sábado, 21 de junho de 2014

A minha homenagem a um Amigo que a morte levou - Dr. Jaime Gralheiro, em trabalho feito para o "Notícias de Lafões", 2010

Dr. Jaime Gralheiro com o teatro na vida Com este formato de crónicas, esta é a segunda vez que me encaminho para aqui com uma ideia: continuar a descrever a vida e a obra do Dr. Jaime Gralheiro, ficando já com pena de não me deixar ( en)levar por tudo aquilo que me apetece escrever. Sei que este nosso amigo tem no coração um seu forte aliado. Isso sei eu. Mas, em matéria de propósitos, como este que nos anima em “NL”, precisamos também de deixar espaço para a razão. Assim, vamos contentar-nos (?) com as migalhas que por aqui espalhamos, nestes dois números e deixar o sonho para outras alturas… Numa carreira, dito de uma forma mais poética, numa entrega às letras, este nosso conterrâneo, filho de gente que não soube conformar-se com aquilo que lhe calhou em sorte, quando viu a luz do dia na citada Serra de S. Macário, antes a agarrou com ambas as mãos, pelos tempos fora, fez do teatro uma arma e da advocacia uma forma de sustento. Aliás, Erwin Piscator defendeu, a certa altura, que esta arte “…não se pode limitar a produzir no espectador um efeito puramente artístico, ou seja, estético (…) tem por missão intervir de uma maneira activa no curso dos acontecimentos…” Não sei se esta voz se fez ouvir em S. Pedro do Sul, mas o certo é que aqui se encaixa às mil maravilhas. Se os pais, D. Maria da Piedade de Almeida e Agostinho Gaspar Gralheiro o dotaram dos meios que lhe permitiram ser quem é, sendo que seu pai soube passar por um armazém de vinho e pelos comboios, antes de enveredar pelo mundo do subsolo carregado de minério, desde que foi capataz na Companhia Portuguesa de Minas até se tornar um empreendedor de sucesso na mesma área, o filho, este, o Jaime, escavou outras partes do globo da vida: revolveu as leis, carrilou-as para os tribunais e, simultaneamente, pegou nas letras para as transformar em peças de ouro, que não apenas de volfrâmio. Ao aflorarmos pela rama o seu legado, que ainda virá a crescer, dissemos que se iniciou nos bancos do liceu. Mas a sua entrada em cena, de uma forma mais assertiva, deu-se em 1967, com três canteiros de rajada: Paredes Nuas, Belchior e Ramos Partidos, em edição de autor, o que mais vinca a sua fibra de lutador. Por serem sábias as linhas que se seguem, vindas de Deniz-Jacinto, no respectivo prefácio, oferecemo-las aos nossos leitores: “ As três peças do presente volume, diferentes embora na sua tessitura dramática, tratam, em última análise, de um mesmo problema – o problema da liberdade do indivíduo perante as inibições ou constrangimentos impostos pelo meio social (…) Não nos admiremos destes excessos. Jaime Gralheiro é um dramaturgo em carne viva, dotado de uma capacidade de indignação que o leva ( advogado de profissão e de gosto ) a pleitear, em plena acção dramática, a causa humana das suas criaturas…” Era o ano de 1967, antes mesmo da era Marcelo Caetano. Fica isto dito, sem mais nada. Ponto. Nessa espécie de começo, lia-se assim a sua obra em maré de um primeiro parto mais oficial e destemido. Em catadupa, as ruas e avenidas de S. Pedro encheram-se de seus escritos de intervenção, sobretudo. O Cénico foi o palco vivo, por excelência desde 1971, fruto duma parceria de quatro rijos costados, com destaque para este autor, que aqui retratamos humildemente, e para José e Manuela Barata. Casa bem estruturada e com alicerces de boa rocha, granítica, de certeza, ainda hoje se mantém de pé. Honra lhe seja. Como filha de uma revolução que lhe encheu a alma, “Arraia-Miúda” foi cálice dourado e a espalhar-se por este Portugal além. Amante da nossa cultura e história, dando-lhe um toque especial e um tanto a gosto, nela evocou a veia popular de Fernão Lopes e a Revolução de 1383/1385, reapreciada e represtinada à luz de 1974. É seu este desabafo: “… Ao escrevê-la, pensava na luta que o Povo (sic ) português tem vindo a desenvolver pela sua libertação, ao longo de quase novecentos anos de nacionalidade …“ Era o ano de 1975, está dito. Ponto. Se são riquíssimos e multifacetados os seus já oitenta anos de vida, mormente a nível político activo e empenhado, carregado de causas de que não abdica, não é bem essa a dimensão que em Jaime Gralheiro estamos a enfatizar. Dessas múltiplas passagens pelo conturbado mundo da política e da barra dos tribunais não há, por certo, lafonense que desconheça esses factos. Nem, talvez, aquele que, enquanto Presidente da Comissão Administrativa de S. Pedro do Sul, aliás o primeiro, o levou a fazer rasgar o estradão pela Serra abaixo, em direcção a Covas do Rio, para quebrar o isolamento e abrir novos horizontes àquelas gentes, o que motivou uma viagem festiva de helicóptero por aqueles céus, em que eram passageiros, entre outros, o Pároco e a Professora Primária que ali exerciam funções nesse ano de 1975. Seguramente não são estes os caminhos que pretendemos desbravar. O que nos fez pegar neste tema tem mais a ver com a galáxia da cultura e essa muito deve ao Dr. Jaime Gralheiro. Se nada fora dito, bastar-nos-ia afirmar, porque aqui só defendemos a verdade e só a verdade, que o seu labor literário já despoletou dissertações de Mestrado e, inclusive, uma tese de Doutoramento na Universidade de S. Paulo - Brasil. Marinheiro, capitão e arrais em “ Na barca com mestre Gil ”, eis outra de suas privilegiadas fontes, que casam, a preceito, com seu feitio e maneira de ser. Esta sua veia jocosa, matreira, eivada de sentidos vários, não passa despercebida. Bebida em Gil Vicente ou nas nossas terras, pouco importa. Não sabemos até onde foi buscar tanta criatividade, mas esse é que é o mistério - t’ arrenego, demónio, que isso de cousas d’além não é conversa que se tenha com este Jaime! – e mais me aguça o apetite para tentar aprofundar estes projectos… Quando, por exemplo, escreveu “ O grande circo ibérico “, que passou na Amadora, em encenação de Porfírio Lopes e produção de Cláudia Fernandes e Isabel Torres, parece-nos fácil o chave do enigma. Será essa, a óbvia, aquela que temos debaixo da língua, ou outra qualquer? Fica a incerteza. Em dúvida não ficamos, se olharmos para “Lafões é um jardim”. Tradição e actualidade ali deram as mãos. Mas o que pensar de tão vasta obra, a que se junta agora a prosa, com edição de 2009, do seu grande livro “ A caminho do nunca … “? Se aqui é a Coimbra das contestações, é o reviralho que se agiganta, é a luta política clandestina, é a voz das fábricas e dos sindicatos, fica sempre algo por desbravar. Ainda bem, porque abre caminho a muito mais pesquisas e isso só enriquece quem é estudado, neste caso e com muita alegria nossa, o Dr. Jaime Gralheiro. Com cerca de duas dezenas ou mais de peças escritas e, mais do que isso, apresentadas ao público, não se pode, neste curso espaço jornalístico, abordá-las todas. Longe disso, claro está. Mas este guião, mal alinhavado, aliás, talvez seja o meio que leve a uma busca mais detalhada e mais profunda. Sentir-nos-emos imensamente satisfeitos se isso acontecer. Antes de fecharmos este trabalho, evocamos “ Onde Vaz, Luís?”, “Auto da Compadecida”, “Sapateira prodigiosa” e tudo quanto a sua fértil imaginação e espírito criativo pôs ao nosso alcance. Este Dr. Jaime Gralheiro, dramaturgo, prosador, advogado, ex-autarca, ex-candidato a deputado, jornalista, amante da serra e do mar, de S. Pedro do Sul e da Barra, provou-nos esta verdade insofismável: em Lafões pode viver-se, fazer-se carreira profissional e cotar-se entre os homens grandes da literatura nacional. Eis mais uma de suas excelentes lições e uma brilhante alegação final. Finalizamos com o diálogo do Soares ( não aquele que, um dia, talvez o tenha feito votar de olhos vendados, mas um outro, uma das personagens de “ Paredes Nuas “). Deixava ele, a certa altura, este desabafo que serve, praticamente, de encerramento a esta crónica: “ … Olhe, a coisa é simples: lembra-se daquela conversa que tivemos sobre as suas manias literárias e de me ter emprestado, até, aquela peça de teatro que você escreveu, a «Cacilda», claro que lembra!... Pois eu levei-a, como sabe, e, nas horas vagas, fui-a lendo e botando cá as minhas contas. Quando cheguei ao fim, devo dizer-lhe que tinha gostado, mas a valer! Hem!... Também é verdade que eu, de teatro, não percebo nada. A gente mete-se nesta pasmaceira e cristaliza!... “ É óbvio que este Soares, personagem, falava de si, nunca de Jaime Gralheiro. Este Senhor sabe disto como ninguém. Obrigado por tudo quanto tem feito. E continue! Um abraço! Carlos Rodrigues

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