sexta-feira, 20 de março de 2020

Em tempo de pandemia, recordamos o vouzelense e pai do Instituto Ricardo Jorge...

Dr. Ricardo Jorge com origem no concelho de Vouzela Um dos grandes cientistas da área das epidemias Nos últimos tempos, muito se tem falado no Instituto Ricardo Jorge, a propósito das análises que têm de ser feitas para detectar a doença Covid 19. À primeira vista, aquela designação é apenas a de um serviço público de excelência. Acontece, porém, que para a região de Lafões, para o concelho de Vouzela e para Vilharigues tem um significado muito especial, por esta razão: o pai do Dr. Ricardo Jorge, ferreiro de profissão e com estabelecimento na cidade do Porto, nasceu em Vilharigues, no centro da povoação, no século XIX. Como tantos dos seus conterrâneos, o fenómeno da emigração também lhe bateu à porta e aí foi de abalada para aquela cidade nortenha. Escreveu-se neste jornal, a 1 de Setembro de 1939, que aquele artesão era primo do Barão da Costeira e tio de João António Gonçalves de Figueiredo. Chamava-se o pai do médico de renome universal José de Almeida Jorge ou José Jorge de Almeida, tendo casado com Ana Rita de Jesus. Instalou o seu posto de trabalho e a sua habitação na Rua Dezasseis de Maio, a partir do ano de 1857. Um ano depois, a 9 de Maio, aí nasceria então Ricardo Jorge, que veio a casar com Leonor Maria Couto dos Santos, tendo quatro filhos: Artur Ricardo Jorge (Ministro da Instrução Pública em 1926), Ricardo Joge, Leonor Jorge de Seabra e Alice Jorge Paula Rosa. Com uma carreira que começou a ser desenhada logo nos bancos da escola e no Liceu de Santa Catarina ( e ou Colégio da Lapa?), entrou para a Escola Médica aos 16 anos, onde cursou medicina. Numa de suas obras, A Peste Bubónica no Porto, ficou registado que “ Ricardo Jorge nasceu vacinado contra a ociosidade. Trabalhar, trabalhar sempre, era o seu lema e a sua teima”. Esta viria a ser uma das marcas fundamentais de sua vida bem preenchida em ideias, actos e realizações, desde a medicina à ciência em si mesma. Como curiosidade, o seu vasto curriculum apresenta dois aspectos como que contraditórios: por um lado, dá os seus primeiros passos profissionais na área da neurologia, apresentando as teses “ Um ensaio sobre o nervosismo” e “Localizações motrizes no cérebro”, o que, de certa forma, talvez explique a sã amizade que estabeleceu com o Professor Egas Moniz, também com origens maternais em Vouzela, Alcofra, Quinta do Carril, onde nasceu sua mãe; por outro, será no domínio da saúde pública, higiene e epidemias que virá a ficar mais conhecido e onde produziu grande parte de sua obra científica. A sua obra Em jeito de cronologia, vamos anotar alguns dos pontos essenciais da sua vida profissional, muito embora em linhas muito gerais, por ser enorme o manancial de missões que veio a desempenhar, desta forma: ano de 1881, criação da Revista Científica; 1883 – Passagem por Estrasburgo e Hospital Pitié-Salpêtrière, Paris, aqui num centro de investigação neurológica; 1884 – Delegado da Escola Médica-Cirúrgica do Porto ao Conselho Superior de Instrução Pública; 1889 – Publicação da “Demografia e Higiene da Cidade do Porto”; 1899 – Acção e controle da Peste Bubónica no Porto, tema que iremos desenvolver mais detalhadamente; 1892 – Director do Laboratório Municipal de Higiene; 1912 – Representante Governamental no “Office International d’ Hygiène e ainda Membro e Presidente, mais tarde, da Comissão de Higiene da Sociedade das Nacões. Foi também fundador do Laboratório Municipal de Bacteriologia e Presidente da Sociedade de Ciêncas Médicas. Entretanto, veio a ser funcionário da Câmara Municipal da sua cidade como seu Médico, onde se notabilizou em várias funções, tais como no combate que encetou à Peste Bubónica, uma tarefa que veio a ser espoletada com a investigação que iniciou na Rua da Fonte Taurina, alertado por estranhos falecimentos. Concluiu que se estaria perante um “foco epidémico de moléstia singular e nova”. A partir desse momento, empenha-se a fundo em lançar iniciativas que levassem a minimizar os seus efeitos. Cria o posto municipal de desinfecção e o corpo de salvação pública. Toma medidas drásticas, desde o incêndio propositado de habitações contaminadas, ao encerramento de outras e ao isolameno de prédios, avançando com a imposição de um cordão sanitário e um bloqueio marítimo, recoorrendo ao apoio do exército. Ao mesmo tempo, prossegue as suas investigações nos pavilhões de isolamento do Hospital de Santo António e no Hospital do Senhor do Bomfim. Com a publicação de relatórios, estatísticas, descrição de casos clínicos e outros contributos, nasce o seu livro “ A peste bubónica na cidade do Porto”, reeditado em 2010, com anotações diversas. Devem-se-lhe mais de duas centenas de trabalhos científicos e os seus contributos têm merecido inúmeras obras sobre tudo quanto fez. Uma delas, “ A vida. A obra. O estilo. As lições e o prestígio de Ricardo Jorge, de Fernando da Silva Correia, edição do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, 1960” é uma entre muitas. Em jeito de conclusão, porque “ninguém é profeta na sua terra”, como referiu amargamente, por ter actuado com firmeza e saber na luta contra a peste bubónica, veio a ser vexado, perseguido e caluniado, a ponto de ter abandonado o Porto para ir para Lisboa, onde foi, de imediato, Inspector Geral dos Serviços Sanitários e Professor na respectiva Escola Médica. Para perpetuar o nome e grandeza deste cidadão com origem em Lafões, aí temos o Instituto de que é patrono, que tão bons e relevantes serviços presta à causa da medicina e da saúde. Em tão curtas linhas, pouco do muito que haveria a dizer sobre o Dr. Ricardo Jorge aqui fica. Aberto o apetite, parta-se à descoberta de tudo quanto ficou por dizer. Rematamos com estas palavras do Professor Egas Moniz a seu respeito, aquando da sua morte no dia 29 de Julho de 1939:” ... Ungi-o com a minha saudade e orvalhei-o com lágrimas que rolaram... Nas manhãs em que o visitava, procurava a conversa e ouvia-o. Havia sempre que aprender... Era um banho de luz....” Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 19 Mar 2020

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