quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Falar de compromissos, matéria sempre presente

Compromissos, venham eles Este ano, o dia 5 de Outubro até calhou ao domingo, mas já não é feriado, por ser mais uma vítima da tão falada crise. Pelo País, mal se fez notar e, no entanto, constitui, na história, uma daquelas datas que a marcam, por assinalar a implantação da República em Portugal, depois de séculos e séculos de Monarquia. Tratou-se, então, de uma mudança radical de regime, quando o primado do sangue como factor de determinação do supremo magistrado da nação deu lugar à escolha pelo povo, em eleições, ora directas, como agora, ora indirectas, como já aconteceu noutros tempos, passando-se dos reis para os presidentes. Convém dizer-se que esta alteração não é a raiz da democracia, na medida em que há monarquias, por essa Europa fora, como aqui perto, na vizinha Espanha, como na Inglaterra, na Holanda, etc, onde ela é até mais forte que a nossa, mas, em opinião pessoal, a república tem mais a ver com a nossa maneira de pensar, por permitir que se saia da família, se esta não corresponder aos nossos intentos. È esta a diferença essencial entre os dois sistemas, que não outra. Mas vamos ao essencial, àquilo que nos fez pegar no computador, sinal dos tempos, que, há anos, eram a caneta e o papel os suportes dos nossos pensamentos e sua divulgação, para dizermos, com abertura, franqueza e frontalidade, que assinamos por baixo o alerta-pedido do Presidente da República, quando no seu discurso de fundo nas tristes cerimónias oficiais dos Paços do Concelho, em Lisboa, gritou por compromissos, por entendimentos de longo e duradouro prazo, a estabelecer entre as forças partidárias. Certíssima e assertiva esta posição presidencial, ainda que possa ser afirmado que o autor desta sugestão tenha sido Ministro das Finanças, Primeiro-Ministro durante dez anos, quase outros tantos como Presidente da República, o que, em tempo, é praticamente metade do período democrático em que, felizmente, vivemos. Tendo tão altas e latas funções no seu curriculum, parte das maleitas que nos corroem as poderia, talvez, ter evitado. Poderia? Mas o certo, o certo é que, na actualidade, estamos como estamos, sempre na corda bamba de medidas e projectos avulso, de programas com demasiada carga partidária única e pouco consenso, pelo que é óbvia a sua debilidade. Portanto, vir agora reclamar a necessidade de existência de acordos de regime, em questões essenciais e básicas, que praticamente todos reconhecem como universais e transversais a todos os sectores da nossa sociedade, mas que cada um desfaz o que foi posto de pé pelos outros, muitas vezes com cargas de qualidade e de urgência, é um imperativo que se impõe e que o Presidente da República tem todo o direito de o usar, mesmo que, eventualmente, possa ter culpas no cartório. Daí, esta nossa aceitação total a essa abordagem à necessidade de compromissos de feição nacional. Feição, sim, não união nacional, de má memória. Para compreender este apelo e desafio, é preciso andar pelas ruas e ouvir a voz do povo, escutando, com viva e perspicaz atenção, os descontentamentos e as desconfianças em relação ao sistema de funcionamento dos partidos que temos. Se essa operação de audição interessada e honesta for feita, as conclusões apontarão no sentido de se seguirem estes mesmos conselhos, porque, afinal, é mesmo de uma terrível e temível implosão de tudo isto que se trata. Espreitando a oportunidade de avançarem a todo o vapor, há, por aí, muitas forças e pessoas que, ao mínimo deslize, não deixarão de correr com estas trapalhadas em que temos estado metidos. E as soluções que aplicarão são de meter medo, desde logo, por mandarem às malvas a própria democracia, o pior de todos os sistemas, como diria Churchill, mas não há outro melhor, nem foi ainda inventado. Se assim é, para vivermos democraticamente, saibamos estimar e valorizar aquilo que tanto custou a “ganhar” há mais de quarenta anos. Neste contexto, falar-se em compromissos, em acordos de larga aceitação, em acções a implantar que sejam consensuais, em enveredar pela solidez das políticas públicas, faz todo o sentido e só assim não pensa quem gosta de navegar em águas turvas e turbulentas. O valor da estabilidade encaixa-se aqui com inteiro cabimento. Já agora, aqui colocamos mais algumas sugestões: os compromissos, só por si, podem até não valer nada e serem mesmo altamente perniciosos. Antes, importa definir o que é que tem de ser objecto desses entendimentos e, na nossa modesta e interessada opinião, se lhe não acoplarmos as dimensões da solidariedade, da justiça social, da boa educação, da boa saúde, do bom e equilibrado desenvolvimento, da responsabilidade, da fraternidade, da prevalência da pessoa acima de tudo, do equilíbrio e da parcimónia nas promessas e programas a apresentar ao povo, da coesão social, da segurança e outros pontos de igual teor, então mais vale cada um puxar para seu lado. Vendo-se que esta última hipótese deu no que deu, num país com três pedidos de resgate em quarenta anos, com uma altíssima e perigosa taxa de desemprego, com assimetrias e desigualdades territoriais e sociais verdadeiramente escandalosas e aflitivas, só o entendimento, a longo prazo e bem suportado numa sã filosofia de lealdade total, será capaz de continuar a fazer de Portugal a terra digna e serena em que dá gosto viver. Até porque, com tantas virtudes e novas conquistas, será uma pena deixar perder tudo isto. Haja, por isso, compromissos a sério e já, que as eleições estão à porta. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Outubro 2014

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