sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Quando se sonhava com um Rio Vouga Navegável....

Um Rio Vouga alvo de projectos de navegação O problema dos transportes e das comunicações entre os povos e as nações é, e tem sido, sempre motivo de muitos sonhos, projectos e discussões. Bem o perceberam os romanos, que logo trataram de pôr todos os caminhos a chegarem a Roma e eles lá sabiam porquê: por cada via aberta, eram mais umas toneladas de cereais que, na capital, poderiam ser consumidas e mais uns quilómetros de domínio militar e social que tanto jeito e proveito lhes davam. Na mesma onda andou Fontes Pereira de Melo, quando pensou em dotar a sua pátria, este nosso Portugal, de uma rede de estradas e vias férreas que tudo pusessem em contacto. Assim pensaram e agiram, anos depois, os nossos irmãos lafonenses, em Lisboa, quando, no início do século XX, se lançaram na aventura de reclamar para a sua e nossa Região a passagem do Vale do Vouga, nessa altura em fase de discussão e disputas quanto ao seu traçado. Por entre polémicas, cada nova via de comunicação nunca deixou de motivar paixões, pedidos de troços para aqui e para ali, debates, abaixo-assinados, artigos de jornais, muitas vezes, altamente inflamados, influências, idas a Lisboa e a todo o lado onde pudesse haver poder de decisão. Sempre assim foi e, cremos, jamais deixará de o ser. Nas últimas décadas, o traçado da EN 333, entre Vagos e Vouzela, circulando por Oliveira de Frades entre outros municípios, motivou fortes tomadas de posição; a ligação (ainda não conseguida) entre Arouca e S. Pedro do Sul seguiu o mesmo caminho das tomadas de posição e, mais recentemente, situações diversas merecem aqui também dois dedos de reflexão. Uma destas, bem próxima de nós, foi a grande via dos tempos modernos por estas bandas, o IP5/A25. Como estrada estruturante na ligação entre o litoral centro e norte e a vizinha Espanha, os candidatos a recebê-la apareceram de todos os lados, com dois pólos de interesses divergentes: a corda de Coimbra e a nossa, Aveiro-Viseu-Salamanca. Esgrimindo-se argumentos de uma banda e de outra (confessando nós que não fomos indiferentes a esta contenda, tendo abraçado um dos projectos, o da PROPLANO, em que colaborámos e que estudou as pretensões destas nossas terras), saiu vencedora a zona onde nos integramos. Sendo esta uma história recente, por hoje a abandonamos para ir procurar outros documentos e fontes relativos a empreendimentos, ou projectos, que tiveram como linha de rumo e prisma de actuação virem a servir Lafões. Sem deixarmos de dizer que a obra de que vamos falar cabia mais no domínio da utopia que na realidade, o interesse de que se reveste, tendo em conta a época em que viu a luz do dia, obriga a que aqui a coloquemos, para melhor percebermos o pensamento e as ambições regionais que, no século XIX, estavam em discussão. Os conceitos que vamos tratar neste NL vêm-nos do ano de 1829 e referem-se às “Reflexões sobre a navegação do Rio Vouga”, da autoria do Dr. Joaquim Baptista, um médico que então exercia a sua profissão em Vouzela. Numa versão com “Introdução e Notas de A. Lúcio Vidal”, da Estante Editora, 1989, que nos chegou às mãos por oferta de um saudoso Amigo, o Dr. Celso Cruzeiro, são inúmeros os pontos em análise e o arrojo das propostas então apresentadas. Melhor do que quaisquer das nossas opiniões, mostremos o que se escreve nessa obra. Entre várias considerações gerais, começa-se logo por dizer que “... A importância das comunicações no fomento económico português é preocupação antiga. Delas não se esqueceram os contemporâneos de D. Luís Meneses. O Conselho da Fazenda, ao delinear um plano económico cuja direcção era entregue ao Conde da Ericeira, registava: há outras muitas cousas em que se devia cuidar como (...) a navegação de alguns rios, a conservação dos portos e barras, a sementeira de pinhais e aumento da agricultura, conserto de caminhos e pontes... “. Ontem e hoje, quase sempre as mesmas necessidades e preocupações. Alheio aos ventos que sopravam na direcção das máquinas a vapor e dos comboios, o Dr. Joaquim Baptista remava noutras marés, a das embarcações pelos nossos rios. Profundamente empenhado também na força das águas termais de S. Pedro do Sul, de que escreveu, por exemplo, “Memória sobre as Caldas de S. Pedro do Sul” (1840, logo uns anos mais tarde das suas posições sobre o Rio Vouga), debruçou-se ainda sobre a Estatística deste terrtório, referiu-se a S. Frei Gil e ao seu papel de médico, mas a sua paixão maior, a do encanamento do Rio Vouga, até S. Pedro do Sul, e do Rio Cértima, não lhes saíam da cabeça. A certa altura, assegura mesmo que “... As causas principais que se opõem à prosperidade deste país são a falta de navegação do Vouga, a falta de instrução, e os imensos e pesados foros, tantos a campos de mão morta como a particulares, que vivem em Lisboa... “. Pensador e sonhador, teve o azar, entre outros, de nunca ter visto, como ansiava, os seus trabalhos publicados. No meio destes, o da sua desejada navegabilidade do Rio Vouga até S. Pedro do Sul nunca o abandonou. Hoje, com a nova Barragem de Ribeiradio, a não ser que nela se construísse uma qualquer eclusa, tal objectivo seria de mais difícil concretização, mas, para melhor nos situarmos no tempo e no espaço, o contacto com estas “Reflexões” são um bom motivo para, na actualidade, com elas tomarmos contacto... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Jan 2020

Sem comentários: