terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Em Dezembro de 1514, D. Manuel I concede a Lafões o respectivo foral. Eis algumas notas...

Foral de Lafões e seu enquadramento Comemoram-se, neste ano de 2014, os 500 anos do Foral de Lafões, sendo nossa intenção, ao abordar tão importante documento, vir a tentar fazer uma espécie de enquadramento desta temática na organização politica, económica e social de nossas terras, nessa época, mas também, e sobretudo, nos tempos anteriores em que se forjaram os municípios em Portugal. Estes, a serem filhos dilectos do desejo de autonomia dos povos, em oposição aos abusos senhoriais e outros, próprios de um regime feudal em que a vassalagem era norma vigente, foram objecto de transformações e leituras várias ao longo de nossa história e um pouco em todo o mundo científico que se debruça sobre a sua formação e implantação. Antes de avançarmos para a alusão a outros forais e cartas de foral, anteriores àquele que D.Manuel concedeu a Lafões em 1514, digamos que a origem dos concelhos e sua apreciação têm alimentado polémicas várias, com duas linhas em confronto: para Alexandre Herculano e Henrique Gama Barros, os municípios vêm na linha da romanização, como uma de suas consequências; já Teófilo Braga, seguindo Muñoz y Romero, contesta tal hipótese, associando-os à fase da Reconquista. Sendo estas querelas, que ocupam os estudiosos destas matérias, algo marginais relativamente àquilo que queremos analisar, o que relevamos é o facto de, na Idade Média, a partir do século XI, os concelhos serem simultaneamente instrumentos de povoamento e de afirmação da liberdade e autonomia, factos que, em Lafões, também muito se verificaram. A seu lado, criando-os, ou apoiando-os, temos os nossos Reis. Classificados os concelhos como perfeitos, imperfeitos e rudimentares, de acordo com Herculano, ou com modelos de Salamanca, Ávila e Santarém (Barros), o que se quer destacar é então a existência destas organizações por estas nossas bandas. Em Herculano ( História de Portugal, Ulmeiro, Lisboa, VIII, 1985), “ ... A história da instituição e multiplicação dos concelhos é a história da influência da democracia na sociedade, da acção do povo na significação vulgar desta palavra, como elemento político... “ (p. 73) e isso diz tudo: mostra quanto peso tiveram na vida das comunidades que se foram gerando. Se, com D. Manuel, havia já uma certa ideia de uniformização central e, por isso, algo distante da matriz medieval mais genuína e mais pura, os forais foram sempre, na sua essência, um campo para a defesa da liberdade e autonomia dos territórios em que se aplicavam as suas normas jurídicas, económicas, sociais. Com a vertente uniformizadora a triunfar neste período manuelino, fértil em mudanças estruturais a todos os níveis, as alterações verificadas nos forais têm a ver com a subida da centralização que se ia aprofundando, sobretudo desde o reinado de D. João II, seu antecessor. A sua Carta Régia de 22 de Novembro de 1497, como resposta a pedidos que já se faziam sentir desde as Cortes de Coimbra (1472) e Évora (1475), com D. Afonso V e em 1481 e 1482, com D. João II, aparece como uma forma de, reexaminando os forais velhos, lhes impor a marca que então se entendia como a mais benéfica para as aspirações do Rei e seu estilo de governação. Foi o que se sucedeu depois em mais de duas centenas destes documentos, incluindo o de Lafões, em 1514, e do Banho, em 1515. A anteceder esta versão, a Região de Lafões teve outras cartas de foral, no todo e em várias partes do seu território, desde os inícios da nossa Monarquia, com o Banho e ser a primeira localidade, em 1152, a ser dotada com a categoria municipal, por deliberação de D. Afonso Henriques, Rei que, em 1169, atribui Carta de Couto, confirmando a de 1159, do Alcaide Cerveira, a Oliveira de Frades, como espaço de Santa Cruz de Coimbra. Por outro lado, até ao século XIX, houve por aqui outros concelhos, ou terras autónomas, tais como Trapa e Sul, assim como existiram localidades que estiveram sob a alçada, por exemplo, de S. João do Monte. Também, como se pode ler no Foral, Queirã, Alcofra e Moçamedes gozavam de um certo estatuto especial. Quanto a Lafões, propriamente dito, já D. Duarte, em 1436, tinha dado atenção a este mesmo concelho, numa zona que, desde há muito, era dotada de um Governador ou funções afins, como se vê em documentos diversos vindos dos séculos X em diante. Sendo este um primeiro trabalho sobre o Foral de Lafões, no seguimento de um bom programa lançado pelas Escolas de Vouzela e Câmara Municipal, que vai ter três datas fortes, a 15 de Outubro, 15 de Novembro e 15 de Dezembro, ponto alto destas comemorações, acabamos, por hoje, com uma reflexão: a que se relaciona com o facto de Vouzela estar com legitimidade acrescida para assinalar esta efeméride. Vejamos quais as razões que nos levam a esta conclusão: Em primeiro lugar, ter na sua posse um dos dois ou três originais do Foral Manuelino, recebido no ano de 1516, a 14 de Setembro, perante o escrivão da Chancelaria da Correição da Beira, e dado a Afonso Ribeiro, escrivão da Câmara do dito Concelho, atesta a centralidade desta terra, nessa mesma época, o que lhe confere a dignidade para ficar como fiel deposiária de tão importante documento. Se, no Numeramento de 1527, Lafões aparece com duas “cabeças”, Vouzela e S. Pedro do Sul, nessa constação há um dado que reforça o papel do primeiro destes locais, também em razão do número de habitantes, com 48 moradores em S. Pedro e 73 na terra do Zela. Mas há mais argumentos: desde logo, aquele em que só Vouzela foi autorizada e usar as armas de Lafões. Com a história a fornecer algumas fontes seguras, neste caso, caminhamos por deduções, mas estamos crentes que não fugimos da verdade quando afirmamos estas conclusões, matéria que continuaremos dentro de algum tempo. Para estas linhas, muito úteis nos foram estas obras: “Foral de Lafões, 1514, Maria Teresa Tavares e Sofia Carla Vasques, Câmara Municipal de Vouzela, 1997”, “ História de Portugal, Alexandre Herculano, Ulmeiro, Lisboa, VIII, 1985”, “ Termas de S. Pedro do Sul, A. Nazaré de Oliveira, Palimage, Viseu, 2002” e “ Serém – 500 anos de Foral, Manuela Almeida, Junta de Freguesia de Macinhata do Vouga, 2014”. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2014

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