quinta-feira, 12 de junho de 2008

A saudade dos comboios

Na zona em que vivo cheira um pouco ao velho comboio do Vale do Vouga, que fazia circular pessoas, que transportava tudo o que era mercadoria, que nos regalava com notícias ou nos punha a chorar, que unia o mar e a serra, que cortava a meio a distância entre a Barra e Vilar Formoso. Contam muitas vozes que também lhe cabia uma parte no despoletar dos incêndios de todos os verões - os do seu tempo e os actuais, pelo que pode disso estar absolvido - e que nem sempre andava a horas.
Dele guardo, acima de tudo, a alegria de conhecer novos mundos, mesmo que a camisa chegasse ao destino com os colarinhos pintados de preto, cor de um carvão que o punha a marchar sobre os estreitos carris. Dele retenho o ar de relógio, a ideia de mil lágrimas, ora de alegrias, ora de tristezas, o aspecto de idas e vindas, para terras de França e Aragança, para os confins de uma África a ferro e fogo, para uma Lisboa, que a todos atraía, para lugares e recantos que, pelo comboio, nos entravam pela alma dentro.
Mas um dia, depois de mil anunciadas mortes, abeirou-se do caixão e partiu para sempre. Aquilo foi uma dor de alma, mas nada havia a fazer.
Hoje, quando vejo que a energia petrolífera é um barril de pólvora que tudo pode aniquilar, mais me vem à memória esse querido meio de transporte, que os homens destes dias acabaram por matar de morte violenta e difícil de perdoar. Foi esse um passo que hoje se está a pagar com língua de palmo.
A dependência dos meios rodoviários, como agora se viu, deixa-nos a pensar que a ferrovia podia e devia ser a alternativa, sempre à mão de semear. Mas o comboio, que ontem fugiu, um dia tem de voltar.
Sem que defendamos o aparecimento da alta velocidade como o saudável milagre, apetece-nos gritar por comboios modernos, de médio e normal andamento, para que voltem ao nosso convívio e serviço. A reposição das velhas linhas, o lançamento de outras novas são vias que, mais cedo ou mais tarde, teremos de trilhar.
A crise, que está em banho-maria, por agora, prova isto e muito mais.
Entender estes sinais é que é boa governação. Tudo o mais é uma espécie de gestão em tempo de nada decidir, um tempo de empatas que nada adiantam.
Quando estas matérias nos apoquentam, até a passagem aos quartos-de-final da nossa selecção nos não alegra como devia. E, face àquilo que os camionistas demonstraram, a ida de Scolari para o Chelsea é um pequenino caso, um não-acontecimento. Tudo o mais que se venha a dizer de pouco importa, tendo em conta a gravidade dos dias que estamos a viver.
Mas, no meio disto tudo, mais comboios vinham mesmo a calhar.

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