quarta-feira, 29 de março de 2017

Uma quinta em Lafões com mais de mil anos

Quinta da Comenda e Ordem de Malta Com um passado de quase um milénio, segundo as datações que se conhecem, a Quinta da Comenda, no concelho de S. Pedro do Sul, em plena EN 16, remonta aos tempos de D. Teresa, mãe do nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques, em mais uma ligação estreita entre estas terras de Lafões e as gentes das mais altas esferas da sociedade política e social de então. Em 1143, fez dela doação a seu irmão, D. Raimundo, que, sabe-se, a transferiu, praticamente, desde o seu início, para a Ordem Religiosa de S. João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, sucessivamente, sendo esta a última designação que mais perdura. Esta é uma Casa onde a história é rainha todos os dias. Com a sua possível fundação a vir do período anterior à nossa própria nacionalidade, foram muitas as alterações havidas nestes perto de mil anos da sua existência. Diz-nos António Nazaré de Oliveira que a sua grande restauração aconteceu nas primeiras décadas do século XVIII, sendo que, na sua fachada principal, se destaca a data de 1745, assim se assinalando a posse desta Quinta da Comenda por parte da citada Ordem de S. João Baptista do Hospital, um outro nome para uma mesma ou parecida realidade institucional. Foi esta Quinta a sede da enorme Comenda de Ansemil, detentora de vastos territórios e coutos espalhados um pouco por todas as Beiras. Na região de Lafões, encontramos alguns de seus domínios em Rebordinho – Campia, em Pindelo, em Fermil, naturalmente, Arcozelo (S. Pedro do Sul), Ventosa, aqui, no Covelo, em Prazias e Ansara e ainda em Paços de Vilharigues, em Fiais e muitos outros lugares, como se pode ler em “ Nova História da Ordem de Malta em Portugal”, de José António de Figueiredo Ribeiro, que repesca um livro cujo original é da autoria de José Anastácio de Figueiredo, parte II, em versão que vai até à morte do Rei D. Dinis. Curioso é referir-se, segundo este último historiador, que a Comenda de Ansemil/Ordem de Malta foi uma das “... mais danificadas e deterioradas nos seus rendimentos... “ até então. Mesmo assim, falava-se em influência desta Ordem nas zonas de Tarouca, Trancoso, Figueira da Foz, Crato, Vila Cova-à-Coelheira, Sernancelhe, Alcafache, Boaldeia, Bustos, Mortágua, Coimbra, Águeda, Minho e um pouco por todo o espaço já de Portugal Continental. Alguns destes locais tiveram ainda Companhias de Ordenanças, cabendo à Comenda de Ansemil ter um Capitão-Mor e um Sargento- Mor, também. Se esta Comenda tem a dimensão que acabámos de citar e que peca pela escassez de dados e referências, a Quinta da Comenda não deixava de respirar esses ares de grandeza, pelo que foi singrando até 1834, quando foram extintas as Ordens Religiosas no nosso País. Desde então para cá foi tropeçando e dando trambolhões, até vir a ser adquirida, em 1984, pelo casal D. Laura e Dr. José Cardoso Rocha. Se destes tempos presentes aqui traremos mais pormenores, mais além, há que indicar-se que gostamos, primeiro, de fazer uma incursão pelo historial da antiga Ordem Religiosa da Cavalaria de S. João de Jerusalém. Foi nesta cidade que ela nasceu, no século XI, provavelmente no ano de 1084, devido à acção dos comerciantes locais, que avançaram para a construção de um Hospital destinado a prestar apoio aos peregrinos. Fazendo um parêntesis, esta actividade assistencial viria a ter influência decisiva na Rainha D. Teresa, a quem se deve, por exemplo, a criação da Albergaria na terra do mesmo nome aqui bem perto de nós, seguindo-se-lhe, nos tempos posteriores, muitas outras iniciativas do género. Feita esta incursão por outros temas, voltemos ao nosso fio condutor, a Quinta da Comenda e a Ordem de Malta. Como é que se chegou a esta derradeira designação? Pura e simplesmente, por uma espécie de jogo do empurra: com a perda da influência de Jerusalém, assentam-se arraiais em Rodes e, depois, em Malta. Assim se compreende o nome que colocámos no nosso primeiro parágrafo. Na Península Ibérica, a sua sede inicial instalou-se em Aragão, vindo depois a destacar-se o Priorado do Crato, já em solo português. Da sua expansão, já demos uma ideia nos parágrafos anteriores. Acrescentamos uma nova informação, que se relaciona com o pendor reformista do Rei D. Manuel, que, em 1514, procede à criação das Ordens Novas, de certa forma inseridas na Ordem de Cristo. Por alturas do domínio filipino (1580-1640), a Quinta da Comenda e a povoação de Arcozelo, ali a dois passos, foram protagonistas de um Levantamento Popular contra a imposição de novos impostos, no ano de 1635, como tão bem relatam António Nazaré de Oliveira e, sobretudo, António de Oliveira, Coimbra, em “ O levantamento popular de Arcozelo”, 1635, separata da RPH, de 1978, tomo XVIII. Abria-se assim mais uma brecha no poder dos Filipes, a juntar a muitas outras rebeliões que se foram registando por este País além. Mais modernamente, em 1899, foi instituída a Fundação da Assembleia de Cavaleiros Portugueses da Ordem Soberana Militar de Malta, o que se pode comprovar no Diário do Governo, nº 122, de 31 de Maio desse mesmo ano. Actualmente, desenvolve-se na Quinta da Comenda um projecto de Turismo Rural e de produção de vinho biológico, em ligação com o passado que por ali se tem vindo a continuar, com mais ou menos sucesso, podendo recordar-se e fase em que enveredou pelo Vinho de Lafões, em moderna linha de engarrafamento, também em fase de decadência. Seja como for, a Quinta da Comenda tem um peso assinalável e inesquecível na vida da nossa Região de Lafões. Merece, por tudo isso, que a consagremos como marco importante da nossa história colectiva. Estas linhas são um pequeno contributo para o reconhecimento que lhe devemos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”

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