirações, novos propósitos e estratégias, em cascata. Defendendo que se tem de partir de bons diagnósticos para se atingirem bons resultados, a avaliação da qualidade deve estar em primeiro lugar, sobretudo para proporcionar bem-estar nestes espaços de tão grande intensidade populacional, de fluxos de tráfego e de toda a espécie de intercâmbios. Tendo em conta, como acentua Joaquin Farinós Dasi, que os espaços se constroem, se territorializam de acordo com a visão, desejo e interesse de seus agentes, há que actuar-se em conjunto, permitindo, no entanto, que cada espaço tenha a sua estratégia, a sua capacidade, o seu potencial e as suas acções. Chamando a atenção para a Estratégia de Lisboa e para o Conselho Europeu de 2004, a governança que preconiza passa por um desenvolvimento territorial a diferentes níveis, mormente o partenariado público-privado. Para acabarmos este capítulo, vamos fazê-lo com a convicção de que “... Enquanto comunidade de democracias, só podemos avançar com o apoio dos nossos cidadãos... (e) ... as decisões deverão ser tomadas tão próximo quanto possível dos cidadãos. Pode (mesmo) conseguir-se uma maior unidade sem execessiva centralização...” (Tizzano, Vilaça e Henriques, p. 413). Aplica-se isto a Lisboa e a Madrid. Mas também a todos os outros locais. - 5 – CONCLUSÕES: ESPAÇOS URBANOS E RURAIS, CAMINHOS A TRILHAR Nos parágrafos anteriores, muito se falou em cidades. Não admira que assim tenha acontecido, porque era disso, em primeiro lugar, que se apelava para a análise à Declaração de Toledo. Pessoalmente, pensando que um trabalho deste género também pode reflectir algo de opções um tanto nossas, privilegiamos políticas de ordenamento e planeamento de território que sejam mais abrangentes e que metam nas metas a seguir os espaços rurais e urbanos em pé de igualdade, ressalvando, como é lógico, as suas diferenças e especificidades. Temos a noção de que estamos a remar bastante contra a maré e até sentimos que fazemos parte de um grupo de cidadãos que, vivendo a utopia de desejarem que o interior de cada país tenha sempre uma actual palavra a dizer, teima em querer contrariar as linhas de tendência que se desenham no horizonte temporal: aquelas que aludem ao claro predomínio das grandes cidades e metrópoles, em oposição ao despovoamento acelerado e implacável dos demais espaços. Mesmo sabendo que a nossa posição é capaz de estar no campo errado, fomos à Plataforma buscar alento. E encontramo-lo em “Espaços rurais e urbanos face ao desenvolvimento sustentável”. Logo descobrimos um aspecto que muito nos preocupou e que faz parte da nossa própria agenda: a pobreza rural, que existe, é esquecida por quem pensa demais nas questões urbanas e esquece o resto. E continua a nossa fonte: “Se é verdade que, em todos os países avançados, há bolsas rurais de pobreza e tendências migratórias que podem pôr em perigo a conservação do território, são, por isso, necessárias políticas sociais na campo e estratégias (também) dirigidas para um desenvolvimento rural sustentável”, até porque nestas paragens há muito do que é fundamental para a sustentabilidade global, em recursos naturais, em suporte de vida humana, em produção agrícola, em estabilidade populacional e manutenção de ecossistemas. Partilhando da exigência do princípio da complementaridade entre os meios rural e urbano, é assim que se deve olhar para o planeamento. Para Fernando Pessoa, arquitecto, para não haver confusões, “... Toda a política de investimentos públicos e de equipamento social terá de ser revista de acordo com uma nova visão regionalista, assente num reordenamento do espaço à volta de autênticas unidades geo-sócio-económicas...”. Assim, afirma, há que olhar para a cultura popular quando se projecta e planeia o espaço, porque ele “... tem raízes na terra que a sustenta e por isso ela reflecte as relações do homem com o meio e com a natureza. A ruralidade e o mar forjaram a cultura portuguesa, diversificando-a de região para região de acordo com as comunidades que ocupavam determinado «nicho» de território...” (Idem, p. 96) Como é o homem que tem a capacidade de agir e é ele que “ modifica os aspectos do globo...”, como refere Amorim Girão, é no Homem que temos de encontrar as respostas para o nosso futuro individual e colectivo. Como geógrafo, a ele se deve muito do estudo da zona em que habitamos e já nessa época distinguia bem os aglomerados rurais e urbanos. Saindo duma zona do campo, afirmou que era a cidade que muito lhe interessava, porque era nela que sentia mais forte a acção humana, vendo-a no cerne da geografia que alimentou ao longo de sua vida na Universidade de Coimbra. E com esta referência regional, damos por concluído este nosso trabalho, que tem o condão de abrir pistas mais do que fechar portas... Carlos Tavares Rodrigues 18 de Janeiro de 2014 - 6 - BIBLIOGRAFIA Aguiar, Joaquim - Seminário Internacional – Europa Social, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, p 415 Alves, Fernando M. Brandão – Avaliação da qualidade do espaço público urbano. Proposta metodológica – FCG/FCT, Lisboa, 2003 Benevolo, Leonardo – A cidade na história da Europa, Editorial Presença, Lisboa, 1995, p. 232/233 Carmo, Renato Miguel do – Capital social e policentrismo: para uma análise reflexiva das políticas públicas, CIES/ISCTE, Colóquio Ibérico de Estudos Rurais, Coimbra, Outubro, 2008, p. 4 Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) Dasi, Joaquin Farinós – “Gobernanza territorial para el desarrolo sostenible: estado de la cuestion y agenda” Delgado, Ana Alvoeiro; Ribeiro, Ana Margarida Cunha - Legislação de Direito de Ordenamento do Território e do Urbanismo, 2ª edição, Coimbra Editora, 2004 Direcção de Serviços de Ordenamento do Território (DSOT) Fernandes, José Alberto Rio – Urbanismo, sustentabilidade e urnbanismo para cidades sustentáveis, Departamento de Geografia, FLUP, Porto Ferreira, António Fonseca – Gestão Estratégica de Cidades e Regiões, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, p. 28 Girão, Aristides de Amorim – Lições de Geografia Humana, Coimbra Editoram Lda, 1936, em edição fac-similada da Câmara Municipal de Vouzela, 2000 Grandes Opções do Plano – 2002/2005 – Torres Novas Jesus, Mário – As cidades como pólos de desenvolvimento local e regional, INE, Lisboa, 2002 Lourenço, Júlia Maria – Expansão urbana – gestão de planos-processo, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação Ciência e Tecnologia, Lisboa, 2003, p. 7 Mendes, Maria Clara – O planeamento urbano na Comunidade Europeia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1990, p. 15 Muñoz, Santiago Fernández - “Participação Pública, governo do Território e paisagem na Comunidade de Madrid – Universidade Carlos III” Pessoa, Fernando – Ecologia e território – Regionalização, desenvolvimento, ordenamento do território numa perspectiva ecológica, Edições Afrontamento, 1985, Porto, p. 116 Raimundo, Gabriel - “Jornadas da Beira Interior II, Jornal do Fundão Regulamento (UE) nº 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho”, de 17 de Dezembro de 2013, publicado no Jornal Oficial da UE em 20 de Dezembro de 2013 Ritta, Gonçalo Santa – Portugal, agricultura e problemas humanos, Terra Livre, Lisboa, 1979, p. 159 Seixas, João - Dinâmicas de governança urbana e estruturas de capital sócio-cultural em Lisboa, Centro de Estudos Territoriais, CET/ISCTE, Lisboa, Plataforma Sustentabilidade e Regeneração Integrada na Europa Tizzano, António; Vilaça, José Luís; Henriques, Miguel Gorjão – Código da União Europeia, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 413 Carlos Tavares Rodrigues, Uab, 2014

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