segunda-feira, 6 de abril de 2015

Vamos até S. Miguel do Mato

S. Miguel do Mato, dos imperadores de Leão a Angola Hoje, vamos falar de uma terra de que recordamos um dos pinheiros mais exóticos do mundo, aquele que escolheu para sua morada a torre de um velha Igreja, a de S. Miguel do Mato, visto da antiga linha do caminho de ferro do Vale do Vouga, nas muitas viagens feitas entre Pinheiro de Lafões e Viseu e vice-versa, em anos que se vão perdendo na nossa memória. Impávido e sereno, resistente e teimoso, por lá continuou anos a fio, uma boa cepa, assim o cremos. Nesse recuado tempo, jamais pensaríamos que, um dia, haveríamos de estar a escrever, aqui, num dos mais destacados e prestigiados jornais regionais, facto que já vamos registando desde 1973, estas ou outras linhas. Longe de nós tal ideia! Quis a vida que assim acontecesse e ainda bem, por todos os motivos e mais alguns. Por destino, aproveitamos esta boa oportunidade para falarmos de uma das freguesias do concelho de Vouzela, que muito o tem engrandecido, esta, a de S. Miguel do Mato. Prenhe de história, de barriga grande a esse nível, nela viveu, por exemplo, um dos mais ilustres nobres da Idade Medieval peninsular, D. Ramiro, Rei (?) de Viseu, Imperador de Leão, que residiu na Quinta do Paço nos primeiros anos de 900, ao mesmo tempo que vagueava pela citada nossa capital de distrito e pela Galiza, onde haveria de afirmar sua crescente importância. Séculos depois, na história deste território, haveria de nascer D. Isabel Almeida Ferreira (cerca de 1659), que viria a estar na origem de uma das mais notáveis casas e famílias da nossa região – os Malafaias de Serrazes e Santa Cruz da Trapa. Consta que os célebres Pastéis de Vouzela tiveram a sua doce origem em religiosas de Moçâmedes, que passaram pelos Conventos no Porto, antes de virem fixar-se na vila que tem a fama e o muito proveito de ser o berço desses mesmos Pastéis. Mas esta terra não se ficou por aqui. No século XVIII, um nosso conterrâneo, José de Almeida e Vasconcelos do Soveral de Carvalho da Maia Soares de Albergaria, um nome grande para um Homem, de Portugal, de Angola e do Brasil, o Barão de Moçâmedes e Visconde da Lapa, Coronel de Cavalaria, Governador de Goiás/Brasil e Capitão-General de Angola, fez surgir a cidade de MOÇÂMEDES, lá em baixo, na África, hoje designada por NAMIBE, o que é uma enorme carta de recomendação para estas povoações de S. Miguel do Mato. Senhor de alma enorme, com saudades de sua aldeia, replicou seu nome nas paisagens africanas para que nunca mais viesse a ser esquecida. Boa ideia, melhor concretização! - Mas o passado de S. Miguel do Mato é muito mais antigo Se estes são dados, por assim dizer, quase contemporâneos, S. Miguel do Mato vai buscar os seus pergaminhos a outros tempos muito anteriores a estes. Perde-se na longínqua viagem pelos nossos tempos como comunidades a imagem destas terras. Por aqui andaram povos ancestrais, da nossa pré-história e de épocas mais recentes, ainda que com milénios de vivências. Uma delas faz-nos recuar aos Romanos, que aqui estamparam a sua força empreendedora, vincada nos vestígios de suas estradas, duas ao todo, sempre a ligarem a Viseu. De acordo com “Vias romanas em Portugal – Itinerários”, esta freguesia era bafejada por duas estradas, ainda que uma delas lhe passasse de raspão, aquela que ligava o Porto a S. Pedro do Sul e Viseu, tocando estes territórios na sua passagem por Lufinha, Quinta da Comenda a caminho de Gumiei. A outra, vinda do Cabeço do Vouga/Marnel também para Viseu, saía de Vouzela por Fataunços, Figueiredo das Donas, Carregal, Queirã, Vale Susão, Quinta do Paço, Sabugueiro, Carvalhal do Estanho, Caria, Silgueiros, Bodiosa, havendo, a certa altura, uma variante de Queirã a Viseu, via Igarei e Couto de Cima. Pelo que se constata, a freguesia de S. Miguel do Mato inscreve o seu nome, para sempre, no capítulo das Estradas Romanas. Com base numa série de fontes e nas páginas da Internet do Rancho Folclórico de Vilar que, para além do bom trabalho de pesquisa etnográfica, cultural e musical, ainda nos oferece boas informações de História, sabe-se que D. Afonso Henriques, em 1133, doara a “villa” de Moçâmedes a Fernão Peres. Avançando-se pelos tempos fora, entramos no período agitado das guerras com Castela, em 1383/1385, e esta terra nelas aparece em força, curiosamente ao lado dos castelhanos, através do Senhor de Moçâmedes e de Lafões, Dom Henrique Manuel de Vilhena, que acabará por ficar sem esses poderes, a passarem para as mãos de Martim Vasques da Cunha e Gonçalo Pires de Almeida. Com o Reis D. Duarte e D. Afonso V, aqui se notabilizaram João de Almeida, Luís de Almeida, Fernão de Almeida, Duarte de Almeida, o Decepado de Toro. Distribuídos os seus actuais habitantes pelos lugares de Moçâmedes, Cruzeiro, Adsinjo, Burgetas, Roda, Malurdo, Casal, Lourosa, Outeiro, Vila Pouca, Caria e Vilar, hoje rondam as 924 pessoas (2011), mas já foram bem mais, como se vê por estas tabelas: ano de 1950 – 1497; 1960 – 1779; 1970 – 1315; 1981 – 1331; 1991 – 1251; 2001 – 1128, descendo a fasquia do milhar, como vimos, precisamente, em 2011 – 924. Seguindo a temível regra do despovoamento do nosso interior, isto começa de ser preocupante. Para se compreender o efeito devastador destas conclusões, por exemplo, actualmente há apenas um Centro Escolar para toda a freguesia, por sinal, bem moderno e atraente, com trinta e sete crianças, desde o Jardim de Infância ao 4º ano de escolaridade. Ainda há anos, em 2003/2004, tínhamos as escolas de Caria, também com JI, e 21 alunos, Lourosa, 10 e Moçâmedes, 15. Recuando um pouco mais, descobriremos as Telescolas de Moçâmedes e Caria, o que há não passa de uma boa memória. Religiosamente, nestas terras que já pertenceram aos concelhos de Lafões e de S. Pedro do Sul, para estarem agora, firmes, em Vouzela, podemos assistir às Festas de S. Sebastião, Nossa Senhora das Dores, Corpo de Deus, Espírito Santo, S. Miguel Arcanjo (Padroeiro), Santo António, nas Burgetas, Senhor da Agonia, Ermida da Frádega, apinhada de lendas, Nossa Senhora do Milagres, Caria, Sagrado Coração de Maria, Vilar. A propósito da Capela do Espírito Santo, há quem afirme que foi tal a sua importância que daí saíram as paróquias, todas de S. Miguel, incluindo Queirã e Bodiosa, sendo muito falada a Ladainha das três freguesias que convergia para aquele lugar sagrado. Com uma Igreja nova, ainda meio recente, a antiga por lá se mantém, dizem-nos que com algumas obras de beneficiação e conservação, o que é muito bom sinal. - Sinais de modernidade Numa breve panorâmica pela actualidade, são evidentes algumas boas marcas de renovação de espaços, como o da velha Estação, agora a albergar a Sede de Freguesia, o novo Centro Escolar, a o Centro Social, nas antigas instalações da Casa do Povo, o Parque Desportivo, onde, outrora, houve ligação a uma Feira, sendo que as antigas salas da Escola Primária são ocupadas pela Banda e pela Catequese, pois aqui é bem evidente uma certa força associativa, destacando-se, de imediato, a sua Banda, nascida em 1875, e o ACR/Rancho Folclórico de Vilar, com páginas brilhantes na área em que desenvolve a sua actividade, a Associação Social Cultural e Desportiva, podendo ainda citarem-se a Associação dos Amigos do Senhor da Agonia, a Fundação Padre António de Almeida Oliveira e o Grupo Desportivo. Também as vias de acesso rodoviárias, perdido que foi o comboio, têm ares de alguma boa qualidade, o que facilita os contactos com as terras em redor. Em matéria de dinamismo empresarial, se outrora as Minas de Volfrâmio e Estanho marcaram estas paisagens, hoje detectam-se boas experiências noutros sectores, alguns deles de ponta, como aqueles em que se fala de uma nova agricultura, sem esquecer outros planos. Importando atrair a juventude, esse é o desafio que nos deve mobilizar a todos. Neste âmbito, por feliz acaso, tivemos o grato prazer de, no passado dia 29 de Março, assistirmos a um sinal de vitalidade de seus jovens, quando o Dr. Ricardo Lopes, um natural destas povoações, fez a apresentação de seu livro “ Uma marioneta na cruz”. E com esta mensagem de esperança para o futuro, nos ficamos por aqui, sendo que S. Miguel do Mato tem muito por onde andar e um vasto caminho a percorrer. Boa viagem! Carlos Rodrigues, texto parcialmente publicado no “Notícias de Vouzela”, 2 de Abril de 2015

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