terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A génese e a morte da Linha do Vale do Vouga

Vale do Vouga Muita luta para o seu nascimento para agora nada termos Em finais do século XIX e início do seguinte, quando Portugal já era entrecortado por várias linhas férreas, depois da agitação em investimentos públicos que se sentiu com Fontes Pereira de Melo, esta nossa zona do Vouga, no seu sentido lato, começou a mexer em grande, sobretudo a partir da comunidade lafonense residente em Lisboa. Foi árdua e bem conseguida a luta encetada por esses nossos antepassados. Mas, antes do seu sucesso, outras pistas estiveram em cima da mesa através de várias hipóteses. A certa altura, chegou a pensar-se numa linha que, partindo do Porto, iria até Viseu pelo Vale do Paiva, via S. Pedro do Sul. Um outra ideia inclinava-se para a ligação de Torredeita para Viseu, passando depois por Vouzela, Oliveira de Frades, Couto de Esteves, terminando em Espinho. Segundo estas discussões, os concelhos de Lafões não deixavam de unir esforços para levarem a água ao seu moinho, isto é, serem estas nossas terras beneficiadas por inteiro, de um lado a outro, tal como veio a ser conseguido. É que qualquer daquelas vias não satisfazia os interesses gerais desta região, como se pode deduzir pelos traçados apresentados. Entretanto, logo em 1881, se pede a criação da Linha do Vale do Vouga, mas sem sucesso no plano imediato, porque só apenas em 1889 é que se vem a obter o respectivo alvará. Concluíram-se os trabalhos de campo em 1894 e um projecto veio a lume em 1895, numa concessão a durar 99 anos. A anteceder a via ferroviária, falemos antes um pouco dos transportes aqui existentes. Para o Professor Amorim Girão, a grande pista, durante séculos, foi aquela que tinha marca do povo romano, ligando Águeda a Viseu, pois essa era a “única via de comunicação entre a Beira Central e a Beira Litoral, entre a serra e a marinha, sendo conhecida pela Estrada do Peixe”. Veio a ser ultrapassada pela ER 41( EN 16), a macadam, unindo Viseu a Vilar Formoso. Falando nas suas viagens, alguns tempos antes, Ramalho Ortigão, como se regista em “Memórias do Vouga – Manuel Castro Pereira, Porto, 2000”, assim descrevia um dos percursos que percorreu. Com a sua veia literária, assim o descreveu: “ Quem vinha do Porto a Viseu, ou deixava a estrada real de Lisboa em Albergaria e atravessava a Serra das Talhadas ou cortava em Oliveira de Azeméis, pouco mais ou menos pelo Rego de Chave ... ( Vindo dos lados de Manhouce, narra).... “ Ao cair da tarde cheguei a S. Pedro do Sul. Que refrigério! Que grande amenidade! Que brandura! Um vale recolhido e abrigado pelo Monte Lafão, de uma temperatura tépida, refrigerada pela corrente do Vouga, que corre em várias quedas, ouvindo-se por toda a parte o marujar doce das águas jogadas nos açudes... “. Este era o velho tempo das diligências puxadas por cavalos. Quando se quer dar o salto para os comboios que viessem servir estes nossos territórios, que aquela situação deixava muito a desejar, um grupo de nossos antepassados em Lisboa, vendo o que se ia cogitando a esse respeito, lança a Comissão Dinamizadora da Linha do Vale do Vouga (atitude que viria a desembocar no Grémio Lafonense), em que se integram António Pinto de Azevedo, Daniel Gonçalves de Almeida, António Rodrigues Portinha, Estêvão de Vasconcelos e Manuel Rodrigues de Abreu. Para sede deste movimento, Daniel Almeida cede o seu estabelecimento na Calçada do Garcia, números 44 a 46. A esta gente, junta-se ainda Alfredo Augusto Ferreira, José Bento Gonçalves de Almeida e Benjamim Rodrigues Costa. A sua força e entusiasmo deram os devidos frutos. Em 1907, Companhia Francesa de Construção e Exploração inicia os trabalhos. Um ano depois, o Rei D. Carlos I inaugura o troço entre Espinho e Oliveira de Azeméis. Em 1911, está-se na Sernada do Vouga. Em 1913, liga-se Sernada a Vouzela e Bodiosa a Viseu. No ano de 1914, estabelece-se a linha Vouzela-Bodiosa, assim se fechando a respectiva malha. Até 25 de Agosto de 1972, circularam os comboios a vapor. Posteriormente, até 1989, são as automotoras ALLAN que prestam o seu serviço. A 1 de Janeiro de 1990, a morte anunciada vem a consumar-se, irremediavelmente. Para registo e memória futura, vejam-se as localidades que viam passar os comboios e os utilizavam: 1 - Espinho, Silvalde, Paramos, Sampaio/Oleiros, Paços de Brandão, Rio Meão, S. João de Ver, Sanfins, Feira, Escapães, Arrifana, S. João da Madeira, Couto de Cucujães, Santiado de Riba-Ul, Oliveira de Azeméis, Ul, Travanca, Pinheiro da Bemposta, Branca, Albergaria-a-Nova, Albergaria-a-Velha, Sernada; 2 - Sernada, Macinhata, Valongo, Aguieira, Mourisca, Águeda, Oronhe, Casal de Álvaro, Travassô, Eirol, S. João de Loure, Eixo, Azurva, Esgueira, Aveiro; 3 - Sernada, Carvoeiro, Foz do Rio Mau, Poço de Santiago, Paradela, Cedrim, Ribeiradio, Arcozelo das Maias, Quintela, Santa Cruz, Nespereira, Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades, S. Vicente de Lafões, Fojo, Vouzela, Termas, S. Pedro do Sul, Fataunços, Real, Moçâmedes, S. Miguel do Mato, Bodiosa, Travanca de Bodiosa, Mozelos, Campo, Abraveses e Viseu. Hoje, algumas décadas passadas sobre a o assassínio do nosso Vale do Vouga, a velha linha, cortada aquém a além, tende a ser uma enorme ecopista. Não é a finalidade que mais nos agrada. Ainda mantemos o sonho de, um dia, voltarmos a ter os comboios, talvez aí até 2030. A esperança é última a morrer. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan19

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