sexta-feira, 30 de março de 2018

Povoamento em Lafões

Lafões habitado desde há milhares de anos Nas crónicas que temos vindo a escrever sobre a região de Lafões, passámos duas ou três em deambulações pelas questões da natureza e do território em si mesmo. Tudo isso é importante, mas pouco compreensível se não prosseguirmos estas longas viagens falando das pessoas. São estas, em primeiro lugar, que nos interessam. Elas e, sobretudo, as comunidades em que se integram e onde desenvolvem o seu dia-a-dia. Metamo-nos, então, por esses caminhos, o que não será tarefa nada fácil, mas é para isso que servem as fontes, os testemunhos, os exemplos de quem por aqui foi andando e nos foi deixando, no cumprimento da interminável lei da vida. Nas escolhas dos espaços a habitar, ou a usar como campo de passagens ainda que um tanto breves e ligeiras, como aconteceu com os primeiros povos, em diáspora permanente, que aqui buscaram víveres e riquezas, Lafões teve tudo para atrair esses nossos antepassados. Filhos de gente que veio de tantos lados, o mar por perto, o clima convidativo, os rios, mormente o Vouga, com potencialidades para navegação, os empurrões sucessivos que as populações sofriam por essa Europa fora, em função das variações do clima e das contingências sociais e políticas das diferentes épocas, foram os factores e elementos que às nossas terras fizeram chegar esses primeiros e os outros habitantes. Num misto de insegurança e resguardo das suas identidades, não é de estranhar-se que, primeiramente, optassem pelo alto dos montes, desde que, ao seu lado, houvesse água, sempre necessária à vida de ontem, de hoje e de amanhã. Na busca dos vestígios das maiores permanências, desde logo nos deparamos com os pontos de maior altitude e visibilidade estratégica como pousos a escolher. A história ainda hoje anda às aranhas para encontrar as marcas e a datação de quem nos antecedeu. Em regra, sempre que se faz uma qualquer descoberta, esta aponta para tempos cada vez mais recuados. Muito possívelmente, esta nossa zona nos reserva, a esse nível, boas e agradáveis surpresas. Assim, tudo quanto agora possamos afirmar pode, dentro de tempos, ser desmentido, por novos factos e conclusões diversas. Por exemplo, em 2015, Nadia Drake . na National Geographic, depois de tanto se ter falado no austrolopiteco, vem colocar-nos em cima da mesa a hipótese do “homo naledi” como outra das muitas pistas a serem seguidas. Sem deixar de afirmar que este processo de criação de conhecimento está muito longe do seu fim (e alguma vez o estará?), lança deixas para que aumentemos a carga infindável de ciência e de dúvidas. O que têm estas reflexões a ver com a história de Lafões? Tudo e nada. Tudo, porque muito do que pudermos dizer pode ser destruído a qualquer momento por outras evidências. Nada, se tudo isso se passar ao lado das nossas e outras teses referentes a estes territórios. Se é variada a literatura científica em que se trata destes e doutros aspectos da vinda e vida de nossos antepassados, difícil é escolhermos e fazermos opções quanto à necessidade de encontrarmos boas (as melhores) respostas para tantas incertezas com as quais, infelizmente, teremos de continuar a conviver. “ Por terras de Viriato – Governo Civil, Museu Nacional de Arqueologia, 2000” apontam-se nomes que muito deram e têm dado a estas matérias relativas ao homem beirão, a saber: Leite de Vasconcelos, Amorim Girão, Santos Rocha, José Coelho, Vera Leisner, Leonel Ribeiro, Celso Tavares da Silva e Castro Nunes. Permita-se-nos que, no que toca a Lafões, aqui citemos Jorge Adolfo Marques, pelos seus múltiplos contributos nos últimos anos. E outras personalidades, muitas outras, de certeza, como haveremos de ir descobrindo e citando. Para que se produzam obras com peso e rigor, verdade e autenticidade, são usados mecanismos científicos que pouco têm variado ao longo dos anos, a não ser pelos acrescentos que as novas teccnologias vão permitindo trazer ao de cima. A evolução do crânio, o bipedismo, a fala, os tipos de alimentação, as ferramentas pensadas e criadas por cada comunidade humana, os fósseis encontrados, os sinais onde se nota mão do homem são as peças sem as quais nada pode ser descrito e apresentado ao público como sustentável e credível. Pelas nossas bandas, os castros, as grutas (poucas), as antas, as pinturas e símbolos rupestres são aquilo que nos faz saber que é antigo o povoamento destas terras de Lafões. Para Nabais, Rodrigues e Martinho (1991) – Oliveira de Frades, edição da Câmara Municipal – nada acontece por acaso, quando nos dizem que “... Não podemos esquecer-nos, no entanto, de que múltiplos factores condicionam a presença e a permanência das populações num tempo e num lugar concretos. Não se vive no vazio. Se os nossos contemporâneos buscam a melhoria das suas condições de vida, aqueles que nos antecederam radicaram-se neste solo porque nele encontraram razões para viver... “ (p. 35). Por isso, se fixaram, primeiro nos altos dos montes, na Várzea (Reigoso) e noutros sítios de características semelhantes. Por sua vez, João Carlos de Senna- Martinez e Ivone Pedro ( Por terras de Viriato), falam num período de um “desenvolvimento de uma rede florescente de povoamento, p. 119”, o dos tempos do bronze final, citando, entre outros exemplos, o Castro de Nossa Senhora da Guia (Baiões). Já Ivone Pedro e João L. Inês Vaz nos trazem, na mesma obra, os povoados do Cabeço do Couço e Paços de Vilharigues (Vouzela) e Castro da Cárcoda (S. Pedro do Sul) como pertencentes à Idade do Ferro. Nesta viagem de milénios por Lafões, muitas serão as referências a estes temas das opções por sítios para se vir, viver e ficar. É isso que nos irá ocupar tempos sem fim, aos poucos e até aos solavancos. Veremos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Março 2018

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