terça-feira, 9 de abril de 2019

S. Miguel do Mato com uma longa história

S. Miguel do Mato, dos imperadores de Leão a Angola Hoje, vamos falar de uma terra de que recordamos um dos pinheiros mais exóticos do mundo, aquele que escolheu para sua morada a torre de um velha Igreja, a de S. Miguel do Mato, visto da antiga linha do caminho de ferro do Vale do Vouga, nas muitas viagens feitas entre Pinheiro de Lafões e Viseu e vice-versa, em anos que se vão perdendo na nossa memória. Impávido e sereno, resistente e teimoso, por lá continuou anos a fio, uma boa cepa, assim o cremos. Com esta evocação arbórea, aproveitamos esta boa oportunidade para falarmos de uma das freguesias do concelho de Vouzela, que muito o tem engrandecido, S. Miguel do Mato. Prenhe de história, nela viveu, por exemplo, um dos mais ilustres nobres da Idade Medieval peninsular, D. Ramiro, Rei (?) de Viseu, Imperador de Leão, que residiu na Quinta do Paço nos primeiros anos de 900, ao mesmo tempo que vagueava pela citada nossa capital de distrito e pela Galiza, onde haveria de afirmar sua crescente importância. Séculos depois, na história deste território, haveria de nascer D. Isabel Almeida Ferreira (cerca de 1659), que viria a estar na origem de uma das mais notáveis casas e famílias da nossa região – os Malafaias de Serrazes e Santa Cruz da Trapa. Consta que os célebres Pastéis de Vouzela tiveram a sua doce origem em religiosas de Moçâmedes, que passaram pelos Conventos no Porto, antes de virem fixar-se na vila que tem a fama e o muito proveito de ser o berço desses mesmos Pastéis. Mas esta terra não se ficou por aqui. No século XVIII, um nosso conterrâneo, José de Almeida e Vasconcelos do Soveral de Carvalho da Maia Soares de Albergaria, um nome grande de Portugal, de Angola e do Brasil, o Barão de Moçâmedes e Visconde da Lapa, Coronel de Cavalaria, Governador de Goiás/Brasil e Capitão-General de Angola, fez surgir a cidade de MOÇÂMEDES, lá em baixo, na África, hoje designada por NAMIBE, o que é uma enorme carta de recomendação para estas povoações de S. Miguel do Mato. Senhor de alma enorme, com saudades de sua aldeia, replicou seu nome nas paisagens africanas para que nunca mais viesse a ser esquecida. Boa ideia, melhor concretização! - Mas o passado de S. Miguel do Mato é muito mais antigo Se estes são dados, por assim dizer, quase contemporâneos, S. Miguel do Mato vai buscar os seus pergaminhos a outros tempos muito anteriores a estes. Por aqui andaram povos ancestrais com milénios de vivências. Um deles, os Romanos aqui estamparam a sua força empreendedora, vincada nos vestígios de duas estradas. De acordo com “Vias romanas em Portugal – Itinerários”, esta freguesia era bafejada por duas vias, uma do Porto a Viseu, tocando estes territórios na sua passagem por Lufinha, Quinta da Comenda a caminho de Gumiei. A outra, vinda do Cabeço do Vouga/Marnel também para Viseu, saía de Vouzela por Fataunços, Figueiredo das Donas, Quinta do Paço, Carvalhal do Estanho, Caria, Bodiosa, havendo, a certa altura, uma variante de Queirã a Viseu, via Igarei e Couto de Cima. Com base numa série de fontes, incluindo o Rancho Folclórico de Vilar que, para além do bom trabalho de pesquisa etnográfica, cultural e musical, ainda nos oferece boas informações de História, sabe-se que D. Afonso Henriques, em 1133, doara a “villa” de Moçâmedes a Fernão Peres. Ao entrarmos no período agitado das guerras com Castela, em 1383/1385, esta terra surge ao lado dos castelhanos, através do Senhor de Moçâmedes e de Lafões, Dom Henrique Manuel de Vilhena. Despojado dos poderes, segue-se-lhe Martim Vasques da Cunha e Gonçalo Pires de Almeida. Com o Reis D. Duarte e D. Afonso V, aqui se notabilizaram João de Almeida, Luís de Almeida, Fernão de Almeida, Duarte de Almeida, o Decepado de Toro. Actualmente, com 924 pessoas (2011), já foram bem mais, em 1950 – 1497; 1960 – 1779; 1970 – 1315; 1981 – 1331; 1991 – 1251; 2001 – 1128, descendo a fasquia do milhar, como vimos, precisamente, em 2011 – 924, números que muito nos preocupam. Para se compreender este fenómeno, hoje há apenas um Centro Escolar para toda a freguesia, por sinal, bem moderno e atraente, com trinta e sete crianças, desde o Jardim de Infância ao 4º ano de escolaridade. Ainda há anos, em 2003/2004, tínhamos as escolas de Caria, também com JI, Lourosa e Moçâmedes. Recuando um pouco mais, descobriremos as Telescolas de Moçâmedes e Caria, o que há não passa de uma boa memória. Religiosamente, nestas terras que já pertenceram aos concelhos de Lafões e de S. Pedro do Sul e agora de Vouzela, podemos assistir às Festas de S. Sebastião, Nossa Senhora das Dores, Corpo de Deus, Espírito Santo, S. Miguel Arcanjo (Padroeiro), Santo António, nas Burgetas, Senhor da Agonia, Ermida da Frádega, apinhada de lendas, Nossa Senhora do Milagres, Caria, Sagrado Coração de Maria, Vilar. Com uma Igreja nova, ainda meio recente, a antiga por lá se mantém, dizem-nos que com algumas obras de beneficiação e conservação, o que é muito bom sinal. - Sinais de modernidade Numa breve panorâmica, são evidentes algumas boas marcas de renovação de espaços, como o da velha Estação, a albergar a Sede de Freguesia, o novo Centro Escolar, o Centro Social, nas antigas instalações da Casa do Povo, sendo que as antigas salas da Escola Primária são ocupadas pela Banda e pela Catequese. Destaca-se ainda a Banda, nascida em 1875, e o ACR/Rancho Folclórico de Vilar, com páginas brilhantes na área em que desenvolve a sua actividade, a Associação Social Cultural e Desportiva, a Associação dos Amigos do Senhor da Agonia, a Fundação Padre António de Almeida Oliveira e o Grupo Desportivo. Em matéria de dinamismo empresarial, se outrora as Minas de Volfrâmio e Estanho marcaram estas paisagens, hoje detectam-se boas experiências noutros sectores, alguns deles de ponta, como aqueles em que se fala de uma nova agricultura, sem esquecer outros planos. Importando atrair a juventude, esse é o desafio que nos deve mobilizar a todos. Neste âmbito, por feliz acaso, tivemos o grato prazer de, no passado dia 29 de Março, assistirmos a um sinal de vitalidade de seus jovens, quando o Dr. Ricardo Lopes, um natural destas povoações, fez a apresentação de seu livro “ Uma marioneta na cruz”. E com esta mensagem de esperança para o futuro, nos ficamos por aqui, sendo que S. Miguel do Mato tem muito por onde andar e um vasto caminho a percorrer. Boa viagem! Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Abril, 2015

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