sexta-feira, 8 de junho de 2018

A saúde em terras de Lafões desde há milénios...

A saúde em Lafões desde há séculos Num tempo em que nos deixou o saudoso fundador do Serviço Nacional de Saúde, o Dr. António Arnaut, a quem prestamos a nossa homenagem e lhe rendemos o nosso preito de gratidão, apetece-nos dar uma volta pela história da saúde em Lafões e, de certa forma, em Portugal por inteiro. Antes dos anos setenta, tudo era diferente e épocas houve em que a distância entre a actualidade e esse passado era quase intransponível uma espécie de água e vinho. Se agora, com ameaçadoras falhas, que importa corrigir, a dimensão universal deste SNS é quase uma realidade, outrora nada disso acontecia. Precisamos de recuar aos séculos XV e XVI para encontrarmos uma pálida ideia dos cuidados médicos mais ou menos a sério, com a criação das Misericórdias e outras iniciativas tomadas por D. Manuel I, até aqui, nas Termas de S. Pedro do Sul, com a criação do Hospital Real das Caldas de Lafões. Até aí, reinavam a superstição medieval, os curandeiros, as mezinhas diversas, as rezas e outras práticas que tais, apesar de ter havido já uns assomos de ciência médica e farmacológica sobretudo com os ensinamentos que nos vieram dos árabes e que o nosso S. Frei Gil, de Vouzela, como médico, foi traduzindo ainda antes, talvez, de enveredar pela vida religiosa quase a tempo inteiro. Antes, os gregos e os romanos ensaiavam, nesses domínios, os primeiros passos e não é por acaso que Hipócrates ainda é permanentemente recordado e evocado, quer em termos daquilo que é conhecido como o seu Juramento, quer por outros ensinamentos que nos legou. Com tudo isso, os avanços eram curtos e carregados de ideias que impediam a ciência de progredir e fazer o seu caminho. Teríamos de esperar uns séculos e mesmos uns milénios para que tais efeitos viessem a ser sentidos, na prática, pela nossa sociedade e comunidades espalhadas pelos vários cantos do mundo. Mentira triste é esta, porque ainda em pleno século XXI há enormes franjas do universo onde se não saiu dos costumes e tradições que para nós são já uma mera referência histórica e não mais do que isso. Em Lafões, nos caminhos de Santiago, que utilizavam na sua grande parte as vias romanas, tivemos a sorte de ver implantadas em locais de passagem estratégica as primeiras albergarias, também ditas hospitais, onde eram ministrados alguns básicos apoios médicos, a par da fome que se mitigava, da enxerga que se proporcionava aos peregrinos e outros viandantes. Em Reigoso, ficaram famosas as instalações criadas em 1195 pelo Alcaide Cerveira e sua mulher, que tiveram uma grande longevidade, crendo nós mesmos que até aos princípios dos século XX, ainda há dias... As Caldas do Banho beneficiaram também destes primitivos equipamentos e fala-se ainda em Manhouce, sem esquecermos, aqui por perto, os de Doninhas/Talhadas do Vouga e, como é lógico, Albergaria-a-Velha, desde os tempos da Rainha D. Teresa. A par destas instituições, tínhamos ainda as gafarias, como a de Lafões “.... Junto às Caldas, fundada, diz-se, pelos leoneses no século XI. D. Afonso Henriques, quando ali permaneceu após o acidente de Badajoz, melhorou as Caldas e parece que reconstruiu a albergaria e a gafaria. Os banhos eram separados para sãos e leprosos (gafos) e leprosos eram os que faziam o serviço do banho” ( - In “ Termas de S. Pedro do Sul, A. Nazaré de Oliveira, Palimage, Viseu, 2002, p. 24”). Quanto a Reigoso, pode ainda ver-se no Museu Municipal de Oliveira de Frades o seu famoso padrão, onde se lê uma mensagem bem explícita: “ Peregrinos vinde ao hospital de Reigoso, que vos darei casa cama agoa fogo azeite e sal”. Este é um bom testemunho destes serviços de assistência básica ali existente desde há longa data. Seria, porém, necessário esperar alguns centos de anos até aparecerem uns elementares serviços de saúde a que se podem, ainda que de uma forma embrionária, associar este mesmo significado. Se em Vouzela, há referências a um primeiro hospital, construído à beira da actual Capela de S. Sebastião, depois de os doentes serem socorridos pela centenária Misericórdia em condições muito precárias, aquém e além, é sabido que, em 28 de Junho de 1842, foi assente a respectiva primeira pedra, tal como se assegura no livro do saudoso Agostinho Torres, a “ Santa Casa da Misericórdia de Vouzela, 1498-2008”. Foi inaugurado a 29 de Junho de 1848. Entretanto, fruto da oferta da Casa da Cavalaria à Miserícórdia por parte da D. Vitória Adelaide de Seixas Loureiro e Barros, umas novas instalações viram a luz do dia em 24 de Junho de 1894, em pomposa cerimónia oficail presidida pela Rainha D. Amélia, acompanhada de seus filhos. Desta forma, esta vila passava a ter um novo Hospital-Asilo, sendo que um outro, o novo, surgiu em 1 de Fevereiro de 1959, tendo estado na posse e gestão da Misericórdia até depois de 1974, quando o Estado vem a assumir estas funções. No que a S. Pedro do Sul diz respeito, o seu primeiro grande serviço desta natureza nasceu também da boa vontade e muito empenho de um benemérito local, António José de Almeida, que andou pelo Brasil, como médico dentista, onde amealhou uma riqueza substantiva, que lhe serviu, como prometeu, para mandar erguer um Hospital naquela terra (testamento de 1873 com variações posteriores), para o que chegou a adquirir a Quinta de Negrosa. Com embaraços diversos pelo meio, o local escolhido viria a ser outro, mas a obra nasceu e começou a dar os seus frutos aí entre 1900 e 1902. Em Oliveira de Frades, a criação mais tardia da sua Misericórdia, 1929/1930, foi também o meio utilizado para a criação dos serviços de saúde, pois nos seus Estatutos, logo no Capítulo I, se consagra a ideia de “praticar os actos de assistência e socorros médicos”, passando a determinar-se que terá anexo um Hospital, sendo a sua parte nova inaugurada em 20 de Maio de 1956. Com estas diversas valências a terem muitos e bons usos durante décadas, nelas se praticando mesmo pequenas e grandes cirurgias, o que foi comum aos três concelhos lafonenses, cumpriram a sua missão até meados dos anos setenta. De então para cá, criaram-se os Centros de Saúde, as Unidades de Saúde Familiar e um Serviço de Urgência Básica (desde 2008, ano do anúncio da sua criação), este em S. Pedro do Sul. Como nem tudo são rosas, apareceram no meio destas caminhadas muitos e arreliadores espinhos, nomeadamente o encerramento dos horários nocturnos e outras quebras que ainda hoje muito se lamentam, com prejuízos evidentes e lamentáveis para as nossas populações. Avanços, houve-os. Mas estes recuos não podem ser esquecidos e urge que sejam combatidos, sendo um objectivo comum a luta por melhores dias. E são esses que nós esperamos. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, 7 jun 18

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