sexta-feira, 19 de junho de 2020

Manhouce, aldeia de S. Pedro do Sul nas 7 Maravilhas da Cultura Popular...

Manhouce nas 7 Maravilhas da Cultura Populat - É uma das terras finalistas em 140 no total Esta aldeia serrana, com um pé a bailar nas montanhas e outro no mar, em espólio ali deixado pelos almocreves e outras gentes em movimento, soube agarrar essa cultura, fazê-la sua e guardá-la activamente, mostrando-a por todo o lado, como ninguém. Sem sabermos se foi a água, se a aprendizagem, ou se tudo isso em conjunto, o certo é que este lugar, sempre que se fala em música e folclore, está, na maior parte dos casos, na linha da frente dessa defesa patrimonial. Aliás, de geração em geração, há ali toda uma cadeia de testemunhos que tudo o que vem herdando logo o amealha e o põe a render. Foi asssim em 1938, voltou a ser com a candidatura à UNESCO das Vozes de Manhouce como Património Cultural Imaterial da Humanidade (em curso), e é agora nas 7 Maravilhas da Cultura Popular. Entre 140 finalistas em geral e 7 na região de Viseu, ali temos Manhouce a marcar presença.Com a eleição final marcada para 7 de Setembro deste ano de 2020, se tudo correr como se espera, que isto agora não nos permite ter certezas absolutas, veremos o que pode vir a acontecer. Com muita cultura e pouquíssimos habitantes, sendo que em 1990 tinha 1582 residentes e em 1950 se ficava pelos 1542, começou, a partir daí, a cair por aí abaixo até às 647 pessoas em 2011, último recenseamento realizado no nosso País. Felizmente, o apego a estas boas coisas do património nunca se perdeu e segue a regra do que é inversamente proporcional: a menos almas vivas corresponde uma luta e uma conquista em cultura popular que ainda hoje é um orgulho da nossa região de Lafões e do seu concelho, S. Pedro do Sul, muito em especial. Num enquadramento contextual destas questões, é impossível passarmos por cima do ano de 1938 e daquilo que então ficou conhecido como um outro concurso, o da Aldeia Mais Portuguesa, onde foi muito longe, alcançando mesmo os lugares cimeiros. Nessa altura, esse foi um processo árduo e meticuloso, como nos relata Maria do Rosário Pestana, no ano de 2000, na sua tese de mestrado “ Vozes da Terra: a folclorização em Manhouce” Antes, porém, de avançarmos para os respectivos e importantes pormenores de há 82 anos, façamos uma viagem pelas informações disponibilizadas pela Junta de Freguesia na sua página da Internet, que se apresenta muito bem organizada e com muitos dados mostrados a quem se abeirar destas novas tecnologias. Na pesquisa feita e com vista a suportarmos esta nossa ideia de aqui trazermos as belezas culturais destas terras, onde se canta tão bem e tão a preceito, deparámo-nos logo com dois dos vultos maiores deste panorama musical, designadamente, Isabel Silvestre e o Mestre Silva. Era quanto bastava para ganharmos o dia em termos de conhecimento e material colhido para divulgação perante os assinantes e leitores deste jornal, o “Notícias de Lafões”. Mas havia mais, muito mais a ler e a registar. Em capítulos vários e sectoriais, lá encontrámos o património edificado, onde sobressaem a Igreja Matriz, as Capelas várias, as antas, as pontes romanas, a zona arqueológica da Gralheira, o Cruzeiro da Independência, as alminhas, as escolas, hoje mais ou menos abandonadas ou reconvertidas, em número de quatro, as referências à tecelagem, cestaria, tanoaria, construção de outros apetrechos domésticos, tais como molhelhas, jugos, manguais, arados, cortiços, as casas rústicas e as de turismo rural, as colectividades que dão vida e futuro a estas boas e ricas realidades. Podem acrescentar-se ainda os fantásticos recantos de paisagens, mormente, os poços Negro, da Cilha, da Barreira, do Caldeirão, o Rio Teixeira, a Serra da Arada, e tudo aquilo que é o cartão do cidadão desta terra fora-de-série. Razões de sobra para o prémio 7 Maravilhas da Cultura Popular Estávamos então em 1938. António Ferro e o Estado Novo privilegiavam, na sua visão do mundo, um certo ar de espaços tidos como puros, rurais até ao tutano, praticamente em vivência quase medieval, passe a expressão. Manhouce tinha todas as características para assim ser uma das terras a escolher, assim como, em certa medida, Monsanto, Cambra e umas outras aldeias tidas como típicas. Aqui, entre S. Pedro do Sul e Arouca, este espaço lafonense vinha mesmo a calhar. Para mal dos seus pecados, não tinha estrada, nem luz eléctrica, possuía uma escola primária em construção (estava em marcha o Plano dos Centenários), uma população maioritariamente analfabeta, uma vivência ligada à agricultura, à pastorícia, uma forte emigração para o Brasil, apenas dois estudante liceais e um seminarista, como nos narra Maria do Rosário Pestana (2000). Desejava-se tudo quanto não fossem “ideias perturbadoras e dissolventes da unidade e interesse nacionais... “ Perante estas circunstâncias, o concurso da Aldeia Mais Portuguesa assentava então que nem uma luva. Realizado entre Maio e Setembro desse ano de 1938, tudo ali foi observado ao pormenor, com um olho clínico: costumes, práticas, mobiliário, indústrias, lendas, tradições. Entretanto, uma surpresa haveria de surgir: o Rancho Folclórico de Manhouce. Encarregaram-se dessa importante tarefa, que iria ter presente e futuro, o Padre António José de Sousa, Custódio Duarte Barbosa, Bento dos Santos, tendo feito as devidas apresentações, António Gomes Beato. Era constituído por 32 elementos, sendo 18 jovens masculinos e 14 raparigas que logo começaram a dar o seu contributo. Num tempo em que a natalidade era significativa, para não dizermos abundante, só de duas famílias saíram 9 dos seus componentes – 5 dos Beatos e 4 dos Sousas. Em funções desempenhadas, tínhamos um ensaiador, um seu auxiliar, um cantador ao desafio, uma cantadeira, um tocador de acordeão, um de violão e 11 dançarinos entre a rapaziada. Das raparigas, 13 dançavam e uma cantava ao desafio. Havia ainda uma tocata, essa constituída por pessoas de fora da terra. Em apreciação pelo júri do citado concurso, esteve a indumentária, o canto e a dança. Numa tentativa de elencarmos as modas desse ano de 1938 e aquelas que, porventura, foram aparecendo, eis esta lista, a três vozes, baixo, raso e por riba: Vira da Aldeia; Senhor da Pedra; Ó prima, vamos para a ceifa; Cachopa Olaré Cachopa; Tirana; Tareio; Senhora da Saúde; Ó Povo deste Lugar; Da Banda de Lá do Rio; Senhora dos Remédios. Por tão rico património se vieram a interessar: Armando Leça – 1940/41; Artur Santos – 1956/57; Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça – 1970 e Sardinha – 1982 e 1997. Já agora, diga-se que, logo em 1938, no V Congresso Internacional do Vinho e da Uva, em Viseu, participaram o recente Rancho de Manhouce e o de Cambra. Quanto àquele, foram tais os seus efeitos que, nos tempos futuros, os seus frutos foram visíveis e palpáveis com uma gravação em 1961, com a direcção de Lourenço da Silva (Mestre Silva) e Gomes Silvestre, para virmos ainda a ter o Rancho Infantil da Casa do Povo, saindo desta instituição também o Rancho Folclórico adulto, o Grupo Etnográfico de Trajes e Cantares, o Rancho Folclórico, o Grupo Juvenil e Feminino de Música Tradicional, também o Ars – Nova e, acima de tudo, a solo, a voz inconfundível de Isabel Silvestre com uma carreira altamente notável, ora sozinha, ora em parcerias com os GNR, com José Barros e os Navegantes, com a Banda Futrica, com Rão Kyao, Sérgio Godinho, Mão Morta, Madredeus, João Gil e Delfins, se a memória nos não trai. Deve-se ainda a Isabel Silvestre um vasto acervo de cultura popular e tradições, sobretudo em Memória de Um Povo, Cancioneiro Popular de Manhouce e Doçura. Com tanto a ter sido dado a todos nós e um pouco pelo mundo fora em tais domínios, bem merece Manhouce inscrever o seu nome no concurso as 7 Maravilhas da Cultura Popular. Sendo este um palmarés bem digno de nota e de todos os encómios, sabendo-se ainda que nada disto se tem perdido, mas tem passado de geração em geração, há aqui esta dimensão da perenidade e transmissão de conhecimentos que não podem ficar no esquecimento de quem tiver de decidir na hora da votação ou da escolha em causa. Para a vitrine dos troféus desta terra, mais esta jóia em destaque virá mesmo a calhar. E é justa. Justíssima... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 18 Jun 2020

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