terça-feira, 22 de novembro de 2022

O vinho americano, PROIBIDO, em Festival na Sobreira

Do produto de contrabando ao 1º Festival do Vinho Americano Foram os lugares da Sobreira, Ponte e Feira, na freguesia de Reigoso, fortes produtores, em tempos, do vinho americano, praticamente o único que por ali se dava melhor. Sem grandes problemas e gastos com tratamentos, os cachos tintos e brancos por lá apareciam e engordavam a sério e em grande quantidade, se a meteorologia fosse de feição. Das terras saía essa riqueza natural que era muito apreciada localmente e por essas cidades fora, sobretudo nas áreas de Lisboa e Porto. Hoje, quase que não existem videiras nem a consequente produção. Recordamos bem as operações de transporte camuflado desta “pinga”. Pela calada da noite, disfarçados em camiões de palha, madeiras ou outros produtos, lá iam no meio os barris aos montes e em grande quantidade. A caminho de Lisboa, por exemplo, um ponto negro, entre muitos, a ser sempre temido era o Posto da Polícia do Carregado. Vencido esse obstáculo, lá se ia até à capital. Nesta cidade, eram muitos e sobejamente conhecidos os postos de venda, como a enorme casa Laranjeira e Pereira da Silva, de uns amigos de Ribeiradio, que vendia milhares e milhares de litros por ano. Muitos outros comerciantes lhe seguiam o exemplo. Para que estas tradições se não esqueçam, a ARCUSPOF organizou o 1º Festival do Vinho Americano, que se realizou no dia 11, com o S. Marinho por muito perto. Em sistema de bordadura ou agarradas às árvores, as videiras rodeavam as propriedades agrícolas em altura ou então espalhavam-se por ramadas. Raramente, se viam as vinhas no sentido formal do termo. Pode dizer-se, sem quaisquer dúvidas, que, na maioria das casas agrícolas, a venda (proibida) deste vinho, das vitelas, da resina, de alguns porcos, das árvores era o grande suporte económico da cada família, sobretudo até surgirem os aviários. Por isso, aquele era um produto altamente apreciado por esse factor e também pelos seus indefectíveis defensores em termos de gosto. Deve-se ao surgimento da filoxera por volta de 1870, que destruiu grande parte das vinhas, a adopção desta variedade mista com raízes na América e na Europa, que passou a ser conhecida como a origem do vinho americano ou morangueiro, sempre na mira das autoridades, talvez pela enorme concorrência que veio a constituir, ou pela dita fama negativa de possuir metanol, uma componente que se dizia que faz(ia) mal à saúde, tese ainda agora discutida. Como quer que seja, sempre a vinha americana foi objecto de severas punições, pelo que, nos anos 40, 50 e outros, ora se arrancavam as videiras, ora se taxava fortemente a sua produção. Contra tudo isso, lutavam os agricultores ou arranjavam as citadas escapadelas para dele tirarem algum lucro. Feitas estas considerações, voltemos ao referido 1º Festival do Vinho Americano. Organizado, como vimos, pela ARCUSPOF, fez juntar ao jantar mais de 100 pessoas, vindas dos lugares em causa, dos arredores e até de sítios mais distantes como Ílhavo. Ao lado do salão de festas, 800 litros estavam na cuba que agora se encontra na barraca rural bem restaurada como património a preservar, cujas uvas foram vindimadas, pisadas e armazenadas em virtude do trabalho das gentes locais. Perante um júri sabedor, compareceram mais de uma dezena de produtores, que obtiveram as seguintes classificações e distinções: Ouro excelência – Pedro Portela; ouro – Fernando Carlos; prata – Miguel Figueiredo; bronze – Mário Garcia; menções honrosas – Luís Gonçalves, Manuel Fernandes, Fernando Sousa, António Pereira, Abílio Garcia, Carlos Ribeiro e Celso Gonçalves. Em ambiente de animação e com uma ementa à base de carne de porco, castanhas, vinho americano, jeropiga, festa foi aqui festa a valer. Mas o que fica como grande recordação é este 1º Festival, numa zona onde, outrora, por exemplo, João Figueiredo chegou a ter 600 almudes de vinho e, na actualidade, nas mesmas propriedades não se colhem mais de 80. Sinais dos tempos e da perda de importância da nossa agricultura, infelizmente. Logo, estas tradições assim revividas fazem todo o sentido… Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 17 Nov 2022

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