sexta-feira, 7 de abril de 2023

Em Lafões, canta-se o " Amentar" as Almas...

A tradição do “Amentar das Almas” ainda se não perdeu Carlos Rodrigues Nesta quadra pascal, um período anual em que se cruzam as tradições mais tristes com os momentos de esfuziante alegria, como acontece em Domingo de Páscoa e dias e tempos seguintes, há uma tradição que ainda perdura e que agora se tenta incentivar com encontros concelhios anuais. Uma realização desta natureza teve lugar, no passado dia 1, sábado, na Igreja Paroquial de Paços de Vilharigues em que se juntarem para cantarem e representarem tempos de antanho, nomeadamente, os Grupos de Trajes e Cantares de Cambra, de Loumão, de Fornelo do Monte, de Alcofra, de Queirã, de Levides, de Vasconha, de Albitelhe, de Carvalhal de Vermilhas e o anfitrião de Paços de Vilharigues. Para que estes costumes perdurem, deles aqui vamos dar umas breves notas de enquadramento e de sua importância cultural e social. Começamos por dizer que as suas raízes vêm do Concílio de Trento, essa reunião magna da Igreja de grande duração que se realizou entre os anos de 1545 e 1563, altura em que se assumiu a existência do Purgatório. Daí surgiu a ideia de orar e pedir pelas almas dos fiéis, que, em trânsito para a glória celeste, aí padeciam uns tempos em purificação de suas almas. Para as purificar, segundo essa doutrina, era necessária muita oração e sacrifícios. Dando seguimentos a estas recomendações de alto nível, vindas da hierarquia maior da Igreja Católica, as comunidades locais organizaram-se de diversas formas e uma delas passou pela instauração das rezas e cânticos religiosos em cada local. Nasceram assim os movimentos do “Amentar das Almas”, que é uma outra forma de dizer “Encomendaçáo das Almas”. Caindo em desuso em muitos espaços territoriais, noutros, como alguns dos nossos, subsistem e são sempre lembrados e recordados, quanto mais não seja nos encontros como aquele que acabámos de citar. Por esta nossa zona do distrito de Viseu, estas tradições vêem-se ainda em Mangualde, Nelas e Penalva. Mais além em Seia, já na Serra da Estrela, estas vivências sociais são ainda mais radicais: nas noites de sábado para domingo na Quaresma, às três da manhã reúnem-se os cantores no adro da Igreja e uns grupos sobem à Torre e outros espalham-se pela vila a entoar cânticos em duelos. Às quatro horas da madrugada, nova reunião, desta vez para uma oração comunitária. No concelho de Águeda, isto para citarmos algumas localidades próximas, canta-se “ … Acordai fiéis cristãos desse sono tão profundo/ Escutai e ouvireis as almas do outro mundo… “ Com modalidades diversas, nuns casos, fazem-se peditórios para as almas santas, indo-se de casa em casa; noutros, aproveitam-se as encruzilhadas dos caminhos e outros pontos estratégicos, entoando-se canções em alta voz. Numa interessante e valiosa recolha local, o “Cancioneiro Regional de Lafões, de José Fernando Monteiro de Oliveira, 2000”, o grande homem do grupo “Alafum”, mostra-nos um registo que é bem elucidativo de quanto estas tradições ainda por aqui se vivem. Fala-se então das Almas Santas de Cambra, 1984; da Amenta das Almas de Figueiredo de Alva e Figueiredo das Donas, 1983; de S-Félix, 1945; de PIndelo dos Milagres, 1985; de Vila Maior, 1945; de Manhouce, 1985; de S. João da Serra, 1986. Vê-se assim que estas práticas são transversais aos nossos três concelhos de Vouzela, S. Pedro do Sul e Oliveira de Frades. Sendo imensas as tradições pascais de Lafões, muitas em tom de festa e alegria, desta vez quisemos ir mais aos pormenores, pegando neste tema do “Amentar das Almas” para que nos lembremos que tudo isto existiu e ainda se mantêm com roupagens diferentes, mas culturalmente vivas e isso é que importa… In “ Notícias de Lafões”, Abril 2023.

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