sábado, 8 de julho de 2023

A electricidade chegou a Lafões aos trambolhões...

Electrificação de Lafões em longo e penoso processo Carlos Rodrigues Para nós, Lafões é o centro do mundo. No entanto, para os poderes e entidades centrais tal parece que assim não acontece, regra geral. Se houve um tempo em que esta região tinha peso e estatuto forte, mormente nos primeiros anos da nossa nacionalidade, em que muitos dos nossos antepassados tiveram lugar de destaque, os últimos tempos, séculos e décadas, têm sido férteis em esquecimentos, adiamentos e outras situações do género. Com o fornecimento da energia eléctrica, pública e universal, foi longo o caminho e grandes os penedos que foi preciso derrubar ou destruir. Para provarmos tudo isto, vamos fazer uma breve descrição da forma como foi feita a iluminação por estas nossas terras. Para começarmos, dizemos que o concelho de S. Pedro do Sul foi determinante em termos de criação de empresas que se dedicassem, nos princípios do século XX, a este sector, com três centrais criadas que estenderam a sua influência também aos municípios vizinhos. Neste sentido, entraram em funções os equipamentos de produção de energia eléctrica das seguintes entidades, como se regista na Fundação EDP e nas “ Estatísticas das instalações eléctricas em Portugal – 1928-1950”. Primeiro, tivemos a C.C. Mendes Pinheiro, passando para Empresa Eléctrica de S. Pedro do Sul, uma entidade de serviço público, instalada antes de 1928 e a funcionar até 1934, com 32 KW de potência instalada. Entretanto, em Drizes, nasceu a Sociedade Industrial Sebastião Sobrinhos (depois Lafões Industrial), a começar como serviço particular no Rio Vouga, também anterior a 1928, com 144KW; no ano de 1935, deu o salto para serviço público; em 1948, viu-se apoiada pela Eléctrica Duriense e, no ano de 1950, começou a surgir a Empresa Hidroelécrica da Serra da Estrela; uma outra, dos mesmos proprietários e ainda no Rio Vouga, de apoio à anterior, funcionou de 1934 a 1946, com 232 KW. Como fornecedores e distribuidores, até 1935, tivemos a Empresa Eléctrica de S. Pedro do Sul e a citada empresa Sociedade Industrial Sebastião Sobrinhos (sendo, como vimos, Lafões Industrial passados alguns anos), durando de 1935 a 1949. Pelo meio, entrou em cena a EHESE, sobretudo depois de 1945. Neste concelho, S. Pedro do Sul, assistiu-se ao aparecimento da luz no ano de 1928, sendo que as Termas só a tiveram em 1930, Várzea – 1935, Santa Cruz da Trapa – 1942 e Serrazes – 1943. Quanto a Oliveira de Frades, tivemos a Lafões Industrial e a EHESE até à EDP. O fornecimento fez-se primeiro na vila em 1944 e em Souto de Lafões em 1948. Vouzela tem no Decreto 30964 e na escritura de concessão à Sociedade Lafões Industrial, Lda, do ano de 1940, os documentos principais de todos estes serviços. No plano geral nacional, uma obra de grande interesse é aquela que tem por título “ O Estado na electrificação portuguesa – Da Lei de electrificação do País à EDP (1945-1976), de João José Monteiro Figueira, 2012, Universidade de Coimbra”. Em capa, apresenta-se a albufeira da Ribeira de Nisa, construída pela Hidroeléctrica do Alto Alentejo, tendo entrado em funcionamento em Fevereiro de 1927. Já no ano de 1930, Ferreira Dias, assim descrevia a necessidade desta energia: “… Consumir electricidade não é só atributo do homem industrial, é-o também do homem civilizado, porque aquele a quem hoje a electricidade não interessa, aquele que não sente algumas das necessidades que ela pode fazer na multiplicidade de seus usos, ou é um desgraçado que não tem pão, ou um irracional que não tem alma. Em qualquer dos casos, uma decadência… “ (Figueira, 2012). Acontece que, muitas décadas depois, este seu desígnio estava longe de ser cumprido, mesmo em terras de pão e de gente de bem… Com base nesta mesma fonte, a Lei 2002, de Dezembro de 1944, torna-se quase como a bíblia deste sector e mostra a força do Estado no incremento deste ramo da economia e da energia. Por outro lado, o aparecimento da EDP em Junho de 1976 marca outro ponto nevrálgico nesta marcha do fornecimento da energia eléctrica. Fala-se aí num fim maior e mais integrado, o da “rede eléctrica nacional”, em que se enaltece a intervenção estatal como sua força motriz, a ponto de ter participado como accionista nas 5 maiores companhias do sector, entretanto criadas. Em movimentos centralizadores constantes, em finais de 1960, nasce a CPE – Companhia Portuguesa de Electricidade e, nos anos 70, viemos a ter uma só entidade produtora, muito embora com diversas concessões como aconteceu com algumas associações de municípios. Por fim, tudo se mete no saco da EDP e, agora, vemos que até a China se encontra a mexer nesta área vital da nossa vida como povo e como nação, facto que nos deve fazer pensar seriamente nesta questão. Ao pretendermos entrar neste campo e na nossa região de Lafões, apetece-nos, de imediato, aqui trazer uma curiosidade que tem a ver com aproveitamento de sobras, levando a que, por exemplo, um movimento cívico em Vilharigues tivesse conduzido à constituição da respectiva Liga dos Amigos, ao querer-se mobilizar a população para a sua iluminação, aproveitando os candeeiros a petróleo herdados da vila de Vouzela, sede do concelho, que passara a ter luz dessa nova outra fonte. Dizem-nos que, colocados os postes e as respectivas luminárias, noite a noite, pelas ruas circulavam os jovens, acendendo todo aquele material. Pelo meio de todo este processo, não podemos esquecer-nos que tivemos uma terrível 2ª Grande Guerra (1939-1945), com todo o seu imenso e lamentável cortejo de horrores humanos e de destruição em massa de uma grande parte do mundo. No seguimento deste conflito, a Europa veio a beneficiar de um Plano Marshall, que injectou nos povos dinheiro praticamente sem fim. Portugal, primeiro, não aceitou este programa, mas depois acabou por ceder, pondo de lado o seu orgulho, a partir dos anos 1947-1952. Se formos ao fundo dos montantes investidos em energia, esta nossa zona apenas ficou a ver navios, que os aproveitamentos hidroeléctricos apenas foram para o Cávado, Zêzere, Lima, cabendo-nos, quem sabe, uma reduzida fatia através da Companhia Nacional de Electricidade. Se esta forma de luz artificial remonta, praticamente, ao início do século XX, ultrapassada que fora a fase dos gasómetros e dos candeeiros a petróleo, pelas nossas terras esse progresso chegou muito mais tarde, em grande parte deste território lafonense. Por exemplo, em 1956, o concelho de Vouzela, das suas então 12 freguesias, só três estavam parcialmente iluminadas com esta forma de energia. Por sua vez, Covas do Rio, S. Pedro do Sul, só veio a ser contemplada com este benefício já na década de oitenta, numa gigantesca operação que até meteu helicópteros para transportarem os respectivos postes. Em locais, hoje com visíveis formas de desenvolvimento, como é o caso de Campia, em 1960 organizava-se um peditório pública com essa finalidade e, em 1962, era a vez de Pinheiro de Lafões receber este empreendimento nos seus pontos centrais. Em 1965 e 1966, Alcofra e Cambra lançavam campanhas no mesmo sentido. Tendo sido já depois do 25 d Abril que este sistema ganhou maior visibilidade e penetração nas nossas povoações, houve até bairros ou aldeias bem próximos das sedes dos concelhos, que só puderam acender as lâmpadas muito tardiamente, como Travassós, Oliveira de Frades, em 1981, depois de, numas Festas da Vila, ter protagonizado uma manifestação de protesto em marcha pelo arraial com capuchas e lanternas. Também o Pombal e a Costeira, em Vouzela, apenas tomaram contacto com esta realidade no ano de 1989. Nesta longa subida a pulso, entretanto, temos de dar as boas-vindas à Barragem de Ribeiradio, aos vários parques eólicos, a diversas mini-hídricas e outras formas de energias sustentáveis que por aqui já se vão vendo. Para terminarmos, por agora, estas notas, avancemos com estes quadros que nos mostram quanto se evoluiu, partindo do Recenseamento de 1991: - Concelho de Oliveira de Frades – 10584 habitantes; com luz eléctrica – 10053 e sem ela – 504 pessoas. - S. Pedro do Sul – 19985 – 18780 – 1070 - Vouzela – 12477 – 11690 – 740 Com muita informação por dar, a este assunto voltaremos em breve, se Deus quiser, como é de boa tradição nestas paragens dizer e escrever… Carlos Rodrigues, in “ Ecos da Gravia”, 2023

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