segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Lafões, união e divisão e Covid pelo meio

es, in “NoLafões unido pela geografia e pelo sentimento Agora dividido pela Covid 19 CR Nestes dias de confinamento de fins de semana e de recolher obrigatório em quase duzentos municípios desde segunda-feira, dia 16, e 121 nos quinze dias anteriores, lembrámo-nos de, na tarde de domingo, dia 15, ir fazer um simples teste: procurar as linhas que dividem Lafões em zonas de emergência ou apenas de calamidade. Fomos procurá-as em dois locais de separação dos concelhos de Vouzela e Oliveira de Frades, entre Paços de Vilharigues e Cambra na sua ligação a S. Vicente em dois lados, Sernadinha e Cajadães. Nem um sinal de distinção física, nem algo que fizesse denotar qualquer separação. Houve, no entanto, um pormenor que nos fez ver que nem tudo era igual. Para não quebrarmos as regras da proibição de circular, num caso e noutro fizemos inversão de marcha e voltámos ao ponto de partida, a zona ainda livre dessas regras, Vouzela. Qual foi então essa diferença? Do lado de cá, viam-se as viaturas em movimento. Do lado de lá, no espaço temporal em que estivemos em observação, nem uma. Esta realidade de agora e de daqui a oito dias, fez-nos pensar no seguinte: sendo Lafões um todo natural, a explicação para estas divisões só pode ter origem em razões políticas e sanitárias e foi isso que aconteceu. Assim, desde há duas semanas, Oliveira de Frades, por ultrapassar a fasquia de infecções recomendada pela União Europeia, mais de 240 doentes por 100 mil habitantes, entrou logo, infelizmente, na tal lista negra. Desta escaparam Vouzela (e agora uma vez mais) e S. Pedro do Sul, que desde o dia 16 também, por triste sorte a sua, se veio a incluir nos 77 municípios que nela entraram, excluindo-se sete que dela saíram. Neste curto exercício no terreno, adoptámos a metodologia de irmos só para locais onde estas medidas se mostrassem opostas, como aconteceu com Oliveira de Frades e Vouzela. Quanto a S. Pedro do Sul, tal só se verificará na semana que vem. Extrapolámos depois para uma reflexão geral sobre esta nossa região de Lafões e, mais concretamente, estes três territórios, que há outras franjas de Sever do Vouga, Castro Daire e Viseu que não considerámos para esta análise. Com uma pequena “bíblia” à mão de semear, “ As antiguidades pre-históricas de Lafões, 1921”, do Professor Amorim Girão, nosso saudoso conterrâneo de Fataunços e ilustre geógrafo e académico da Universidade de Coimbra, aí lemos : “ ... É que, apostada en retalhar e descaracterizar o que de mais profundamente nacional existe no nosso país, a divisão administrativa tem contribuído, nas suas diversas vicissitudes, para sistematicamente fazer esquecer aquelas antigas designações regionais, correspondentes a outros tantos organismos bem individualizados, cujos aspectos dominantes assumem geralmente um cunho próprio, que por vezes se revela tanto na constituição geológica dos terrenos e nas formas de relevo e do clima, como nas diversas manifestações da actividade humana e da vida económica. Poi bem! (... ) Lafões... um todo homogéneo corresponde portanto a uma verdadeira região natural... constitui para nós uma pequena pátria... “ Uma região e, de novo, um concelho? Dito aquilo por quem sabia e tinha uma profunda noção de que esta nossa zona é esse “todo” de que nos falou, talvez já estivesse, implicitamente, a dar uma bofetada de luva branca nas divisões administrativas que, no século XIX, aos trambolhões, por aqui se fizeram, sobretudo nos seus idos anos trinta. Sem querermos, por agora, entrar na quente questão de uma possível reunificação administrativa, que consideramos matéria de alto melindre, há pormenores que, bem pensados e melhor desenhados, poderiam resolver parte de alguns problemas surgidos e até de sensibilidades feridas. Há dias, ao ouvir o Dr. Almeida Henriques, presidente da Câmara Municipal de Viseu, se bem entendi, posso manifestar-lhe o meu acordo quando, criticando as tabelas concelhias, dizia defender que tal se fizesse em relação a manchas regionais. Lafões bem poderia ser um campo para esse tipo de decisões, tão intricadas são as ligações entre todas estas nossas terras. Por outro lado, fazendo-se a média geral dos três municípios, talvez até se não atingissem os valores em causa. Queremos dizer que não fizemos qualquer estudo a esse respeito, estando apenas a falar em hipóteses. Também, e agora alargando os conceitos, não nos parece assim muito curial ver a Polícia e a GNR, no bom cumprimento de suas funções, a procurarem linhas imaginárias de divisões entre o Porto e Matosinhos ou Sintra e arredores. Há algo nisto de que dever ser arquitectado de uma outra maneira. Qual? Não nos perguntem que também não sabemos. Pronto. Estas são apenas achegas para uma reflexão profunda que precisa de ser feita a muitos níveis e as divisões administrativas entram nesse rol. Disso temos a certeza. No caso de Lafões, até aos anos 30 do século XIX, como vimos, a história fala por si. E agora será de assim pensarmos? Talvez... Carlos Rodrigutícias de Vouzela”, Nov 2020

Uma volta pelas voltas de Lafões

Lafões em visita Notas para uma viagem histórica nestas nossas terras Com base numa visita feita com os alunos da disciplina de História da Universidade Sénior de Vouzela, no ano de 2017, apresentamos aqui, agora em versão jornalística, uma série de ideias para se tomar conhecimento com a arqueologia da região de Lafões. Entre as muitas opções, apontam-se alguns locais e monumentos que merecem ser vistos, analisados e, por fim, bem entranhados na nossa memória pessoal e colectiva. Depois desta viagem, outros pontos apareceram, pelo que, hoje, o panorama está muito mais rico a esse propósito. TRAJECTO– Vouzela – Balneário Romano das Termas e Castro de Nossa Senhora da Guia/Baiões, S. Pedro do Sul – Anta Pintada de Antelas, Oliveira de Frades – Estrada Romana de Entráguas/Seixa – Castro do Cabeço do Couço, Crasto/Campia – Anta de Paranho de Arca (OFR) – Torre de Alcofra – Anta da Lapa da Meruje, Carvalhal de Vermilhas – Torre de Cambra – Paço Moçâmedes – Minas da Bejanca – Estrada Romana de Figueiredo das Donas e Ponte Pedrinha – Monte Castelo, sepulturas antropomórficas – Vila de Vouzela Para melhor enquadrar esta actividade, nessa altura elaborámos o guião que passamos a transcrever, como meio de ajuda para essa viagem. – Termas de S. Pedro do Sul – Balneário Romano – Designações ao longo dos tempos – Banho, Caldas de Alafões, Caldas do Banho, Termas da Rainha D. Amélia, Termas de S. Pedro do Sul - Águas bicarbonotadas, 68.7 º . Datação – Império Romano ou mesmo anteriores; dinamização com D. Afonso Henriques; Monumento Nacional desde 1938; vestígios descobertos e descritos sobretudo a partir dos anos 50; década de 30, escola primária; posteriormente, café - Nessa altura com projecto e financiamento aprovados para a sua recuperação e valorização, hoje as obras estão concluídas, incluindo a criação de um espaço museológico. Ao lado, Capela de S. Martinho - Dois Balneários existentes: o da Rainha D. Amélia e o de D. Afonso Henriques. - Grande capacidade hoteleira. Aproveitamento de novos produtos em linha de cosméticos e afins; gestão municipal via empresa Termalistur - Em Portugal, cerca de 40 balneários com possível ocupação romana. – Castro de Nossa Senhora da Guia, Baiões, S. Pedro do Sul - Altitude – 477 metros - Povoado do século VIII a. C; Cabanas de planta circular; espólio – mós, machados, raspadores, objectos em bronze (mais de 50), 2 torques e 1 bracelete de ouro (Museu Nacional de Arqueologia – Lisboa), cerâmica, foicinhas, carrinho votivo. - Depósito de fundição, metalurgia – Anta Pintada de Antelas, Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades - Pinturas em ocre com predominância das cores vermelho e preto em oito esteios com motivos diversos e consideradas como expressões arttísticas do melhor que há na Europa; tampa não original; Corredor coberto e um outro no exterior - Descobertas as pinturas nos anos 50; obras de identificação e classificação nos anos noventa; datação pelo método do carbono 14, milhares de anos a. C. Monumento Nacional - Localização – Estrada do Sobreiro para Santa Cruz – Estrada Romana Entráguas/Seixa - Vestígios de troços da antiga ER de ligação entre os arredores de Águeda e Viseu, com passagem por A-dos-Ferreiros, Talhadas do Vouga, Benfeitas, Ponte, Feira, Entráguas, Seixa, Ral, Pontefora, Vilarinho, Cajadães, Postasneiros, Santiaguinho, Vilharigues, Vouzela, bifurcando aqui em duas direcções, para SPS, Castro Daire, etc e uma outra via por Fataunços, Ponte Pedrinha, Figueiredo das Donas rumo a Viseu – Castro do Cabeço do Couço, Crasto, Campia - 1º milénio a.C; cabanas circulares, muralhas - Vestígios – mós, peças de cerâmica e metálicas - Outros castros na Região – Paços de Vilharigues, Coroa – Arcozelo das Maias e Souto de Lafões, Pinho, Ucha, Banho, CÁRCODA, Várzea, Castêlo, Ribamá, etc – Anta de Paranho de Arca - Cobertura e esteios. Sem corredor visível e sem mamoa.MN. – Torre de Alcofra - Cabo de Vila; Século XIV/XV; quadrangular; três pisos; em granito; entrada a nascente; inscrição – AMBDM ( Talvez referências a António de Magalhães Barão de Mocâmedes). Actualmente, com os trabalhos da sua beneficiação, permite-se observar um bom acervo documental em termos museológicos. Ao lado, outros equipamentos de natureza culural e social. - Outras torres – Cambra, Vilharigues e alusões a Bandavises e Caveirós de Baixo – Anta da Lapa da Meruje, Carvalhal de Vermilhas - Sete esteios; tampa de cobertura; corredor com 15 esteios; mamoa. Em fase de trabalhos de valorização em duas épocas de escavações. Aproveitando-se, de uma forma muito agradável, a Barragem ali existente, tornou-se agora um parque de turismo e lazer que em muito amplia a importância deste monumento. - Outras nas redondezas – Mamoas no Zibreiro/Campia; Malhada do Tojal Grande/Carvalhal de Vermilhas; Vale de Anta/ Fornelo do Monte; Malhada de Cambarinho – Torre de Cambra - Capela; dois rios – Couto e Alfusqueiro; Parque Fluvial – Paço de Moçâmedes - Medieval; possivel morada do Imperador de Leão Ramires entre os anos de 900 a 912, d. C. Também possivel Rei de Viseu. Neste local viveu ainda D. Isabel Ameida Ferreira, segunda metade dos anos 1600, que veio a estar na origem da Família Malafaia, Santa Cruz da Trapa e Serrazes. - Fala-se na eventual criação dos Pastéis de Vouzela nesta localidade e, muito provavelmente, nesta Quinta do Paço – Minas da Bejanca - Livro – “ Minas da Bejanca – História(s) das terras e gentes, Fernando Vale, CM de Vouzela, 2015” - Descobertas em 1915 por José Marques do Vale; minérios, volfrâmio e estanho, este muito mais antigo, já do tempo da Idade do Cobre e da romanização, vd. Carvalhal do Estanho. - Portugal, um dos principais produtores de volfrâmio, também existente na China, Malásia, EUA, Canadá, Bolívia, Peru, Chile, Argentina, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreias, Rússia - Alguns indicadores de produção de volfrâmio – 1930 – 417 toneladas; 1939 – 6060 toneladas - Outras minas no distrito e nas redondezas: Arouca – Castro Daire – 1; S. João da Pesqueira – 1; SPS – 8; Sátão – 3; Sernancelhe – 1; Cinfães – 1; Tabuaço – 2; Tondela – 1; Vila Nova de Paiva – 11; Viseu – 29; Vouzela – 5 - Empresas – Entre outras, a Companhia Mineira das Beiras, Lda, com o Couto Mineiro da Bejanca e 7 minas arrendadas ao Banco Burnay, SARL; com a 2ªGG, disputa acesa entre a Alemanha e os Aliados também na disputa das minas, com a Beralt Tin & Wolfram, Lda, inglesa, sendo que, de 1941 a 1952, o Couto Mineiro da Bejanca e os espaços também da Serrinha, Campos de Quintela, Barrosa, Vale do Espírito Santo, etc, estavam na na posse dos alemães. - Reanimação da febre do volfrâmio com a Guerra do Vietname – 1959/1975 - Década de 89 ainda em funcionamento. Depois, a queda e a decadência - Centenário 2015. Agora, novamente eventuais interessados. – Monte Castelo - Escadaria, Capela; Casa da Confraria; Parque de Campismo e Piscinas; sepulturas antropomórficas, minas. Prestamos o nosso tributo a quantos têm ajudado a conhecer e divulgar este património, com ênfase, nos tempos mais próximos, para Jorge Adolfo Marques, António Faustino Carvalho, Carolina Tente, António Nazaré de Oliveira e, recuando até aos princípios do século XX, Amorim Girão, continuando com Irisalva Moita, Celso Tavares da Silva, João L. Inês Vaz, O. da Veiga Ferreira e outros, Manuel Real, Pedro Sobral Carvalho, Lara Bacelar Alves, Fernando Carrera Ramirez, Filipe Soares, Daniel Melo, Helena Frade, José Beleza Moreira, Domingos Cruz... Numa tarefa de todos, o património deve ser olhado por cada uma das comunidades como “coisa sua”, como factor de identidade, pelo que cabe aos seus elementos, defendê-lo e divulgá-lo. A história e o conhecimento agradecem. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Nov 2020

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A agricultura ao longo dos tempos também em Lafões...

Pensar na agricultura como meio de olhar o futuro Hoje, está um pouco na moda ter a ideia de que as chamadas novas tecnologias são a chave que é capaz de resolver todos os nossos problemas e fazer-nos entrar na fase de recuperação de muitas das nossas doenças económicas e sociais. Seria da nossa parte uma asneira condenar esse esquema mental. Mas será também um erro ficarmos por ele e só com ele. Um tanto como leigos, olhamos para essas matérias mais como óptimas ferramentas do que um fim em si mesmo. Estendendo este nosso raciocínio ao trabalho que queremos apresentar, que andará à volta das questões agrícolas, temos de confessar que da terra é que nos vêm os principais alimentos, pelo que essas novas tecnologias, sendo muito úteis, não dispensarão nunca o esforço dos homens e das máquinas em conseguir que dela brotem os produtos de que necessitamos para viver. Aplica-se aqui o velho ditado popular de que sem ovos não se fazem omeletas. Por mais que os computadores estejam carregados de dados, a mão humana nunca poderá ser posta de lado. Muito menos, no campo da agricultura, da pecuária e da silvicultura, áreas de que tanto precisamos. Não queremos, porém, alegar que a inovação pode ficar à margem de tudo isto. Estes números, veiculados por Pedro Reis, em 2013, na sua dissertação “ Inovação na produção agrícola”, bem o provam: no século XVIII, cada família só poderia dispôr de 20 a 30% do excedente em relação às suas necessidades; mais tarde, em finais do século XIX, cada activo conseguia alimento para 4 pessoas e, nestes séculos XX/XXI, a relação é de 1 para 60. Isto mostra um progresso enorme, só possível por força das mudanças operadas ao longo dos tempos, em técnicas e em tratamento dos solos, em fertilização, em mais eficazes sistemas de rega e de melhoria de produtos. Como este autor diz, tudo isto se insere na estratégia “Europa 2020”, não devendo o mundo agrícola ficar fora dos programas em causa. Aliás, entre os casos de estudo que escolheu, um deles teve a ver com a região de Lafões e, nomeadamente, com a produção de mirtilos, sector em que analisou seis em dez dos fruticultores seleccionados, no âmbito do PRODER: Mostrou com este exemplo de que as mudanças têm o seu tempo e são altamente necessárias, mas nunca afirmou que nos podemos sentar no sofá a manobrar o teclado de um computador e esperar que os milagres da produção venham a acontecer. É só isso que queremos demonstrar com estas nossas linhas. Novas tecnologias, sim, fazer delas a tábua de salvação de todos os nossos problemas, nunca. Um trajecto de milénios Numa caminhada milenar, desde sempre o campo teve um papel determinante. Isso nos diz também Eugénio de Castro Caldas, na sua obra “ A agricultura portuguesa através dos tempos, INIC, 1991”, quando escreve que “... No território europeu, ibérico, onde Portugal nasceu, a população encontrou na agricultura o apoio necessário e bastante para cumprir o destino invulgar que a História lhe reservou”... (P. 11) Descreve, depois, as fortes influências romanas, árabes e outras, que vieram moldar o nosso tecido económico e social agrário. Enumera as principais culturas, como a cevada, o trigo, a oliveira e a vinha, entre outras, pondo em evidência a evolução tecnológica ( uma determinante do progresso dessas e de nossas épocas) que se confinava, nessa altura, a uma boa enxada, um arado, uma charrua e a força da tracção animal. Punha ainda em lugar de destaque os avanços na hidráulica, na rega e chegou a declarar como foi essencial o processo de ligação do homem à terra na nossa organização social e política, sendo “... ecológico na sua origem e depois humanizado, que leva (?) à formação da dependência da solidariedade campesina e que passa a ser o suporte de instuições comunitárias como os concelhos... “ (p. 65) Como estamos a ver, a negação da evolução será sempre de eliminar dos nossos esquemas mentais. Entretanto, é crucial reconhecer que o homem e a terra terão de andar, toda a vida, de mãos dadas para bem de todos nós. Muito recentemente, nas nossas zonas, a evolução passou pelo encontro de novos caminhos, como o da cultura de pequenos frutos, o da criação de mercados digitais e de proximidade ( e aqui está uma boa aposta, que, partindo da produção, alia posteriormente as novas tecnologias para dinamizar o processo das vendas), o dos produtos biológicos, passando pelo incremento de novos apoios como aquele que, em concursos abertos em Janeiro de 2020, avançou para 200 mil euros de investimento em acções de transformação e comercialização de produtos agrícolas. É com isto tudo, trabalho prático e inovação, que se assegurará o nosso futuro, mais do que por miraculosas miragens tecnológicas. Como nos mostra Custódio Cónim, em “Portugal e a sua população, I, Alfa, Lisboa, 1990, “ a falha no reconhecimento da importância da agricultura é que levou ao despovoamento e ao desastre que o nosso Interior está a sofrer. Para que conste: nada de condenar a busca de novas soluções, mas também nada de pensar que sem uma forte ligação do homem ao solo o mundo poderá pular e avançar, como tantas vezes ouvimos cantar e com muito gosto. No meio é que está a virtude e aqui também... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Nov 2020

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Autores de Lafões e marcarem pontos: Carlos Almeida é um deles

Ler autores lafonenses em tempos de quase confinamento Carlos Almeida em duas obras CR No ano passado, ainda o coronavírus não tinha despertado para a sua mortífera viagem, Carlos Almeida pôs a circular o seu livro “ O pagador de promessas”, com base em “personagens reais que se dedicam a cumprir promessas que outras pessoas não têm oportunidade de cumprir, em troca de uma recompensa monetária ou de outra ordem”, como bem alerta na contracapa. Com a chancela das “Edições Esgotadas”, este autor leva-nos para geografias diversas, encaixando nela os protagonistas de uma qualquer viagem em peregrinação. Pelo meio, surgem as situações mais bizarras, os episódios que nos surpreendem a cada passo. Ao ler os vários relatos, facilmente nos apercebemos que as figuras principais nos são, de certa maneira, familiares, porque, de imediato, somos transportados para situações que efectivamente aconteceram, ainda que, nestas peças de literatura, vestidas de outras roupagens. Mas o sumo, o fio condutor de meadas anteriores lá estão vivos e a cores. Calcorreando caminhos de pedras duras, ou lamacentos, o sacrifício nunca é posto de lado, porque peregrinar é sofrer, quer queiramos, quer não. Em descrições de personagens com sentimentos os mais diversos e díspares que se possam imaginar, sinal de uma fértil criatividade de Carlos Almeida, aparece-nos um pouco de tudo: também não é estranho que, na base destas crónicas, nos surja, logo, o Caminho de Santiago, estabelecendo-se contactos com “Deus, o Diabo, o Bem, o Mal, o Céu e o Inferno” Nas primeiras páginas deste livro, o Prólogo leva-nos para os “montes e vales da expiação (...) sob o céu e sob as estrelas(...) ao frio matinal e ao luar estival (indo) em peregrinação até ao grande altar sagrado.... “ Com citações e enquadramentos escolhidos a dedo, em todo o texto se nota uma veia criadora que nos apraz registar, vinda de um conterrâneo nosso de Santa Cruz da Trapa, perdão, ainda que nascido em Lisboa, a viver em Viseu mas sempre com a sua terra no coração. Presença assídua nos meios culturais e artísticos, Carlos Almeida escreve em prosa, em poesia, alimenta-nos ainda o espírito com a banda desenhada e a pintura. Enfim, há ali um poço sem fundo de imaginação e vontade de criar algo que nos marque e se não esqueça. Neste seu “ O pagador de promessas”, andando por tanto lado, vai-se de Santiago de Compostela a Fátima, do S. Macário à Lapa e em cada canto há sempre uma boa história para ser apreciada. “ Pandemia: diário de um abandono” Este é o segundo livro de que queremos falar. Era impossível passar-lhe ao lado porque aborda um tema bem recente, bem actual, com um passado de sofrimento e morte por todo o mundo e, agora, a rebentar, de novo, parecendo até com mais força e uma progressão mais rápida. Em capítulos elaborados, por dias, em redor de um vendedor de vinhos que foi apanhado no olho do furacão e lá foi contaminado, sofrendo os horrores da clausura, do confinamento, das incertezas e das dúvidas, na cidade de Wuhan, na China, tudo se iniciou, em imaginação, no dia 25 de Janeiro de 2020. Com uma descrição pormenorizada dos acontecimentos, recheada de termos técnicos e conceitos actuais, o que mostra um bom esforço de pesquisa, aqui Carlos Almeida retrata a fundo as causas e as consequências desta doença, desta pandemia que alterou todo o nosso mundo e o nosso modo de viver. “ Abandonados” um pouco à nossa sorte, num jogo de azar ou sucesso, a linguagem usada é crua, dura, violenta, cruel e provocante. Em catorze lições, termina com um certo ar de pessimismo, alegando que “... Este vírus não irá desaparecer certamente nos tempos mais próximos, pelo que devemos aprender com ele a resistir-lhe (e certamente ele ver-se-á enfraquecido e derrotado pela nossa energia e sentido cívico)... Porque as nossas vidas já mudaram, que não se mantenham num doloroso abandono... “ Por ser um bom contributo para a compreensão desta pandemia, a da Covid 19, fazemos um apelo a que se leia esta obra de 198 páginas, também das Edições Esgotadas. Comparando com a realidade, aprende-se muito... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Out 2020

domingo, 25 de outubro de 2020

Os Távoras em Vouzela e o respectivo processo fatal

O julgamento dos Távoras e Lafões Memórias apagadas em Vouzela Carlos Rodrigues Em meados dos século XVIII, a história portuguesa foi atravessada por períodos de grandeza a muitos níveis, com a vinda dos ouros do Brasil, com a construção de obras imponentes, estilo Convento de Mafra, Aqueduto das Águas Livres, decoração de quase todas as nossas igrejas com a célebre talha-dourada, entre muitos outros faustosos empreendimentos. Isto nos tempos do reinado de D. João V. Após a sua morte, sucedeu~lhe seu filho, D. José, mas para a posteridade quem mais registos acumulou foi a a figura do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo. É no meio destas duas personalidades que entram as cenas aqui relatadas e que apanharam a zona de Lafões por tabela e, muito em especial, a vila de Vouzela. Com uma força que ultrapassava os seus pergaminhos de origem, que não eram assim muito altos, diga-se para que se saiba, o Marquês de Pombal, mal se viu guindado e lançado em altos voos governativos, mostrou duas faces distintas, opostas e contraditórias. Por um lado, homem de acção e determinação, cedo apagou e ofuscou a imagem do rei D. José I, fazendo obra e criando um rasgado corpo legislativo e educativo. Por outro, fazendo uso de uma intriga demolidora, serviu-se desta sua faceta para eclipsar e eliminar quem lhe aparecia pela frente e fazia ofuscar a sua imagem. Criando um vasto corpo de ódios de estimação, como a Companhia de Jesus, as grandes Casas, a dos Távoras, a dos Atouguias, a do Duque de Aveiro, logo tentou embrulhar toda esta gente num saco de que fosse possível descartar-se. Vendo conspirações por toda a parte, sentindo-se acossado, pensava ele, de todos os lados, foi arquitectando um plano para dar cabo dessas famílias e de outros poderes que lhe apareciam pelo caminho. Com carta branca dada pelo Rei, ou por ver em Pombal alguém fora de série e bem capaz de levar por diante o poder absolutista que começava de imperar, ou por ele mesmo se sentir sem forças para exercer esse mesmo papel, o certo é que Sebastião José de Carvalho e Melo teve tudo nas mãos para exercer aquilo que tinha em mente, até pelas lições que aprendera nas suas andanças pelo mundo. Numa certa noite, a 3 de Setembro de 1758, algo de estranho aconteceu (ou foi até inventado?) e aí surgiu o rastilho para fazer ruir o edifício de seus opositores, a começar pelo Duque de Aveiro, pelos Távoras e mesmo pela própria Companhia de Jesus. Vejamos o enredo de tudo isto e as ligações a Vouzela como consequência do que veio a seguir. Nessa noite, diz-se que D. José foi alvo de um atentado, em que foram tidos como presumíveis autores dos disparos António Alves Ferreira e José Policarpo de Azevedo, estes a arraia-miúda, que a alta e fina flor estava em D. Francisco de Assis e Dona Leonor Tomásia, marqueses “velhos” de Távora, D. Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia, D. José de Mascarenhas, Duque de Aveiro, Luís Bernardo e José Maria de Távora, filhos dos citados marqueses, Brás José Romeiro, cabo de esquadra do citado Luís Bernardo de Távora, João Miguel, moço de acompanhar o Duque de Aveiro e Manuel Àlvares, seu guarda-roupa. Sentenciados, foram condenados a pena capital em 12 de Janeiro de 1759. Banidas foram ainda a Casa dos Távoras, a Casa de Atouguia, a Casa de Aveiro e a Companhia de Jesus, pelos crimes de lesa-majestade de 1ª cabeça, alta traição, rebelião e parricídio. No que se refere à Companhia de Jesus, a acusação incidiu muito sobre o Padre Malagrida, confessor de D. Leonor Tomásia de Távora, muito ligada à oposição a D. José e ao Marquês de Pombal, tendo o apoio de outros jesuítas que se reuniam em seu palácio, em conspiração. Consta que, na noite do aludido atentado, o Rei viria dos aposentos de D. Teresa de Távora, nora de D. Leonor, deles se dizendo que mantinham um clandestino convívio amoroso. Por isso, ou por outras razões, o certo é que o processo demorou a ser iniciado e nunca foi muito divulgado, a não ser nas suas conclusões finais. As razões de aqui aparecer Vouzela Na antiga Rua da Ponte (ou Rua S. Frei Gil), nesta vila existe uma antiga casa brasonada que foi pertença dos Távoras e ainda hoje assim é conhecida. Com vários pisos, tem uma escadaria frontal virada para o exterior e, em cima, o respectivo brasão, mas raspado como consequência desse tal julgamento, na medida em que se determinou que as armas dessa família fossem picadas e banido o uso do respectivo apelido. Quanto ao Palácio do Duque de Aveiro, em Belém-Lisboa, foi totalmente demolido, constando que o terreno em que ele se encontrava cheio de sal para nunca mais produzir qualquer planta. A par disto, os bens das Casas dos Távoras, da Atouguia, de Aveiro, de Vila Nova, assim como outros, passaram para a coroa. Deve notar-se que, nesta altura, eram notórios os elos existentes entre os Marqueses de Távora, os Condes da Atouguia, os Marqueses de Alorna, os Condes da Ribeira Grande, os Condes de Vila Nova, o Duque de Aveiro, o Duque do Cadaval, pelo que a teia de propriedades e interesses era por demais evidente e o Marquês de Pombal temia todos esses poderes e influências em rede. No que concerne aos Távoras, a par deste imóvel em Vouzela, que veio depois a ser propriedade de António A. Teixeira, que, em meados dos anos sessenta do século passado, cedeu parte das instalações para as raízes de um futuro museu municipal, os descendentes dessa poderosa família ainda hoje mantêm laços em Mirandela (Paços do Concelho), Souro Pires (Pinhel), Palácio dos Santos em Lisboa (Embaixada de França), vários bens em Mogadouro e até o Palácio das Galveias, na capital, com ela esteve relacionada, etc.etc. Sendo o tronco familiar dos Távoras muito antigo, é muito natural que todos estes elos tenham a vir a ser construídos ao longo dos séculos desde os tempos dos bisnetos do Rei Ramiro II, de Leão-Galiza. Entretanto, o 1º título de marquês de Távora oficial remonta apenas a um decreto de 6 de Agosto de 1669, assinado por D. Luís. Num rocambolesco processo, que mais tarde a Rainha D. Maria fez repescar e reapreciar, muito do que então fora decidido veio a ser anulado, mas o Duque de Aveiro jamais foi ilibado das acusações que sobre ele recaíam. Entretanto, passaram os séculos e o brasão dos Tàvoras, em Vouzela, lá se encontra na mesma: uma pedra rasa sem qualquer motivo por onde se possa pegar... Para estas notas, servimo-nos de Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, António Nazaré de Oliveira (S.Pedro do Sul), Enciclopédia Luso Brasileira, Internet, Filipa Silva/Delfina Gomes, Patrícia Wooley Cardoso Lins Alves, folhetos do Museu Municipal de Vouzela e “Notícias de Vouzela”, mas são muitas as fontes gerais onde estes temas são abordados... Ecos da Gravia, Out 2020

Recuperação de património em Ventosa depois dos incêndios de 2017

Em Ventosa, terra mártir A lenta recuperação da tragédia de 2017 já se nota CR Há três anos, sensivelmente, as ondas de fogo devastaram as nossas terras, fizeram tombar vidas de pessoas e de animais, destruíram habitações e outros tipos de instalações agrícolas, industriais e afins. Numa palavras, viveram-se dias de terror, dor, aflição e uma enorme angústia que ainda agora se nota. Nestas evocações, começamos pela freguesia de Ventosa, onde os efeitos desse incêndio foram dos mais acentuados. Simbolicamente, quisemos saber o que se passa com dois dos solares então totalmente desfeitos, um na sede da freguesia, outro em Vila Nova. Descobrimos bons sinais, que há intenções e obras em andamento. Antes, porém, fazemos uma breve incursão mais geral, para contextualizar, três anos passados, a dimensão desta catástrofe. Com cerca de 18 km2, a freguesia de Ventosa, que se situa pela Serra da Penoita acima, viu uma enorme parte de sua área ficar totalmente queimada. Desapareceram espécies vegetais e animais, diminuiu a biodiversidade. Numa zona de agradáveis carvalhedos, até estas árvores, que se pensavam resistentes ao fogo, foram por ele devorados, tal a sua intensidade em calor e em velocidade de propagação. Felizmente, muitas delas reanimaram e voltaram a ter vida, o que se regista com muito agrado. Sendo Outubro um mês ainda de vindimas, nem as videiras escaparam, assim como os campos de milho e as próprias hortas. Carros, tractores, demais alfaias e equipamentos ligados à lavoura tiveram igual e triste destino. Com um grande densidade de aviários, neste sector foram enormes os prejuízos em equipamentos e construções, mas sobretudo em perda de aves. O mesmo aconteceu com outros animais, desde ovelhas e cabras a vacas e porcos. As chamas pouco ou quase nada deixaram para trás, desde o cume da Serra aos locais mais baixos já perto da vila de Vouzela, havendo, por exemplo, a assinalar a destruição do Parque de Campismo que está encostado às duas freguesias vizinhas e, agora, em franca recuperação, felizmente. Se tudo isto é a prova do que aconteceu com este dilúvio de fogo, o desaparecimento de pessoas, sobretudo em Vila Nova, onde só numa casa se finou uma família inteira, e as casas queimadas completam o quadro dantesco que ali se viveu. Num concelho, como este de Vouzela, que perdeu cerca de 73% da sua área territorial, temos de confessar que, em 2020, ainda muito há a fazer, com especial incidência na reorganização florestal, tantas vezes prometida e outras tantas adiada, numa falha que tem de se imputar, por inteiro, às instâncias do poder central. O domínio dos afectos fez relançar boa parte do que foi destruído Como ponto de partida para este nosso trabalho, tínhamos em mente ir em busca, como dissemos, do que estava a acontecer com os dois citados solares, curiosamente a terem pertencido, numa certa fase de suas vidas à mesma família, os Coutinhos de Vouzela. Acontece que o de Vila Nova tinha já passado para e por outras mãos. Quanto ao de Ventosa, esse manteve-se até à sua derrocada na posse dos proprietários originais e com uma nota importante: nele nasceu e cresceu o seu actual dono, Fernando Morais, quando seu Pai era feitor desta importante casa. Entra aqui, como nos confessou, a razão dessa compra e das obras de recuperação que estão em andamento por fases. Ao assistir àquele monte de destroços, Fernando foi sensível à ideia da sua aquisição em diálogo com uma das então proprietárias. Estando ali as suas raízes, era de afectos que também se tratava. Depois do apocalipse monstruoso, havia que recomeçar tudo de novo. Tudo, infelizmente, não. É que a parte maior e mais imponente do solar estava toda em cacos e era e foi difícil refazê-la. Nas outras partes deste edifício, destaca-se a chamada Casas dos Caseiros, também ela de uma boa traça, que, em princípio, vai ser reerguida e posta a funcionar de novo. A par desse objectivo, notam-se, dentro da quinta, outros trabalhos de valorização do que foi possível aproveitar ou de reconverter alguns desses espaços. Há ali vida e o futuro a reescrever-se e isso conforta-nos e anima-nos. Também em Vila Nova, no solar colorido, a grua lá colocada faz antever que voltará a ser refeito e recuperado, o que é outro ponto muito positivo a pôr em destaque. Em 2020, mesmo com todos os constrangimentos de uma outra tragédia, a do coronavírus que não deixa de nos atormentar, é grande a esperança que ali, em Ventosa, terra-mártir se apresenta com nota alta. A par das habitações já reocupadas e alvo de apoios públicos, na sede da freguesia, em Joana Martins, Adsamo e noutras localidades, os sinais de retoma são a melhor forma de sabermos e pensarmos que a coragem das pessoas afectadas é maior que o desânimo vivido em Outubro de 2017 e muitos meses e anos depois. Das lágrimas de tristeza desses tempos passou-se para os olhos vidrados de uma certa alegria em ver-se que nem tudo está perdido. Muito menos a força das valentes gentes destas povoações cheias de marca negativas que são difíceis de apagar. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela” , Out 2020

Somos todos Caramulo

Somos todos Caramulo Numa Serra que divide Besteiros e Lafões nada nos separa, tudo nos une Desde criança, nunca outros horiontes que não o Caramulo povoaram a minha existência. Em princípio, era a doença que se associava a estas montanhas. A tuberculose, essa maldita maleita contagiosa, fazia-me olhar lá para cima com desconfiança. Os ares cá debaixo pareciam trazer-me muito mais confiança e esperança. Mas eram os de lá de cima que curavam, que davam esperança. Aceitei essa ideia de uma farmácia montanhosa que bem agradou como Hospital de um presente curado e de um futuro com mais esperança. Sosseguei-me e orgulhei-me de pertencer a uma montanha que fazia o milagre de salvar vidas e fazer renascer a esperança. Mas o Caramulo, antes de, nos anos vinte do século passado, pelo génio e iniciativa da Família Lacerda, se ter convertido em estância de saúde, foi e é a Serra que nos serve de guia e farol, que nos faz sonhar com as alturas e com a neve, que une o norte e o sul em busca de traços comuns de vida e de capacidade de dela se tirar toda a sua riqueza, como paisagem, como solo de variadíssimas produções, como local de ancestrais tradições e costumes, de que, para nós, a capucha aparece como símbolo sem par. Deste lado, estamos nós em Lafões, do outro, vivem os nossos irmãos de Besteiros e até da Bairrada. Diferentes, somos todos Caramulo, porque filhos da mesma Serra. Por estas montanhas andaram muitos dos nossos antepassados, daqueles que saltavam de lugar para lugar e dos outros que, mais tarde, aqui fizeram o seu pouso mais duradouro, eterno, muitas vezes. Diz-nos Amorim Girão (nas suas Antiguidades Pré.Históricas de Lafões, Coimbra, 1921), que “ ...A Serra do Caramulo na sua encosta ocidental constitui, dentro da região lafonense, o nosso mais importante centro de antiguidades pré-históricas e nela se encontram alguns dos mais belos monumentos megalíticos da Beira e do País... “ Entretanto, um estudo muito completo e muito mais recente sobre estes montes foi-nos apresentado, em 1988, também com origens em Coimbra, Faculdade de Letras, com o título de “ A serra do Caramulo – Desintegração de um espaço rural”, da autoria de J. V. Silva Pereira. Filho de uma família das faldas desta Serra, da encosta de Besteiros, essa condição fê-lo abraçar este projecto de dar à luz tão vasto e complexo trabalho. Entre outras razões e conclusões alegou que “... Conhecer uma região é dispôr de uma completa informação, totalmente compreendida no seu conjunto e globalmente reconhecida como a sede de variados processos dinâmicos. É, afinal de contas, analisar a evolução, as origens, movimentações e transformações tomadas numa dimensão espaço-temporal... p. 19” Do alto dos seus 1074 metros, Caramulinho, são múltiplos e variados os ângulos de observação. Desta forma, não admira que Silva Pereira tenha pegado em tudo, desde a geologia às plantas, sem nunca deixar de fora as pessoas, os seus locais e formas de vida. Se atentarmos no sub-título, logo se nota que olha para este território como um local a perder parte de suas raízes e daí o ter notado que se vive em fase de “desintegração”. A confirmar esta sua convicção, na página 48, refere uma das causas que levaram a essa situação. Diz-nos isto: “... A fuga à miséria iniciou-se com a partida das gentes, que, em bandos sazonais, se dirigiam para as ceifas de trigo, nas escaldantes planícies alentejanas, a apanha da azeitona e das vindimas no Ribatejo, ao trabalho exaustivo das secas do bacalhau no Seixal e no Barreiro. Surge-lhes então o desejo de se deslocarem para as cidades, em especial, Lisboa. Finalmente, o estrangeiro aparece-lhes como a maneira de tentar uma vida menos pesada para ganhar o duro pão de cada dia... “ Historiando as suas origens, fala na antiga Serra de Alcoba, ou no Mons Catarazo. Vê-se ainda o aparecimento das formas Serra do Caramulo, Serra de Alcoba ou mesmo de Besteiros para designar a mesma realidade. Como ponto de partida para as análises feitas, incidiu sobre os distritos de Aveiro e Viseu e dos concelhos de Àgueda, Anadia, Mortágua, Oliveira de Frades, Tondela e Vouzela. De cada um destes municípios fornece-nos uma série de dados de vários níveis, assim como retrata a Serra no seu conjunto. Para o conhecimento da terra que somos, este livro serve-nos de bom a particular apoio, merecendo, por isso, uma visão atenta e interessada. É isso que estamos a procurar fazer.... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Out 2020